29 janeiro, 2009

NOTÍCIAS: Crise Apícola na Argentina

Desconcerto e desespero: não há colheita de mel, e em pleno Verão alguns apicultores são obrigados a fornecer alimento artificial às abelhas.
A seca obriga a administrar alimentação artificial, quando era suposto estar a colher-se mel. A campanha fracassou e agora tenta-se amortizar o impacto para evitar males maiores na invernada.


Notícias Apícolas de 27 de Janeiro de 2009:
A Apicultura na Argentina atravessou momentos altos e baixos, mas nunca uma situação como a actual: quando todos deviam estar a crestar, na realidade, como se fosse Julho em vez de Janeiro, os apicultores argentinos estão a alimentar artificialmente as colónias, para evitar que morram de fome. Os apicultores mais velhos não se lembram em tempo algum de terem vivido algo semelhante.
A seca sente-se de várias formas, mas afecta a todos. Na província de Santa Fé, o quadro geral é grave e torna-se dramático há medida que se vai avançando para Norte.
Até ao momento, os números oficiais apontam para produções que não chegam a metade das médias históricas, associadas a uma elevada mortalidade de abelhas.
Se bem que a preocupação imediata dos apicultores é sustentar nutricionalmente os apiários, a angústia projecta-se também até à próxima invernada. O debilitamento das colónias potencia a proliferação das doenças, sobretudo a Varroose, a escassez de pólen dificulta a recuperação das colónias a tempo e de forma a enfrentar os frios do Inverno. Em cada visita aos apiários gasta-se muito dinheiro e sem a certeza de o recuperar.
Desta feita, os apicultores estão a pedir desesperadamente alguma ajuda para sobreviver à crise.

O Conselho Económico da Cadeia Apícola tomou nota da situação, e em 13 de Janeiro último formou uma Comissão de Emergência com a missão de apresentar um diagnóstico. Daí surgiram, em jeito de protocolo, uma série de pautas sanitárias, alimentícias e de uso de substitutos para recompor as colmeias.
Também se anunciou a possibilidade de assistir os apicultores com fundos perdidos para a compra de nutrientes ou produtos sanitários.

O coordenador da Cadeia Apícola na província, Fabián Zurbriggen, expôs os dados oficiais: “estima-se que a média de produtividade rondará os 15 kg, contra a média histórica de 35 kg. No que respeita à mortalidade, nos departamentos do Noroeste, como o 9 de Julho ou S. Cristóbal, estima-se que atinjam aproximadamente os 40%. À medida que se desce para o Centro, este número vai diminuindo. Mas de qualquer forma as colónias estão debilitadas”.
Por causa destes problemas, refere o dito funcionário, realizaram-se palestras nas divisões administrativas da província onde irão ser distribuídos através das associações de produtores, os procedimentos a desenvolver para “estabelecer uma modalidade de trabalho comum em todo o território, para recuperar as colmeias”.
Quanto à assistência económica, Zurbriggen comentou que o Ministério estuda a possibilidade de distribuir ajudas a fundo perdido, sendo no entanto mais importante “solucionar primeiro os problemas de sanidade e só depois pensar noutras ajudas”.
Embora tal possibilidade ainda não esteja confirmada, a Carteira Produtiva já emitiu um comunicado em que antecipa quais serão os requisitos para aceder às possíveis ajudas. Os apicultores deverão cumprir o estabelecido no Registo Nacional do Produtor Apícola, RENAPA, e solicitar a dita ajuda. (...)

Fonte: http://www.noticiasapicolas.com.ar
e Juan Manuel Fernández del Diario El Litoral (Argentina)

28 janeiro, 2009

Introdução de Rainhas

Conforme se devem recordar, o Sr. Vicente Furtado (Lagos – Algarve), produz e insemina centenas de rainhas que distribui por todo o país.
Ao que parece, a taxa de sucesso na introdução das rainhas adquiridas e até produzidas pelos apicultores, encontra-se muito aquém do que seria desejável (menos de 50%). Não esqueçamos que as rainhas custam caro, e todo o cuidado é pouco no seu manuseio...
Confrontado com esta situação, o Sr. Vicente Furtado aconselha-nos dois métodos, semelhantes, mas que melhoram bastante os indíces de aceitação das novas rainhas, por parte das colónias receptoras.

