23 outubro, 2011

Criação de Abelhas em Manaus - Amazónia - BRASIL

Semanas antes de partir para a Amazónia pedi ao Kalhil (Meliponário do Sertão – Rio Grande do Norte) que me encontrasse algum apicultor em Manaus, dessa forma asseguraria a componente “apiturística” que as minhas deambulações sempre cumprem.

Muito célere recebi o contacto de um apicultor da região: Vidarico Nascimento, associado da ACAM, Associação de Criadores de Abelhas de Manaus, que reúne meliponicultores e apicultores. Já conhecia o nosso trabalho através da Revista o Apicultor, de que é assinante e leitor assíduo.

Desta feita, na tarde de 17 de Setembro de 2011 em que a temperatura rondava os 40ºC e a humidade muito próxima dos 90%, o Alexandre, apicultor paulista radicado em Manaus, levou-nos à UFAM, Universidade Federal da Amazónia, onde nos aguardava uma calorosa recepção de apicultores e investigadores dessa entidade.

Tivemos oportunidade de visitar os meliponários da UFAM, divididos em duas secções, uma para as meliponas e outra para as Trigonas, acompanhados pela Drª Norma Rodriguez Bustamante, investigadora e docente no departamento de entomologia florestal.

Seria abusivo transcrever o nome, as características e a biologia de cada uma das raças de abelhas ali presentes. No entanto, para um apicultor europeu, fica uma ilação curiosa: A gestão racional dos nossos apiários em Portugal já é trabalhosa só com uma raça de abelhas, anotando as características e necessidades de cada colónia para afinar o maneio na próxima visita. Agora imagine-se quando juntamos no mesmo assentamento colónias de insectos muito diferentes e com exigências de maneio também elas muito distintas…

Também aqui se nota a evolução no sentido de racionalizar as colmeias e as técnicas de produção. Apesar de serem abelhas com comportamentos e hábitos muito diferentes das nossas, começam a normalizar-se as colmeias onde também se podem distinguir áreas para a criação e para as reservas de mel.

Abelha rainha (rainha fisiogástrica).

Não deixa no entanto de nos surpreender a possibilidade de nos encontrarmos num apiário onde abrimos as colmeias, mexemos nas abelhas e até provamos o mel sem a necessidade de usar equipamentos de protecção e evidentemente sem sermos ferroados.
Anotei o facto de as “trigonas” em geral serem mais agressivas que as “meliponas”, não picam, ficou claro, mas entram-nos pelos cabelos em tal quantidade e agitação que parece que vão ferrar a todo o instante. Nessa altura reparei que uma das meliponicultoras do grupo usava um curioso chapéu com protecção para o pescoço e orelhas, abotoado à frente e que evitava precisamente esta reacção algo incómoda destas abelhas.

Não anotei mas ainda recordo como apesar de não andarmos equipados com macacão e máscara, as temperaturas e humidades de Manaus nos faziam transpirar em bica. Valia a existência de bebedores estrategicamente colocados onde acedíamos à água fresca.
Finda a visita aos meliponários reunimos num gabinte da UFAM, onde a Dr.ª Norma Bustamante nos elucidou acerca da investigação levada a cabo pela Universidade no campo das abelhas sem ferrão. Tais trabalhos visam sobretudo a polinização da vegetação Amazónica e para tal a criação e conservação destes insectos.

Recordo a preocupação de um guia durante os passeios pela floresta em “desculpar” a copa das árvores pela ausência ou raridade de outras cores para além do verde, apesar de floridas, mas as flores eram muito subtis e discretas, adaptadas à polinização pelas abelhas autóctones.

A investigadora acabou por nos oferecer a cartilha “Conhecer para Conservar” de que é co-autora, editada e distribuída pela Universidade nas comunidades rurais onde se ensina passo a passo a forma de criar tais abelhas tendo em vista não só a produção de mel como a polinização. É sabido que na Amazónia ainda é muito praticada a “recolecção” de mel, onde pessoas menos informadas destroem com essa prática as colónias de abelhas selvagens.

