28 novembro, 2012

Abelhas Selvagens da Índia

Antes da minha passagem pelo sub continente indiano só tinha contactado com 25% dos representantes do género Apis, nomeadamente a Apis mellífera. Faltavam-me a Apis cerana, a A. dorsata e a A. florea no curriculum

 A expectativa era imensa, sobretudo pelo exotismo das duas últimas espécies, visto a A. cerana ser a mais semelhante à nossa abelha europeia. A Europa apícola é muito monótona, vale-nos o amarelo dourado da A. mellífera ligústica para desenjoar da habitual abelha escura e peluda com que nos deparamos diariamente.

Já no ano passado tinha experimentado tal sensação ao contactar a imensa variedade de abelhas sem ferrão no Norte e Nordeste do Brasil.
No entanto, as espécies Apis dorsata e Apis florea não são domesticadas, é-lhes igualmente retirado o mel mas são de vida livre, nunca em estruturas construídas pelo Homem.
 
A primeira colónia de A. dorsata surgiu-nos na copa de uma acácia, num jardim algures entre Jaipur e Agra. Foi depois de um funcionário ter reparado no meu estranho interesse pela floração de determinado arbusto que lhe perguntei pela absurda ausência das abelhas, visto que outros insectos havia em abundância.
Levou-nos por um trilho que terminou junto à referida árvore onde a muitos metros de altura se encontrava a colónia. Não conseguimos grandes pormenores, dada a distância, mas serviu para matar a curiosidade. Surpreendeu-me a imobilidade destas abelhas, apesar das boas condições climáticas e da hora do dia, nenhuma saía ou entrava no favo.
 
Enormes colónias de Apis dorsata em Bateshwar, junto ao Rio Yamuna. Encontravam-se instaladas em figueiras (Ficus religiosa), uma das árvores que preferem para erigir os ninhos. Uns metros mais abaixo circulavam centenas de pessoas nos templos junto ao rio e no mercado.
 
A Apis florea só se “revelou” dias depois, num ramo de buganvília a cerca de meio metro do solo. Encontrávamo-nos no Chambal Safari Lodge, junto ao povoado de Jarar, e cujo naturalista residente alertado para o nosso interesse por tais criaturas logo encarregou o seu staff para nos encontrar uma colónia. Tivemos sorte, ao que parece não serão assim tão abundantes na região ou pelo menos só encontramos essa no jardim do Lodge.
São muito bonitas, pequenas e coloridas, um anel (ou anéis) de cor vermelho alaranjado logo a seguir ao tórax, seguindo-se depois 6 ou 7 alternados de preto e branco. Creio que são pelos brancos entre os anéis que fazem este contraste de riscas no abdómen.
O favo com uns 50 x 40 cm estava tão escondido na folhagem que foi difícil fotografar as abelhas na primeira incursão. Mas a curiosidade foi tanta que me arrisquei a afastar os ramos para melhor aceder à colónia.
Pedi ao naturalista Dushyant Singh para segurar um dos ramos enquanto eu fotografava as abelhas, ante o seu ar incrédulo, recordo que a única coisa que me ocorreu para o tranquilizar foi dizer-lhe que caso me visse a correr que fizesse o mesmo… felizmente não houve qualquer incidente a relatar, pelo menos nessa tarde…
Registei um comportamento muito semelhante ao da A. dorsata: apesar do dia quente e ensolarado, abundância de vegetação florida, as abelhas jaziam praticamente inertes e agarradas ao único favo que compunha a colónia. Procurei por diversas flores nos arredores e nem uma única abelha vi na colecta do néctar.
Mais tarde ao ver as fotos percebi a presença de um zangão a emergir da mole de abelhas coloridas, suponho que seja um zangão pelo tamanho e formato dos olhos.
 
Um dos responsáveis pelo jardim contou-me que a cresta do mel destas colónias era feita durante a noite, quando havia luar, um balde de água certeiro afastava as abelhas que subiam pelas ramagens e depois recolhia-se o favo completo. Garantiu-me que as abelhas não sucumbiam a esta intervenção, construindo um novo favo noutro local.
Favo abandonado que encontrei num canteiro de flores, junto a um restaurante em Agra, conseguem-se ver a disposição da criação em anéis.


Os alvéolos, construidos em cera tal como na Apis mellífera, mas de diâmetro muito menor.
 