Método I: “Quadro – gaiola”
O “Quadro – gaiola” de introdução de rainhas, é feito em madeira, com o formato e dimensões de acordo com a figura seguinte:

Para melhor visualização de todos os pormenores deve ampliar as imagens clicando sobre elas.
A1 – Quadro de madeira, cujas dimensões variam consoante o tipo de colmeia.
B1 – Câmara da rainha (10,00cm x 8,00cm), coberta com rede mosquiteira de ambos os lados.
C1 – Câmara do Candy (alimento sólido).
D1 – Tampa de plástico que impede o acesso das obreiras à Câmara do Candy nos primeiros dias.
E1 – Orifícios no quadro de madeira (2,5cm de diâmetro), que permitem a circulação do ar e a passagem das abelhas.

Após a recepção ou criação da rainha pelo apicultor, esta é colocada dentro da Câmara da Rainha (B1), colocando-se em seguida o Candy* já preparado nos compartimentos (C1). Estes compartimentos são tapados com as tampas (D1), antes de colocar o quadro (A1) num núcleo** preparado para esse efeito.

Todo o equipamento vai permanecer assim no núcleo durante quatro dias, sem qualquer perturbação, e obviamente com o acesso das obreiras ao Candy impedido pelas tampas (D1).
Volvido este tempo, abrem-se as Câmaras do Candy, ou seja, baixam-se as ditas tampas e a rainha é libertada em 24 a 36 horas após esta operação.
Por vezes, a libertação da rainha demora mais tempo, pelo que não é conveniente ir verificar o sucesso deste trabalho senão passados uns cinco dias após a abertura das tampas (D1).

Por curiosidade, o Sr. Vicente Furtado referiu que já deixou rainhas “presas” no quadro de introdução, por esquecimento, cerca de 30 a 45 dias e sem retirar qualquer eficácia ao processo ou perda de viabilidade às rainhas.

A abertura da porta do Candy (tampas (D1)), deve ser feita de forma a que apenas a circunferência da câmaras (C1) fique aberta. Se passados os cinco dias a rainha não tiver sido libertada, deve então abrir-se a totalidade de cada câmara, proporcionando um maior acesso ao Candy pelas obreiras.

(*) CONFECÇÃO DO CANDY
Este alimento artificial, sólido, pode ser adquirido já preparado, ou então confeccionado pelo apicultor, juntando 1kg de açúcar a 4 dl de água e uma colher de chá de ácido láctico.
Primeiro aquece-se a água e o açúcar numa panela de pressão e só depois se adiciona o ácido láctico. Finalmente fecha-se a panela e deixa-se ferver durante 15 minutos.


(**) PREPARAÇÃO DO NÚCLEO OU COLMEIA RECEPTORA.
O quadro
(A1) com a rainha é colocado no centro. De ambos os lados e simetricamente, são colocados os restantes quatro quadros: 2 com mel e pólen e 2 só com cera puxada, não esquecendo também as abelhas, jovens, como é óbvio.
Nos quadros não pode haver ovos nem qualquer criação.
É aconselhável pulverizar uma mistura de água com essência de aniz sobre as abelhas, no momento da introdução do quadro (gaiola) com a rainha, o que dá mais garantias ao processo.
Procedimento que também deve ser seguido na junção de colónias.


Método II: “Placa – gaiola”
Trata-se de um método muito semelhante ao anterior, as diferenças residem basicamente no equipamento.

A2 – Rectângulo de madeira (40,00cm x 8,00cm) (placa).
B2 – Câmara da Rainha (14,00cm x 5,00cm), coberta com rede só de um dos lados da placa.
C2 – Câmara do Candy, ou outro alimento sólido.
D2 – Tampa de plástico que impede o acesso das obreiras à Câmara do Candy, nos primeiros dias.
E2 – Tampa de vidro que permite ao apicultor visualizar o evoluir do processo ao retirar a prancheta da colmeia/núcleo receptor.