Seguiu-se uma reunião de confraternização com apicultores da ACAM, onde mais uma vez me senti como nas reuniões da ADERAVIS ou com outros apicultores que conheço. Tal como Ignazio Siloni escreveu em “Fontamara” sobre o facto de todos os camponeses do mundo falarem uma língua igual, o que se aplica também aos apicultores: os mesmos anseios e preocupações, tal como o mesmo sentido de humor e a esperança.

Ficam “as histórias” do “Seu” Moreira, descendente de portugueses, e do seu “tapuru” de abelha que recolhido e conservado a preceito é como a geleia real…

Dos criadores de Apis mellífera aqui presentes estranhei o facto de não fazerem tratamentos contra a varroose e se melhores razões não encontram para tal, basta o facto do ácaro não querer nada com as abelhas destas paragens. Em vez disso as abelhas padecem, e até sucumbem, do ataque dos forídeos, espécie de díptero (mosca) que invade as colónias. Este inimigo é já um velho conhecido dos meliponicultores.

No dia seguinte, penúltimo dia em Manaus e as saudades eram já insuportáveis. Nunca esquecerei a noite da chegada, quando ao abrir a janela do Tropical Manaus levei com tal baforada de ar quente e húmido, tresandava à mata e a qualquer entidade selvagem. Antes de adormecer e ignorando mosquitos e ar condicionado, tudo me serviu de desculpa para ir à janela uma infinidade de vezes.

Neste dia esperava-nos uma nova “surpresa apícola”: visita ao “Sítio” da Dr.ª Aldenora Lima, que já conhecêramos na tarde anterior, investigadora e criadora de abelhas sem ferrão. Mais uma vez acompanhados pelo Alexandre, deslocamo-nos a Poraquecoara, junto a Manaus.

Aqui a selva parecia mais domesticada, mas só aparentemente, junto a uma estrada secundária, sinuosa e de piso irregular, havia imensas quintas de 3; 4 ou 5 ha, com uma vedação à volta e a vegetação mais rarefeita, as copas quase não se tocavam entre si. De facto era apenas “aparentemente”, pois na parte de trás das pequenas fazendas o “verde infinito” voltava a dominar, a muralha de copas altas e entrelaçadas prolongava-se por distâncias enormes.

Antes da viagem surpreendeu-me a notícia que vi num blog local acerca da dificuldade em criar abelhas Apis mellífera na região. E a razão, tão válida como qualquer outra, a mais não se deve que à fronde das árvores, à imensa e contínua massa verde, verdadeiro labirinto de troncos, lianas e copas que não possibilitam o voo destes insectos.

Os campos de Poraquequara, mais humanizados e de vegetação mais rarefeita parecem já oferecer condições para a prática da apicultura que conhecemos. Tivemos também a oportunidade de visitar um apiário com as conhecidas abelhas “africanizadas” e do qual vos vou dar conta na próxima oportunidade…

Na visita ao sítio do “Seu” Chico, podemos mais uma vez apreciar um meliponário, este pertença do João Fernandes, um jovem que já faz da apicultura um modo de vida, com captura e venda de enxames e de mel.

Mais uma vez se nos deparou uma infinidade de raças de abelhas, ocupando colmeias com as mais diversas arquitecturas onde me chamou a atenção uma delas que nos cabia na palma da mão.

Aberta a caixa e ainda incrédulo sobre a possibilidade da mesma albergar uma colónia de abelhas, deparamo-nos com “bichinhos” que mais pareciam mosquitos. Os potes onde guardavam o mel, em vez do tamanho (e forma) de um polegar a que já nos tínhamos habituado ver nas espécies maiores, pouco passavam do tamanho de grãos de trigo, unidos entre eles por filamentos de cera. O conjunto lembrava um cacho de uvas que não se chegou a desenvolver.

Mas utilizam estas abelhas para produzir mel?

