27 maio, 2011

Proteger as Colmeias do Sol

Já passou quase um ano desde os lamentáveis episódios da perda de colónias e produções, motivada pelas altas temperaturas.

Diz a regra que as colmeias devem passar o Inverno/Primavera num lugar seco e até ensolarado. Trata-se de insectos, de “sangue frio” como é hábito dizer-se, e qualquer aporte de calor é sempre bem-vindo ao seu metabolismo. Certo é também que nesta região as Primaveras/Verões chegam a alcançar temperaturas demasiado altas para que a cera dos favos se mantenha no estado sólido.
Pior ainda quando há muitas alças sobre o ninho e a população de abelhas não é suficiente para as arrefecer.

O ideal seria mesmo a prática da transumância para apiários de Verão, colocar as colmeias sob árvores de copa frondosa e nas proximidades de linhas de água limpa. Havendo muitos que não o fazem, deixando as colmeias nas zonas de mato durante todo o ano, deixo a seguinte proposta:

Construção de um sombreiro para os apiários.

Os custos e a dificuldade de construção dos protectores não serão decerto um entrave, e a sua obtenção compensará bastante na saúde das colónias.


Materiais:
Rede (verde) de sombreamento: …….. 0,75€/m2
Tubo galvanizado ¾ polegada: ………… 4,08€/m (24,50€/varão de 6 metros)
Tubo galvanizado 1/2 polegada: ……… 3,58€/m (21,50€/varão de 6 metros)
Blocos de cimento: ……........................ 3,00€/Saco de cimento de 35 kg
Cabo de aço revestidos: …….……………. 0,40€/m

O que representa um custo de cerca de 7,00€/colmeia (aprox. 2 kg de mel…), considerando um apiário com duas colmeias por metro linear.


Procedimento:
Os suportes de ferro poderão ser feitos com tubos de dois diâmetros diferentes, que encaixem um no outro. O de maior diâmetro encaixa na base (bloco de cimento) e o mais fino será torcido de forma a que cubra as colmeias assegurando-lhe sombra durante todo o dia.
Estes suportes podem (e devem?) obviamente ser substituídos por materiais reciclados ou apenas por um só tubo com o mesmo diâmetro.
Mantendo a resistência e funcionalidade, todas as alternativas económicas são válidas…
Possivelmente a etapa mais trabalhosa (cara?) será a de vergar o tubo para dar a forma desejada ao sombreiro, de modo a que o período de sombra seja o mais prolongado possível ao longo do dia.

Os blocos de cimento (bases) também são facilmente substituídas por alternativas mais baratas como pneus cheios de cimento e pedra, entre muitas outras opções.
Finalmente, a rede de sombreamento, barata e fácil de adquirir, deverá ser usada em camada dupla conseguindo-se com isso melhor efeito de sombreamento.
Deverão ser cosidos na rede alguns encaixes em tecido onde irão enfiar os tubos dos suportes, conforme os esquemas.Convém igualmente perfurar a rede para que não ofereça grande resistência ao vento o que poderá deitar todo o trabalho por terra, literalmente…

A estrutura deverá ser fixada solidamente ao solo, com cabos de aço e estacas.
Esta estratégia de sombrear as colmeias destina-se sobretudo a apicultores com poucas colmeias. Para explorações de maior dimensão é de todo aconselhável a deslocação dos apiários para locais mais frescos, à sombra, próximos de água e afastados das zonas de incêndio.