A placa é colocada directamente sobre os quadros, com a parte em rede virada para baixo, para que as obreiras possam contactar directamente, alimentar e libertar a rainha. A parte de vidro virada para cima permite ao apicultor monitorizar o processo.
As vantagens deste método prendem-se com facilidade em acompanhá-lo sem grandes “mexidas” na colmeia, basta levantar a prancheta, e adapta-se a todos os tipos de colmeia, ao contrário do quadro.

A desvantagem tem a ver com a espessura da placa de madeira, que dificulta a sua colocação no espaço exíguo entre o topo dos quadros e a prancheta.

A Placa de Introdução de Rainhas é igualmente feita em madeira e as suas dimensões e desenho podem ser observadas na imagem seguinte:



Com os métodos convencionais de introdução de rainhas, a taxa de sucesso é habitualmente inferior a 50%, com estes métodos e segundo o Sr. Vicente Furtado, conseguem-se resultados na ordem dos 90 a 95%, mesmo quando se trata da nossa abelha negra Apis mellifera ibérica.

27 janeiro, 2009

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25 janeiro, 2009

Vamos capturar uma colónia (de abelhas) selvagem?

Na minha terra chamam-lhes “abelheiras” e ocorrem um pouco por todo o lado. Troncos de árvores, buracos nas rochas e nas paredes, casas desabitadas e até em telheiros pouco protegidos, todo o “buraco” lhes serve de abrigo.
Eram um martírio para os tiradores de cortiça, mas o brio profissional, o manageiro e a virilidade impediam-nos de evitar as árvores “povoadas”. No fim, o mártir era sempre o sobreiro, pois no “rancho” havia sempre um “abelheiro” disposto a resgatar a “abelheira”, nem que fosse à força.
Era uma prática secreta, ilegal e quase ritualizada. Uma vez terminada a campanha da cortiça regressavam ao local munidos de uma machada, um alguidar e um cortiço. O tronco ou a pernada eram despedaçados até os favos ficarem expostos, a seguir vinha a pilhagem: abelhas para o cortiço e mel para o alguidar. As primeiras raramente sobreviviam, ainda assim mais que os sobreiros no fim da operação.

As minhas “abelheiras” preferidas são as que se instalam em casas “habitadas”, e depois, as chamadas telefónicas que os “anfitriões” me fazem a relatar a ocorrência. Ouvem-se os maiores disparates.
Uma vez, ligou-me uma senhora muito aflita, pois estava-lhe a “nascer uma colmeia dentro de casa”, parecia algo de sobrenatural, ainda estive tentado a perguntar-lhe de que modelo de colmeia se tratava...
O ano passado fui chamado a uma casa de campo onde se instalaram duas colónias, cada qual em sua cadeira em lados opostos de uma mesa. Quando retirei o toldo que as cobria só me faltou ver o baralho de cartas, pois a posição em que os “bichos” se instalaram não lembrava outra coisa...

Quando os favos se encontram bem individualizados e num sítio descoberto e acessível, é muito fácil desalojá-las e transferir o enxame para uma colmeia. O método é simples e fácil de executar até por principiantes.
Convém munir-mo-nos de uma colmeia cujos quadros são preparados para o efeito, além do equipamento habitual. Normalmente uso o método que passo a descrever e que me foi ensinado pelos apicultores da região:

1.º Preparação da Colmeia
Na colmeia que vai receber a colónia “selvagem” colocam-se 2 ou 3 quadros de cera moldada, ou puxada, se a tiver. Os restantes quadros são modificados de forma a poderem receber os favos, ou seja, retiram-se-lhes os arames que originalmente serviriam para soldar as lâminas de cera, restando apenas o caixilho de madeira. A fixação é feita depois com fios de algodão.
Há quem opte por um procedimento diferente, com vantagens e desvantagens: preparam-se antecipadamente os quadros com arames presos na travessa de cima (atados a pregos) e com a outra extremidade solta.
Para se prender o favo ao quadro, enrola-se-lhe o arame à volta e ata-se a extremidade solta noutros pregos colocados no lado oposto do mesmo travessão. Boa parte do trabalho já vai feita, e é muito mais fácil enrolar o arame ao prego do que dar nós em fios de algodão, com as luvas meladas.
Até poderá ser mais resistente e seguro, mas pessoalmente não gosto de o fazer, o fio de algodão acaba por ser retirado pelas abelhas logo que o favo seja soldado ao quadro. Poderá haver argumentos contra, alegando a fragilidade do fio, mas convém lembrar que estes quadros não vão à centrifuga.