Há quem o faça, mas imagine-se a paciência de chinês para estar com uma seringa a absorver menos de um ml por cada pote, mas o interesse em criar estas abelhas a que chamam plebeias deve-se sobretudo à polinização.

Mais tarde voltei a admirar outras variantes das ditas plebeias, criadas pela Aldenora Lima no seu sítio. A investigadora referiu e acentuou bastante o interesse nesta multiplicidade de raças de insectos sociais para a polinização de espécies autóctones e como fiéis da balança que suporta o equilíbrio ambiental na Amazónia.
Uma dessas colónias de abelhas minúsculas era responsável pela polinização do Cupuaçu. Nome indígena de um fruto que parece um coco, mas do género Theobroma, como o cacau.

Cupuaçu, que não passaria de mais um nome na minha lista de exotismos ou não lhe tivesse já provado o suco e sentido as propriedades nutricionais e energéticas. De tal forma que passei a olhar para a planta e respectiva abelha com um respeito crescente.

Desta passagem ressalta mais uma curiosa observação para os apicultores europeus: tantas são as vezes em que saímos para o campo com o objectivo de montar mais um apiário, com a check list debaixo do braço, tentando não esquecer nenhum pormenor: orientação, protecção dos ventos, proximidade da água, sombreamento… e mais uma vez só lidamos com uma espécie de abelhas.

Quando criamos várias espécies de meliponíneos e continuo a reportar-me à polinização do Cupuaçu, a simples existência de algumas outras espécies é o suficiente para ir tudo por água abaixo. As abelhas responsáveis e adaptadas a esta planta, de pequeníssimas dimensões, facilmente são inibidas e substituídas por outras que apesar de visitarem as flores, recolherem pólen e néctar, não fazem a polinização.

Nesse momento imaginei-me a lidar com várias espécies de Apis, a conhecer o comportamento de cada uma delas e a executar um diagrama mental sobre quais podia ou não associar no mesmo apiário… havia de ser bonito…

Seguia-se o almoço com os apicultores e investigadores presentes, confeccionado pelo José Gladstone, esposo da Aldenora: picanha com os habituais acompanhamentos e uma galinha de cabidela de se lhe tirar o chapéu.

Ouvi de José Gladstone as melhores histórias da floresta amazónica: a Cobra Grande, o Mapinguari, o Curupira e tantas outras vivências como só pode testemunhar quem passou muito tempo embrenhado na selva, na recolha do látex da seringueira.

Boa parte dos relatos apontava para uma região inóspita e menos conhecida: o Rio Purus, afluente do alto Amazonas, junto à fronteira com o Peru. Ou eu não me conheço o suficiente ou só “descanso” quando vir bem perto a placa “Bem vindo ao Rio Purus”…

Na parte da tarde, entre momentos de amena cavaqueira ainda assistimos a uma palestra pela Drª Aldenora Lima, sobre os seus estudos sobre a polinização, visitamos os respectivos meliponários onde imperava a criatividade na construção de colmeias e das melhores condições para a criação de abelhas.

Seguiu-se também uma demonstração prática, onde participamos, na transferência de uma colónia de meliponíneos de um “cortiço” para uma colmeia racional, assunto que também irei partilhar numa próxima oportunidade.

Ninho de cupins (térmites) que foi parcialmente ocupado por uma colónia de trigonas. As últimas bloquearam parte dos túneis evitando o acesso dos cupins, sendo este fenómeno muito comum.

Ninho de abelhas selvagens no Rio Negro.

No fim e em mesa redonda, o testemunho de cada um dos participantes, reunião que sempre acontece mensalmente entre os associados da ACAM, desta vez com a presença de dois forasteiros do mesmo ofício. E como “a despedida” ganha outra dimensão nestas latitudes, estávamos num alpendre junto à habitação, numa atmosfera como sempre imaginei o Brasil: Um telheiro junto à casa, vegetação luxuriante no exterior e muita amizade e convívio cá dentro.