24 maio, 2011

Resistência das abelhas ao afogamento :-)

Parece ter chovido mais nos últimos dias que no resto do ano.
Antes da cresta e com as alças sobre o ninho, os riscos de fome parecem mínimos…
Este Maio “submerso”, traz-me à memória duas histórias apícolas relacionadas com água, enchentes e afogamentos. A primeira é mesmo uma anedota, a segunda nem por isso…

Conta-se que em tempos um pastor calcorreava acima e abaixo as margens de caudaloso ribeiro. Não encontrava local onde pudesse atravessar a vau com as ovelhas.
Já desesperado encontrou um moço que por ali perto errava. Abeirou-se dele e perguntou-lhe pelo melhor sítio para a travessia, ao que o rapaz lhe respondeu:

O gado do meu pai atravessa sempre ali à frente, junto às rochas

Agradecido, o pastor lançou-se à água no local indicado, seguido pelas ovelhas. Tal era a força da corrente que tudo arrastou, bípede e quadrúpedes que a muito custo se salvaram.

Mais tarde, ainda encharcado e novo na frente do rapaz, inquiriu-o o pastor: “Olha lá, meu mariola, que tipo de gado possui o teu pai?”

O meu pai?...” gaguejou o moço, atrapalhado, “… o meu pai é apicultor!”

Há uns anos atrás, numa sessão de divulgação/esclarecimento para apicultores, dissertava eu sobre a importância das colmeias passarem o Inverno sem alças. Argumentei com o espaço demasiado grande para aquecer, a necessidade de aplicar acaricidas nesse período… enfim. Quando um apicultor de idade, contrariado com as minhas razões, disse de sua justiça:

Sabe lá você, tenho as colmeias junto ao rio, não contava com cheias tão grandes este ano, não fosse eu deixar as alças sobre o ninho e morriam-me as abelhas afogadas…”

Explicou depois que as colmeias ficaram parcialmente submersas e as abelhas se tinham refugiado no “primeiro andar”,
Viver e aprender…

19 maio, 2011

"Bater" um Cortiço...

Bater um cortiço está para a apicultura como o juramento de bandeira para a vida militar.
Ninguém devia ser apicultor sem ter batido pelo menos um cortiço. Julgo no entanto que o acesso à carteira profissional é muito mais permissivo.
Há quem bata no cão, quem bata recordes, claras em castelo, nós apicultores impedidos de bater nas abelhas, batemos cortiços.

A primeira vez que ouvi falar em tal, só me ocorreu aquele ritual iniciático do género de ir aos gambozinos. Mas não foi nada disso que se tratou, o objectivo era muito mais sóbrio e palpável…

Nessa altura as pessoas reuniam-se para a tarefa imbuídas do mesmo espírito com que antes ainda se juntavam para a matança do porco. E se ele há actividade com elevação espiritual só mesmo a matança do porco. A diferença é que o cortiço não guincha, não escoiceia, nem asperge os participantes com líquidos orgânicos, mas também é divertido.
Escorre mel, em vez de sangue, atrai outra sorte de vampiros...

O equipamento necessário, além da tralha habitual para defesa e ataque às abelhas, compreende um pano branco, um negro (também pano, evidentemente) e um “chaporro” ou “fueiro”, designações vernáculas que na minha aldeia significam: um pau, tão somente.

Antes escolhia-se uma manhã fresca entre meados de Março a meados de Abril, e mãos à obra. Nós ficamo-nos desta vez por uma tarde quente de Maio, mas correu bem.

O “bater do cortiço” pode ter vários objectivos e diversos métodos:

- Retirar a totalidade das abelhas do cortiço, extraindo posteriormente o mel e a cera.

- Retirar apenas “um enxame” do cortiço, fazer um desdobramento. Espera-se nesta modalidade que as abelhas que andam no campo regressem e façam uma nova rainha com a criação disponível. Óptimo para quem não dispõe de tempo livre para esperar a saída dos enxames. Neste caso, o cortiço fica no local original e a colmeia (ou cortiço) para onde se transferem as abelhas é deslocada para longe.

- As obreiras podem ser transferidas directamente para uma colmeia móvel, para outro cortiço, ou para uma colmeia móvel passando primeiro por um cortiço.