2.º Desalojar os favos e abelhas selvagens
Se o local for suficientemente exposto e acessível, conseguem-se retirar facilmente os favos sem os destruir. Deve-se usar sempre o fumigador para “acalmar” as abelhas, facilitando o trabalho e diminuindo as baixas.
Com uma faca normal, ou uma crestadeira, cortam-se os favos junto à superfície onde estão fixos. É uma etapa que requer muito cuidado, apesar da aparente facilidade. A conformação espacial/estrutural dos favos confere-lhes grande resistência enquanto estão na posição vertical. Quando se “descolam” do substrato onde se fixaram, ou lhes cortam os pilares de cera que os “soldam” aos outros favos, adquirem grande fragilidade, principalmente quando se colocam na horizontal.
O Sr. António Bartolomeu a cortar um favo de enormes dimensões. Normalmente só se aproveitam os favos com criação e pólen. Os favos com mel são fragmentados e prensados para aproveitar a cera e o mel, este último obviamente é devolvido às abelhas num alimentador.

3.º Colocar o favo sobre uma superfície lisa (uma mesa) coberta com um plástico
A maior parte dos trabalhos são realizados sobre uma mesa coberta com plástico. Não convém esquecer que se está a trabalhar com mel e “às tantas” temos o local todo melado.

4.º Cortar o favo pelas medidas internas do quadro.
É outro passo determinante. Consiste em colocar um quadro sem arames sobre o favo, e com a ajuda de uma faca afiada, cortar a cera de modo a que o bloco obtido encaixe perfeitamente nesse quadro.
A dificuldade reside na decisão sobre que parte do favo cortar. Normalmente há a tentação de colocar o comprimento do quadro no sentido longitudinal do favo, quando este é pequeno, o que é errado. Os alvéolos (hexagonais) devem permanecer na posição natural (em que se encontravam) ou seja, com os vértices dos hexágonos para cima e para baixo, nunca para os lados.
Além da posição dos hexágonos (alvéolos), convém mais uma vez imitar a Natureza: dentro da medida do possível, deve-se conseguir cortar um pedaço de favo com criação na zona central, rodeada de pólen e o mel nas extremidades. Os quadros com reservas de pólen (pão de abelha) também vão ser muito úteis à “nova” colónia.

5.º Preparar o quadro para receber o favo
Nesta etapa, colocam-se três ou quatro fios de algodão cruzados sob o quadro. Deve ter-se atenção ao comprimento do fio, para poder dar a volta ao quadro e atar no outro lado.
Prefiro usar fios de algodão, pois são mais fáceis de remover pelas abelhas logo que o favo esteja soldado ao quadro.
6.º Montar e atar o favo no quadro
O principal cuidado a ser verificado é a colocação do favo na posição correcta, tal como estava no local original. O fio de algodão deve estar em tensão e ser bem apertado, ou o favo poderá oscilar e sair da posição no quadro, o que é difícil de conseguir com as luvas meladas. Eu costumo fazê-lo sem as luvas...
A criação em "pimenteiro" que se observa na imagem anterior poderá dever-se à Varroose. Os enxames selvagens,na Natureza, invariavelmente acabam vítimas desta enfermidade. Com muito cuidado, após os quadros serem colocados na respectiva colmeia, há todo o interesse em aplicar um acaricida.
A colmeia já deve estar posicionada no local onde vai passar uma ou duas semanas, até os favos estarem soldados aos quadros, e a deslocação para local definitivo seja possível. Obviamente que o primeiro local referido deve ser o mais próximo possível do sítio onde estava o enxame, para que as abelhas encontrem facilmente a nova casa.
O mel retirado dos restantes favos é aproveitado para alimentar as abelhas.

