Há semanas visitamos alguns apiários tradicionais, com muitos
cortiços e colmeias de fabrico caseiro.
Não quis perder a oportunidade de apontar a objectiva a essas
estruturas que apesar do desuso continuam a atrair as novas gerações de
apicultores. Sobretudo estes cortiços, decerto construídos por quem os sabia
fazer, muito homogéneos nas formas e dimensões.
Sempre que nos referimos aos cortiços, vulgo colmeias de quadros
fixos, fica-nos sempre a ideia de inúteis, quer pela dificuldade em aceder ao
interior – com todos os inconvenientes para um maneio racional, como também
pelo espaço reduzido para a produção de mel.
Mas, talvez em termos de estética
tenham ainda uma palavra a dizer. Muito mais discretos que as colmeias móveis,
não só se harmonizam mais com a paisagem como ainda desmotivam os amigos do
alheio.
Repare-se na forma cuidada como lhes foi providenciado um
estrado de blocos de cimento ou de chapas de metal reciclado. Bem como o
aspecto cuidado de toda a envolvência e o estado de conservação dos cortiços.
As tampas de metal cortadas aos bidons continuam a ser muito utilizadas como
impermeabilizantes.
Há muito tempo que não via as “vedações” em varas de
eucalipto ou outro material, onde os cortiços eram fixos com arames para que os
ventos ou os animais não os derrubassem.
No apiário misto, com colmeias e cortiços, podemos observar
no canto superior esquerdo uma escada de que o apicultor se valia para retirar
os enxames que pousavam mais alto nos sobreiros.
Agora outro utensilio muito comum nestes apiários
tradicionais: o recipiente com barro para “barrearem” ou seja, para vedarem as
juntas de ligação e demais frestas dos cortiços. Apesar do aspecto ressequido
basta juntar água para que este cimento natural ajude a cortiça a abrigar as
abelhas.
Os primeiros mistérios surgem quando levantamos e inclinamos
cada cortiço para lhes espreitarmos o interior.
Como é tão pouco habitual fazê-lo, sempre se nos deparam
imagens inesperadas. Veja-se a primeira onde um número razoável de abelhas
propolizam os blocos de cimento tornando essa superfície mais asséptica.
Decerto se trata de uma colónia com bastante tendência para a recolha de
resina.
Numa observação mais cuidada também percebemos que o fundo
aberto dos cortiços funciona como um estrado sanitário: contem as varroas que
jazem na superfície propolizada. Na fotografia integral, esse número ascende a
muitas dezenas.
As cetónias tiveram uma atracção especial por esta colmeia,
cujas abelhas foram bastante eficientes na defesa das reservas. Não sei se as
cetónias preferiam este cortiço ou se as respectivas abelhas tinham uma
estranha capacidade de as destruir, certo é que em mais nenhum caso encontramos
tal concentração destes insectos.
Antes também se chamavam "grosadeiras" às cetónias, porque se dizia que o mel só estaria "maduro" e pronto a ser colhido quando elas chegavam às colmeias... seriam úteis por isso ???
As entradas dos cortiços e a forma curiosa que o apicultor
desencantou para reduzir o fluxo de insectos, talvez como forma de defesa da
colónia…
Já no interior dos cortiços: as trancas ou cruzetas, varas de
esteva que suportam o peso dos longos favos carregados de mel que pendem fixos
no tampo. O crescimento natural destes favos é feito no sentido descendente.
Nunca tinha visto nenhumas como as da próxima imagem.
Normalmente existem duas (o primeiro par a 1/3 da altura e outro a 2/3. O
primeiro a contar de baixo delimita a zona de criação, e que no fim do Inverno
é cortada, no processo de estinha, para que essa cera possa ser renovada. O
espaço central, entre as duas trancas define a zona de armazém de mel e alguma
criação.
Finalmente, o espaço entre as trancas mais altas e o tampo,
também uma zona de armazenamento de mel é onde se processa a cresta.
A existência de mais um par de trancas neste cortiço deve-se
apenas a um excesso de zelo por parte do apicultor para melhor fortalecer a
estrutura dos favos. Por acaso até se trata de um enxame novo, ainda pouco
desenvolvido.
As colónias que se seguem, de maiores dimensões, ainda não
ocupando a totalidade do cortiço quase já chegam às trancas de baixo. Ainda não
“dão cresta” mas têm dimensões e reservas suficientes para passarem o Inverno.
Nas próximas três imagens o desenvolvimento da colónia
atingiu já a totalidade de espaço disponível, as trancas ou cruzetas já não são
visíveis. Pela concentração de abelhas adultas neste local podemos inferir da
data de saída do enxame e inclusivamente retirá-lo para um outro cortiço ou caixa.
Agora uma colónia que atingiu o tamanho máximo e por qualquer
razão entrou em declínio, a traça não demorou a instala-se e em breve irá
consumir toda a cera disponível.
Os cortiços poderão ser uma boa fonte de alvéolos reais de
qualidade e de fácil acesso. Basta para isso que na altura da enxameação o
apicultor os procure nos favos mais expostos, os retire e enxerte em colónias
recém desdobradas e orfanizadas.
O objectivo deste post foi sobretudo o de proporcionar fotografias de cortiços, imagens que apesar de cada vez mais raras nos transportam para os primórdios da apicultura e bastante nos inspiram.
Também uma homenagem ao Rui de Jesus, o jovem apicultor que partiu muito cedo desta vida...