Parece confuso mas não o é na prática. A passagem por outro cortiço antes de irem definitivamente para a caixa, era uma estratégia para confirmar a passagem da rainha.
Era aqui que “entrava” o pano negro, colocado por baixo do novo cortiço, aguardavam-se uns instantes e: se houvesse ovos a rainha tinha passado ou vice-versa. Os antigos apicultores de Mértola tinham uma expressão e um termo próprio para estes ovos sobre o pano negro: “ver se as rainhas já tinham posto o carejo”.

A cor dos panos vale pelo contraste: o pano negro (em desuso) para ver os ovos, o pano branco para ver passar a rainha. É deste que nos vamos ocupar a seguir:

Começamos por escolher um cortiço pesado e bem povoado, de preferência com muitas abelhas no exterior, junto à entrada. Gosto do termo espanhol para esta imagem: hacer la barba, pois parece mesmo uma enorme barba que o cortiço tem na parte de baixo. É também um indício seguro que está para breve a saída do enxame:

Se olharmos com atenção, vimos junto à base uma boa porção de abelhas a fazer a ventilação, batem as asas com a parte terminal do abdómen elevada, sinal que a temperatura interior (e a população) são grandes.

Reparem que as glândulas de Nasanoff não são visíveis, não se trata por isso de um chamamento, apenas ventilação.

Procedimentos

Retirar o cortiço com a colónia a transferir, colocando no seu lugar a caixa que irá receber as abelhas. Convém que esta caixa fique num plano ligeiramente elevado, relativamente ao cortiço. Retirar a régua reguladora de entrada para desimpedir ao máximo o acesso das abelhas.

Colocar o pano branco (1m x 1m) frente à colmeia, com uma das extremidades sobre a tábua de voo. Podemos e devemos prender o pano sobre a dita tábua com molas ou pionés. O pano deve estar o mais plano possível, retirando paus, pedras e ervas de baixo, para que não haja dobras no tecido que dificultem a marcha das abelhas.

Colocar a boca do cortiço (parte de baixo) sobre a outra extremidade do pano, virada para a entrada da colmeia móvel e distante cerca de um metro.

Duas ou três baforadas de fumo para que as abelhas “se encham” de mel, o que dará jeito para a nova morada. Por outro lado também ficam menos agressivas. Cabe aqui dizer que se a nova colmeia contar com um ou dois quadros de mel e pólen, mais um de criação aberta, as hipóteses de sucesso serão muito maiores.
Não sendo possível, só com cera “puxada” ou moldada, também se resolve.

Tirar a tampa do cortiço. Antes os cortiços tinham a tampa pregada com “sovinos”, ou pregos de madeira (de Esteva, na minha região). Actualmente faz-se mais uso dos pregos de metal ou arames, mas a dificuldade é a mesma.
Com a ajuda do formão destaca-se cuidadosamente a tampa que além dos pregos está fortemente soldada com cera e própolis. Alguns apicultores ainda usaram barro, “barrearam” as frestas antes da captura do enxame no ano anterior.
Nesta fase passamos a ver os favos carregados de mel. É também assim que se faz a cresta do cortiço, se o objectivo fosse esse.

Há quem comece por bater vigorosamente com o “chaporro” no cortiço, lateralmente e por cima, de forma a incomodar as abelhas e obrigá-las a abandonar a morada. Também podemos começar por usar o fumigador bem ataviado de materiais combustíveis, soprando o fumo denso pela parte do cortiço oposta à colmeia (de onde retiramos a tampa).
O fumigador aqui deve trabalhar sem descanso, abundantes baforadas de fumo de modo a empurrar a massa de insectos para a extremidade mais próxima da colmeia. Quando as coisas são feitas com paciência e sem restrições de tempo, tal acção bastaria para desalojar as abelhas e encaminhá-las para a nova morada.

Pessoalmente prefiro passar para a etapa seguinte, mais violenta, mas mais rápida:

Colocamos o cortiço na vertical, sobre o pano e o mais próximo possível da colmeia. Muito cuidado com esta operação: muitas abelhas encontram-se no bordo do cortiço (na parte de baixo) e podemos esmagá-las. Devem ser afastadas com um pincel ou um ramo de vegetação.