Os mesmos esquemas anteriores, agora com a montagem de um favo de criação:
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Finalmente, a historieta do costume, “Abelhas com muita lata”:
Foi no Verão de 99 ou 2000, fim das aulas, quando um aluno meu também apicultor, me abordou acerca de uma estranha descoberta.
Tratava-se de uma lata enferrujada, que antes tivera óleo ou gasóleo e agora albergava um enxame de abelhas. Nada mais que 20 litros de mel, pólen, cera e abelhas.
Ensinou-me a localização da colónia: uma lixeira, onde mais podia ser? E ofereceu-me a lata... Pensei que houvesse ali marosca, ele nem era dessas coisas, mas a lata lá estava no sítio certo. Saí de lá com a lata na mala do carro e com um dedo inchado, pois era de noite e eu queria certificar-me que de facto “estava povoada”...
Para aproveitar as abelhas segui-mos um método curioso que me ensinou um apicultor local:
Começamos por montar uma colmeia com três ou quatro quadros de cera moldada, e que colocamos no local escolhido. Retiramos o tampo e alargamos o buraco da prancheta para um diâmetro de 20cm. Depois, com a ajuda de uma tesoura para metal, abrimos um enorme buraco na lata. Tapamos a “boca” original da lata e colocamo-la sobre a prancheta modificada, de forma que as duas aberturas coincidissem.
Calafetamos com barro a junção entre a lata e a prancheta, para as abelhas não escaparem, a única saída possível obrigava-as a passar por dentro da colmeia, conforme o esquema. O principio deste método é o de habituar as abelhas à nova casa.
Com a mesma tesoura, abrimos a lata e seguimos os passos que enuncio neste escrito, ainda “me encheram” uma alça de mel nesse Verão.
Abelhas de competição??? Não! Alguém “aventou” a hipótese que a “culpa” era do combustível que antes havia na lata...

23 janeiro, 2009

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21 janeiro, 2009

Criação de Rainhas na Costa Algarvia

Já conhecíamos o Sr. José Vicente Furtado, o nosso anfitrião, reformado depois de umas décadas de trabalho na Europa do Norte, na Suécia, regressou a Portugal há uns anos atrás, notando-se-lhe algumas dificuldades na língua mãe, “ faltam-me algumas palavras “ refere.

O objectivo da nossa visita prende-se com o seu pequeno negócio de produtor de rainhas das raças Ligústica e Buckfast* ( esta última, resultado dos famosos cruzamentos do Padre Adams* ), e que segundo o apicultor são duas estirpes muito produtivas, dóceis e fáceis de manusear.
Nos primeiros anos na Suécia trabalhava num estaleiro naval, e foi nesta fase que se apaixonou pela apicultura, paixão que já lhe dura há mais de 20 anos, - “ ... tudo começou com uma dor nas costas”, confessa-nos, e como era hábito naquelas paragens, este tipo de dores era curado com picadas de abelha. O paciente ia a um apiário, expunha a parte dorida, abria uma colmeia à qual dava umas pancadas e as abelhas faziam o resto.
Movido pela curiosidade começou a interessar-se cada vez mais pelos laboriosos bichinhos, frequentou uma série de mini - cursos pós laborais, promovidos pelo estado, desde a apicultura para iniciados passando pela criação de rainhas, até à própria construção de colmeias, núcleos e outros equipamentos. Recorda com saudade esses tempos “ o companheirismo, as pausas para o café e a troca de experiências eram determinantes para a aquisição de conhecimentos”.
Compra as primeiras colmeias, velhas e em mau estado iniciando assim a sua produção, “ eram tão grandes e pesadas que tiveram de ser deslocadas com uma grua”.
Adquiriu o equipamento de inseminação artificial, foi apurando a técnica, ganhou fama e chegou a receber inúmeras rainhas virgens em pacotes postais, provenientes de outros criadores suecos, as quais reenviava na volta do correio já fecundadas segundo o cruzamento pretendido pelo cliente.
É nesta fase que começa a trabalhar para o Ministério da Agricultura da Suécia, onde durante cerca de 15 anos foi o responsável pela apicultura na região de Gotemburgo, onde residia.