Ainda o tentei convencer a crestarmo-las nessa noite, mas a ausência de luar não o permitiu. Resolveu compensar-me podando a buganvília de madrugada, quando o perigo de picadas era menor, para as fotografarmos no dia seguinte. Antes não o tivesse feito… encontrei-o de manhã, orgulhoso, com um inchaço em cada braço, a apontar para as abelhas agora com o favo mais exposto.
Apesar das melhores condições, ocorreu-me afastar algumas abelhas do enorme grupo para as fotografar mais individualizadas, antes não o tivesse feito também…
Munido de um pequeno raminho que enfiei cuidadosamente no meio dos insectos, consegui trazer cerca de uma dezena que coloquei no chão, uns metros afastado.
 
Enquanto posicionava o ramo e as abelhas para a foto, senti aquilo que todo o apicultor que se preza já sentiu, mesmo na canela esquerda, lá estava a abelhinha a girar furiosa para me enterrar o pequeníssimo ferrão.
Preocupei-me mais em focá-la com a objectiva do que repelir o ataque.
Em termos de intensidade a picada foi inferior a 50% da ferroada da Apis mellífera, pior foram as 8 horas de autocarro seguidas de 12 de avião no dia seguinte: a imobilidade da perna todo esse tempo depois da picada, originou um inchaço que passou do vermelho ao negro e com imensas dores, mas valeu a pena.

Podia ter sido pior, num desses dias e depois de ter ouvido a Luísa dizer “olha, vai ali uma cobra” deparou-se-me uma Naja com mais de um metro e com a característica cor negra, felizmente que não se interessou muito por nós…
 

O que Roger Morse e Ted Hooper dizem sobre as espécies do género Apis na Enciclopédia Ilustrada de Apicultura (Ed. Europa – América, 1988):

Existem apenas quatro espécies de Apis no mundo e todas elas constroem favos de cera , recolhem e armazenam quantidades de pólen e néctar e têm biologias semelhantes. Qualquer das quatro é correctamente designada como abelha de mel, embora apenas uma espécie, a Apis mellífera, seja usada comercialmente na maior parte do mundo.
Duas das espécies, Apis florea, a mais pequena das quatro, e Apis dorsata, a maior, constroem um único favo numa área exposta, geralmente debaixo do ramo grande de uma árvore. (…) Como não os fazem (favos) em cavidades e não têm qualquer sistema de protecção para os mesmos, só se encontram nos trópicos.
A Apis cerana, (por vezes impropriamente chamada Apis indica) e Apis mellífera fazem ninho em cavidades abrigadas, encontrando-se tanto nas regiões temperadas como tropicais. Enquanto as quatro espécies de Apis diferem no tamanho, a estrutura dos seus corpos é semelhante; no entanto, os elementos de uma espécie não podem acasalar com elementos de outra, o que constitui a verdadeira marca da espécie.
Os investigadores já fizeram a inseminação instrumental de uma espécie de Apis com esperma de outras espécies. Embora o esperma faça a sua migração e pareça fertilizar o óvulo, não há incubação, não se produzindo operárias no estado de larva, ninfa ou adulto, nem rainhas ou zangãos.
(…)
E se um dia descobrirem abelhas em Marte, acreditem que o “montedomel” fará os possíveis e os impossíveis para... 
Obrigado ao Naturalista do Chambal Safari Lodge, Dushyant Singh, pela amabilidade, paciência e toda a ajuda disponibilizada na realização desta reportagem!

27 novembro, 2012

Ainda o Comércio do Mel...

Fotografia obtida por um amigo num Hipermercado, em Angra do Heroísmo na Ilha Terceira - Açores.
Assinalou-se a área de exposição dos méis desta ilha, a amarelo, em comparação com a restante área para os méis de outras ilhas dos Açores, méis do continente, da Europa, da Não - Europa, das Misturas Europa e Não Europa, talvez até de outros pontos do Sistema Solar, mas é pouco provável...

22 novembro, 2012

Mel de "Santa Maria de Todo o Mundo"...

 
Video enviado por um amigo
"No creo en las brujas, pero que las hay, las hay"
...e mais não digo!

18 novembro, 2012

Beetracker & Beechip

Clique nas imagens para ampliar
 
Finalmente o que nos parece ser um excelente sistema anti-roubo, disponível na MACMEL, para mais informações clique em:

13 novembro, 2012

मधुमक्खीपालन na Índia


Desta vez fui mesmo com pouca fé na “api-reportagem”.
Não só o desconhecimento quase total das práticas apícolas na Índia, como as barreiras linguísticas e outras dificuldades que um país tão populoso sempre apresenta, tornaram a missão quase impossível.