Com o cortiço nesta posição, elevamo-lo a uns 10 ou 15 cm de altura e damos uma pancada seca sobre o lençol, de modo a que a massa de abelhas caia. Podemos e devemos dar uma segunda pancada com o cortiço no chão, mas desencontrada da primeira, para evitar esmagar centenas de abelhas.
Acredito que a maior parte das abelhas acabem por cair com as duas primeiras pancadas. Mas conto muitas vezes em que a rainha só saiu muito depois…

Voltamos a deitar o cortiço tal como estava no início da operação, seguindo-se três cuidados a que devemos atender:

a) – Encaminhar a massa de abelhas para a nova colmeia, o que se consegue fumigando-as por trás, ou seja a favor do sentido que pretendemos que elas tomem e batendo ritmadamente com o “chaporro” ou “fueiro” na caixa de madeira.
Esta última acção faz-me de novo lembrar a captura de gambozinos, mas há quem jure a pés juntos que tal batuque atrai o enxame na sua direcção…

b) – Evitar que a massa de abelhas retorne ao cortiço. A “boca” do cortiço, tal como o cheiro familiar da colónia estão demasiado próximos e as abelhas tendem a regressar. Evita-se com o mesmo processo da alínea anterior: fumigando-as para evitar que entrem no cortiço.

c) – Desalojar o resto ou boa parte do enxame, continuando a soprar fumo denso pela boca do cortiço, repetindo-se todos os passos já dados anteriormente.



10º Antes de voltar a bater o cortiço sobre o pano, o que só acontece quando muitas abelhas se concentram de novo na extremidade, convém abrir espaço, afastando a massa de abelhas do primeiro batimento. Para isso, pegamos na extremidade distal do pano, elevamo-la e sacudimos as abelhas para a outra extremidade, mais próxima da colmeia:

Desta vez, muito menos abelhas vão cair do cortiço e assim sucessivamente.

A operação termina quando vimos passar a rainha sobre o pano branco e entra em segurança na colmeia ou quando a totalidade ou a quantidade pretendida de abelhas seja transferida.

RESUMO COM ESQUEMAS:

O próximo esquema reporta-se a uma situação mais polémica e obscura (até porque o resto é claro como a água...) em que alguns apicultores sustentam que as abelhas depois de sair do cortiço não se habituam à entrada da colmeia.
Para resolver o problema colocam na colmeia vazia uma prancheta modificada, com um grande orifício central, colocam-lhe o cortiço por cima e tapam todas as fissuras com barro. Obrigando as abelhas do cortiço a sair e entrar pela colmeia.
Semanas depois transferem então as abelhas para essa caixa.

O mesmo apicultor aconselhou-me em tempos a fazer o mesmo com um enxame que me ofereceram e que há muito se tinha radicado numa lata de 20 litros de gasóleo.
A "escultura" final lembrava um daqueles canhões usados pelos piratas e corsários. Mas foi sempre uma boa colónia de abelhas...

Por vezes a passagem total das abelhas é muito morosa, mas tal não significa insucesso, a colmeia de madeira é levada para o destino e essas abelhas regressam ao cortiço.

Uma vez aconteceu-me estar a “bater um cortiço”, iniciei o procedimento normalmente, formou-se uma grande massa de abelhas à saída e quando me preparava para o primeiro batimento a totalidade das abelhas retrocedeu para o seu interior.
Não sei que estímulo lhe terá provocado o arrependimento, sei é que por mais fumo que lhe deitássemos, nada as faria desalojar do velho cortiço.

Há quem mantenha apiários de cortiços com o único intuito de lhe aproveitar os enxames, seja pelo método natural – esperando que saiam, ou por este, como a caça aos gambozinos… ou a matança do porco…
Divirtam-se!!!