Refere-nos a este propósito, que a apicultura na Suécia é uma actividade de grande mérito, a importância das abelhas na polinização e consequentemente na manutenção do equilíbrio ambiental era mais reconhecida que a própria produção de mel ou outros produtos apícolas. Inclusivamente, interessava mais ao estado que houvessem muitos pequenos apicultores, com poucas colmeias, mas disseminadas por todos os locais, como hortas, jardins, quintais, etc, que cobrissem uma vasta área do território, em detrimento de apicultores com muitas colmeias, com assentamentos apenas nas regiões de flora apícola.
Uma prova inequívoca do valor dado à actividade polinizadora, “Haviam imensos cartazes de promoção da apicultura, para que todos tivessem as suas próprias colmeias”, cartazes esses que o Sr. Vicente ainda exibia no seu local de laboração, agora traduzidos para Português
As instalações em Lagos - Algarve, uma garagem com uma divisão, num lado instrumentos de serralharia e madeiras para a confecção de colmeias, núcleos, nucléolos e alimentadores, no outro lado, o laboratório onde procede à inseminação das rainhas.
Algum do equipamento adquirido, como a lupa binocular, os micromanipuladores e seringas para a inseminação, tal como todo um rol de pequenos utensílios, outros construídos pelo próprio, como as estufas de incubação, mercê dos conhecimentos de electrónica.
Á data da visita preparava-se para inseminar uma rainha Buckfast com o esperma de dois zangãos (duas doses) que já tinha preparado numa seringa, um dos machos Buckfast, tal como a rainha, o outro da raça Ligústica, a pedido do cliente “ o cliente pede e nós fazemos” diz-nos em tom de graça,“ ... quando a fêmea é Buckfast e o macho Ligústica, a colónia resultante é menos agressiva”.

É curioso que durante este período, o apicultor foi diversas vezes ao apiário, a uns escassos dez metros da casa onde trabalhava, no entanto fê-lo sempre sem luvas, sem máscara ou qualquer outra protecção, dada a pouca ou nenhuma agressividade das abelhas.
O apiário propriamente dito era constituído por pouco mais de meia dúzia de colmeias, outros tantos núcleos e cerca de 20 nucléolos de diversas cores, que habitualmente são usados para a fecundação de rainhas, desta vez servem apenas para as receber recém inseminadas para iniciarem a postura.
Questionado pelo facto de não reproduzir nem trabalhar com a raça Ibérica, a abelha negra, justifica-se com o facto de ser um grupo pouco estudado, sobre o qual não há ainda uma base de trabalho ou uma caracterização preliminar, logo os resultados seriam também imprevisíveis. Reconhece no entanto a importância de se começar a trabalhar na abelha autóctone, disponibilizando os seus conhecimentos técnicos para o efeito.
Aliás, este foi outro dos grandes objectivos desta visita, nomeadamente a futura formação de técnicos e apicultores na propagação de rainhas para melhorias quantitativas e qualitativas nas explorações nacionais.
Quanto aos números, o que são sempre uma curiosidade nestas actividades, o Sr. Vicente produz mais de 100 rainhas por ano, as quais vende para apicultores que o solicitam um pouco por todo o país.
“ Tudo isto dá muito trabalho, é necessário muito planeamento e um controlo rigoroso das datas e horas de postura, de transferência de larvas, do tempo de incubação, etc ...”, “ ...faço isto para me manter ocupado e porque gosto das abelhas”.

Voltei a visitar o Vicente há dois anos, lá estava com a alegria do costume para receber e ensinar quem o procura...

PADRE ADAM OBE, 1898
Um dos mais conhecidos apicultores britânicos, o irmão Adam, é conhecido no mundo inteiro pelo seu trabalho, especialmente no que diz respeito à criação de abelhas na abadia de St. Mary, em Buckfast, Devon. Nascido em Biberach, perto do lago Constance, Adam Kerle veio para Buckfast ainda menino, em 1910.
A seguir a uma doença que o atacou durante o Inverno de 1914/1915, o seu abade encorajou-o a dedicar-se à apicultura para melhorar a sua saúde. Os seus primeiros anos como apicultor situam-se portanto numa altura em que não pôde obter experiência em primeira mão acerca da devastação causada nas colónias de abelhas pela chamada doença da ilha de Wight” (Acariose). A impressão que lhe causaram os diferentes tipos de resistência das diversas raças e seus híbridos havia de ter uma profunda influência em todo o seu trabalho.
(...) Padre Adam, dedicou-se à normalização de colmeias, usando a Modified Dadant, mas acrescentando-lhe características concebidas por ele próprio,(...)
(...) O trabalho prático que desenvolveu no apiário está resumido no seu livro Beekeeping at Buckfast Abbey , Geddington, UK, 1975.
(...) Em 1948, o Padre Adam decidiu fazer uma série de viagens através da Europa Ocidental e da Ásia Menor para recolher e estudar as abelhas nas suas regiões nativas.
(...) O padre Adam recebeu o OBE, a vice presidência da Associação Internacional de Pesquisas sobre Abelhas, em cujo conselho trabalhou, (...)