No entanto, não houve jardim público, mata, terreno de cultivo ou simples vaso com flores onde não espreitássemos a possibilidade de encontrar uma abelha a colectar o néctar. Certo é que as não havia, boa parte do circuito foi em meio citadino e decerto que a elevada poluição atmosférica há-de ter encorajado estes insectos a procurarem pastagens mais longe.
Mesmo quando questionava os habitantes locais, através da preciosa ajuda dos guias, a resposta era sempre evasiva ou até negativa. Estávamos na região Norte, mas as referências apícolas apontavam ainda mais para Norte ou para Este.
Só mais tarde outro dos guias nos conseguiu indicar locais onde com alguma certeza havíamos de encontrar explorações apícolas. Não sem que tais interesses lhe fizessem alguma confusão, visto que os operadores turísticos não estão ainda sensibilizados para a oportunidade que as ruralidades deste género podem representar para o sector.
Deslocávamo-nos então por uma zona rural, entre Jaipur e Agra, quando ali mesmo ao lado da autoestrada nos deparamos com o primeiro apiário. Tinha umas quantas dezenas de colmeias, pintadas de branco e marcadas eventualmente com as iniciais  do proprietário.
 
O modelo era semelhante à Langstrooth, cuja prancheta fora substituída por uma serapilheira. Infelizmente as colmeias pareciam despovoadas, não se detectando qualquer movimento de abelhas no exterior, nem tão pouco nas flores em redor, apesar do calor que se fazia sentir.
Mais à frente, junto ao povoado de Bhartpur, região de campos de cultivo, numa enorme clareira surgiu então um grande apiário com dezenas de colmeias do mesmo modelo das anteriores, mantendo o pormenor da serapilheira sob o tampo.
Neste assentamento havia um pormenor deveras curioso: mesmo ao centro do extenso apiário encontrava-se uma tenda de campanha, em lona azul, montada sobre uma estrutura de madeira. Pareceu-nos uma forma bastante pitoresca de estar na apicultura, decerto o apicultor permanecia junto à exploração nas épocas de maior actividade.

Enquanto aguardava pela autorização de visitarmos as colmeias, conseguida por um dos motoristas que nos acompanhavam, vi as primeiras abelhas Apis cerana (?) pousadas sobre as flores. À primeira vista lembravam os híbridos da abelha negra europeia com a amarela italiana, mas a tonalidade e sobretudo a sobriedade das cores envolvidas era algo diferente. Comparei-as com fotos de A. cerana na net e mantenho as mesmas dúvidas pelo que prefiro deixar a classificação para segundo plano.
 
 Finalmente vi aparecer o Sanjay com o sorriso habitual e com ele o almejado apicultor, de nome Shubash Chand, conforme o motorista Anil Sharma mais tarde escreveu no meu caderno. Tínhamos finalmente alguém com quem falar sobre a apicultura local.

Começou por abrir uma das colmeias, onde logo percebemos quão dóceis eram estas abelhas, permanecendo impávidas e serenas no quadro que ele retirou para nos mostrar. Ao fim de algumas colmeias abertas percebemos que as colónias nesta fase do pós cresta, decerto atravessam algum período menos activo, dado o reduzido número de quadros ocupados em cada caixa.

Não se viam quadros colados ou mesmo os característicos depósitos de própolis no interior das colmeias, que de resto me pareceram muito limpas e higienizadas.

À minha questão o Shubash negou deslocar o apiário para outras pastagens, limitando-se quase que exclusivamente à exploração do néctar das culturas de mostarda, típicas do local e cuja floração não dura mais de dez dias e que ainda assim conseguem encher uma alça de mel. Fiquei maravilhado: 10 dias de produção – 10 kg de mel.
Ocorreu-me depois que vivo numa realidade semelhante: Nos últimos anos, dos cerca de 50 dias que dura a floração do Rosmaninho, subtraindo os períodos de frio e chuva, sobretudo os dias ventosos, tenho contado entre os 9 e os 15 dias óptimos e isso traduz-se em produções médias entre os 15 e os 25 kg/colmeia.
Já no período de carência, este apicultor quase sempre recorre à alimentação complementar para manter os efectivos, processando-se este aspecto de forma muito semelhante ao praticado pelos apicultores ocidentais, utilizando inclusivamente os saquinhos de plástico como suporte para o alimento.
De qualquer forma decerto que houve algo que nos escapou em termos de tradução, pois os campos agrícolas por onde passávamos encontravam-se em plena produção e eram visíveis outras potenciais fontes de néctar para as abelhas.
Confirmou-nos que a serapilheira utilizada entre o tampo e os quadros servia para desencorajar a pilhagem entre colónias e como tal seria então um substituto económico da prancheta.