In, Roger Morse e Ted Hooper, Enciclopédia Ilustrada de Apicultura, Vol. I
Col. Euroagro - Pub. Europa América

20 janeiro, 2009

Apin Mellado

Apin Mellado, a primeira fotonovela apícola.
Patrocinada pelo Mel Natural de Portugal, Caseiro e Puro, embalado nos tradicionais frascos da Tofina e com rótulo de papel pardo...
Reparem que já não caí na idiotice de lhe colocar um número de ordem (N.º1),o que só me livra da responsabilidade de dar continuidade a esta...
Clique na imagem para ampliar (ou não...)

19 janeiro, 2009

Cortiços... de Cortiça


Cada vez mais as “colmeias malditas”, já não há cartilha apícola que não lhe atribua defeitos, problemas só resolvidos pelas caixas de madeira. A saber:

- Pouco produtivos pela falta de espaço, os melhores com 10% da produção das colmeias móveis.
- De difícil controlo sanitário, pela dificuldade/impossibilidade de acesso ao interior.
- Impossibilidade de encontrar/manipular a rainha, pelas razões do ponto anterior.
- Medicamentos aplicados na própria câmara (única) de produção.
- Transumância impossível ou muito difícil.
- E outros que não me ocorrem...

Restam-lhes os argumentos estéticos, talvez até a leveza e os baixos custos, que permitem uma fácil aquisição e a possibilidade de os disseminarem pelo mato para a captura de enxames. “Se os roubarem a perda é pequena”, dizem os apicultores.
Não foi a primeira batalha perdida pela cortiça, nem será decerto a última, o orgulho da terra Transtagana, que antes animava a economia nacional com exportações record. Hoje não passa de uma casca rija e enrugada, igual á pele dos “tiradores” que ainda restam.
Eram precisamente esses tiradores, de machada em punho, que separavam os melhores “caneiros” e os apartavam da restante cortiça, não fosse o “rachador” fazê-la em “pranchas”. Se não eram “abelheiros” a encomenda era-lhes feita por outros com esse vício.
Quando a cortiça era boa, “amadia”, densa, um cilindro quase perfeito, originava os melhores e mais cobiçados cortiços, de forma obviamente cilíndrica. Eram os mais comuns:


Os bordos eram “aparelhados” em bisel, de modo que os “sovinos” de pau de Esteva os pudessem pregar e unir sem lhe tirar a forma.


No interior, a um terço e dois terços da altura eram colocadas as chamadas “trancas”, grupos de duas varas de Esteva em forma de cruz, cujo objectivo era dar maior firmeza aos favos que nelas se apoiavam.

As mesmas trancas ainda delimitavam áreas com funções diferentes no interior do cortiço, nomeadamente onde o apicultor operava diversas tarefas:
Estinha” - No fim do Inverno, era o acto de cortar a parte de baixo dos favos, próxima do chão. Servia para retirar as ceras velhas, negras e com bolor, para as abelhas reporem ceras novas. Estas eram cortadas até à altura das trancas de baixo, outras vezes nem tanto.
Cresta”- O retirar dos favos com mel, “no quarto minguante de Agosto, quando não havia criação”. Primeiro arrancavam os sovinos do tampo, para o poderem remover, depois, com a ajuda da “crestadeira”, utensílio metálico que lembra uma gadanha, “ceifavam” os favos carregados de mel até às trancas de cima.
A crestadeira tem duas extremidades, uma em forma de espátula com que separam os favos da cortiça, e outra parecida à lâmina de uma gadanha com que seccionam os favos junto às trancas.


A forma dos cortiços também dependia muito da região e das tradições, outras vezes era a qualidade e a disponibilidade de cortiça. Quando não se “apanhavam” caneiros redondos, cilíndricos, faziam-se cortiços de formas mais caprichosas. Meia cana pregada a uma prancha mais recta, que normalmente fazia de parede frontal, resolviam o problema e albergavam o enxame. Não são raros os que apresentam esta forma:

Menos comuns, mas igualmente belos, são os de secção quadrada ou rectangular. “Têm mais mão de obra”, são necessários mais pregos de Esteva, mas o resultado é funcional e muito estético. E as abelhas não se queixam da geometria rectilínea...


Outras habilidades que se faziam com os cortiços...

Sempre ouvi dizer aos mais velhos que o método mais eficaz para combater a “tinha” era o de colocar os cortiços no forno, após a “cozedura do pão”.
A “tinha” ou traça era o pesadelo dos antigos abelheiros, ainda nem se sonhava com a Varroa, como se tal ácaro colorisse os sonhos a alguém, e já aquelas larvas destruíam imensas colónias. Sempre que “morria um cortiço” retiravam-se os favos velhos, cuja cera era “apurada” para vender aos “carpinteiros de obra fina”.
Para desinfectar as colmeias colocavam-nas dentro do forno, quando as temperaturas ainda letais para a traça e outras moléstias, eram mais baixas, o que só se conseguia momentos depois de retirar o pão.

Depois de desinfectados, os cortiços estavam outra vez prontos para albergarem abelhas. Para capturarem em enxame, aromatizavam-nos esfregando certas plantas no interior, como o Rosmaninho, a Esteva, o Alecrim, ou outras, consoante a região do país.
Após a “esfrega”, que também higienizava, deixavam-lhe o bouquet de flores e aromas no interior para acentuar a função. Só as retiravam quando colocavam o cortiço no “tal sítio” especial, onde os enxames “nunca falham”, pudera, a “canada” das abelhas passava justamente por ali...


O sítio especial compunha-se quase sempre de um rochedo enfeitado de vegetação, mato fechado, que podia esconder o cortiço dos amigos do alheio, sendo no entanto fácil de detectar pelo olfacto apurado das abelhas.
Nesta fase o ramo de flores, facto curioso, era deslocado do interior para cima do tampo, onde se mantinha graças a uma pedra estratégicamente colocada e que evitava que o vento as levasse. Ainda hoje não percebi, nem procurei saber, se tal hábito visa manter o aroma activo ou camuflar ainda mais a colmeia, se calhar... ambos. Mas trata-se de um quadro muito comum.

Nem sempre a “montanha ia a maomé”, muitas eram as vezes que tinha de ser o cortiço a “ir às abelhas”. Bastava para isso que o enxame pousasse num ramo alto e de difícil acesso, o que nunca desmotivava os abelheiros.
Uma corda lançada sobre o ramo içava o cortiço até perto das abelhas. Uma escada de madeira, que costumava fazer parte da “mobília” do apiário e uma ponta de coragem, levavam o apicultor aos píncaros, onde um toque certeiro derrubava o enxame para dentro do cortiço. Paciente, o ajuda descia o conjunto, agora mais pesado. Colocava-o na posição correcta e aí ficava até ao Inverno, quando as ceras ficavam “rijas” e lhe permitiam o transporte para local definitivo.

Haviam também os criativos de vanguarda, ou talvez... vanguardistas saudosos!? que aliavam estas relíquias da apicultura às modernas alças para maiores produções.
O resultado final desafiava a gravidade e a lógica, mas mercê de vários artifícios conseguiam equilibrar uma e até mais alças sobre o cortiço.

Muitas eram as perícias e habilidades que se faziam com tais colmeias de quadros fixos.
Com o passar dos anos, as fracturas, os buracos da traça ou os incêndios traçavam-lhes o destino, ainda assim honrado pela “morte em combate”. Pior era quando acabavam como ninhos num pombal ou cortados ao meio e “de cabeça para baixo”, albergando um florido vaso, onde antes labutavam miríades desses insectos que nos adoçam a vida.