Não há apicultor que se preze que na primeira oportunidade de contacto com companheiros de outras latitudes não se interesse pelas comparações sanitárias, ou não fosse a Varroa um pesadelo que nos acompanha para todo o lado. Nunca ouvira falar dela, ou melhor ainda, não colocava um único produto químico ou homeopático nas suas colmeias.
Referiu sim a existência de um parasita, que o Anil me traduziu como “fly” e a minha imaginação terá levado para os forídeos (espécie de mosca) que no Brasil não só afectam as abelhas sem ferrão como as próprias Apis africanizadas… De qualquer forma, os quadros do ninho aos quais tive acesso pareceram-me bastante saudáveis, tal como nada me garante tratar-se do mesmo parasita.
O momento mais esperado, quando o apicultor nos mostrou o mel da sua produção, não foi propriamente a curiosidade em prova-lo, mas o facto de isso nos ter feito abeirar da misteriosa tenda no meio do apiário. Já esperava que a lona lhe servisse de abrigo nas épocas de maior actividade, mas surpreendeu-me encontrar aí uma cama de campanha, uma colmeia travestida de mesa-de-cabeceira, com utensílios de cozinha, uma arca e uma motorizada. Um verdadeiro asceta apícola, muniu-se do estritamente necessário para a sobrevivência e claro está, rodeou-se do objecto da sua veneração: as abelhas.
 
Ainda imaginei o Shubash a ser acordado por uma multidão de abelhas furiosas quando me ocorreu que estas eram bastante dóceis. Imaginei também a distância em anos-luz que separam um apicultor indiano apartado de todos os confortos para produzir mel, dos projectos ProDer que ora (des)animam a apicultura portuguesa… Depois coloca-se o termo “competitividade” no sítio onde os economistas o deviam ter e obtém-se uma salada curiosa…

Gostei do mel que nos deu a provar, decerto o néctar da mostarda, de cor escura e viscoso mas muito agradável. Também nessa altura nos mostrou dois baldes de 20 litros com a marca RAJ APIARIES, a entidade que recolhia e comercializava o mel dos apicultores individuais. Um sistema muito semelhante ao que vi no ano passado no Brasil, em Apodi – Rio Grande do Norte.
Contou-nos o apicultor que era ele próprio que construía colmeias e quadros, que não sendo exemplos de perfeição tinham dimensões e formatos tão homogéneos que nada ficavam a dever aos equipamentos standard.

Saimos do abrigo para o escaldante Sol indiano, onde apesar das altas temperaturas as colmeias não tinham qualquer protecção sobre o tampo. Estavam no entanto assentes sobre estrados de metal, decerto que durante a monção a humidade há-de atingir valores preocupantes na região.
Perto do minibus estacionado na berma da autoestrada, começava a juntar-se uma pequena multidão. Se para estes povos rurais os europeus já eram motivo de curiosidade, nem imagino o que pensariam de nós, munidos de máquinas fotográficas e com tanto interesse em caixas de madeira cheias de abelhas.

Uma curiosidade: não sei para que lado estariam viradas as colmeias, mas o Sol estava a pique e havia sombra em todas as tábuas de voo, pelo que foi difícil fotografar as abelhas nesse local. Consegui no entanto captar algumas imagens de uma bonita rainha de cor dourada, que o Shubash nos exibiu com orgulho. Ocorreu-me que a maioria das mulheres que vimos a trabalhar nos campos vestia saris de cor semelhante, mas era mesmo coincidência.

 
Mal nos tínhamos despedido e voltado à estrada, quando deparamos com novo assentamento de colmeias ainda mais numeroso. Não há fome que não dê em fartura…
 
Aqui estavam em plena laboração do que me pareceu ser a cresta, meia dúzia de apicultores com redes de tule a pender de chapéus camuflados, carregavam quadros e alças pelo apiário. O mesmo modelo de colmeia, as mesmas cores e evidentemente a mesma tenda de campanha, garante de um acompanhamento pessoal e constante no período crítico da produção.

Tirando as sessões de formação, nunca tinha visto tanta gente a trabalhar em simultâneo num apiário, recordou-me um ditado popular que fala em “trabalhar com muitos e comer com poucos…” e que agora volta a fazer sentido, ou pelo menos a austeridade que nos espera no regresso a casa assim o postula.
 
O que pareceu serem os restos de uma "borboleta caveira", no solo, junto às colmeias.
Obrigado ao Shubash Chand pela forma amistosa como nos recebeu na sua exploração e que a partir de agora, além do mel, há-de também valorizar o seu apiário como atracção turística.
Obrigado ao Anil Sharma pela tradução inglês – hindu, pela condução profissional no trânsito caótico e pela paciência ilimitada que sempre demonstrava quando nos sentíamos atraídos por estas atracções menos turísticas.

Obrigado ao Sanjay Kumar pela forma intrépida com que avançou pelo apiário, antes de saber da nula agressividade das abelhas e pelo apoio e boa disposição que sempre demonstrou.