

Na alínea
a) do artigo
2º (
definições) do
Decreto Lei nº 203/2005 de 25 de Novembro, que estabelece o regime jurídico para a actividade apícola e as normas sanitárias para defesa contra as doenças das abelhas, pode ler-se:
a) «Abelha» o indivíduo de espécie produtora de mel pertencente ao género Apis sp., designadamente os da espécie Apis mellifera;



Da leitura atenta deste decreto inferimos a importância que tais insectos representam para o sector apícola, para a economia, sociedade, ambiente… ou não se justificaria legislar com tanto afinco e pormenor para os proteger.
Mesmo sem ler o dito decreto, há anos e até séculos que o género humano, espécie
Homo sapiens sapiens, reconhece a importância da
Apis mellifera. Principalmente aqueles que delas tratam e aguentam estoicamente as ferroadas para sustentar a vida.
Gastam fortunas para as criarem, compram equipamentos cada vez mais caros, fazem contas ao combustível, adquirem medicamentos de luxo pouco eficazes e… mais estoicamente ainda com que os apicultores suportam as picadas: as abelhas lá vão sobrevivendo.
Chega o dia da cresta, convidam-se os amigos, levam-se as alças para a melaria e… qual balde de água fria, murro no estômago ou ingratidão total: ignoramos a definição de abelha que o legislador transferiu para o referido artigo. De “
indivíduo da espécie produtora de mel…” passa a insecto indesejável a eliminar das instalações.

Segundo o “
Manual de Boas Práticas na Produção de Mel” e a restante legislação sobre o assunto, “
As portas exteriores (…) na parte superior deve ser colocado um dispositivo electrocutor de insectos”. Basicamente uma cadeira eléctrica para abelhas, pior ainda, na cadeira eléctrica morreriam numa posição confortável…
É de todo desejável evitar o contacto de moscas com o mel, transportam bactérias e outros agentes infecciosos.
Mas uma melaria atrai sobretudo: Abelhas, os mesmos insectos que colectaram o néctar, o desidrataram e transformaram em mel. Durante estas etapas as abelhas sugaram o néctar através da língua, transportaram-na numa cavidade digestiva especializada: o saco do mel onde lhe adicionaram enzimas, depositaram-na nos alvéolos de cera, voltaram a colocá-lo na língua onde o partilharam com outras abelhas, com isso retiraram-lhe o excesso de humidade de modo a poder ser armazenado sob a forma de mel.
E agora electrocutamo-las só porque entraram na melaria ?!!!Recentemente, numa visita a uma das maiores melarias do Alentejo, em Moura, deparou-se-me um quadro (de facto havia lá mesmo um quadro) pouco comum: centenas de abelhas subiam pelo vidro da janela da melaria.


Confrontei a proprietária com tal situação, onde ela se justificou com a aversão que tinham ao electrocutor de insectos. “
Não faz qualquer sentido, primeiro precisamos das abelhas para produzirem o mel, e agora vamos matá-las?”Não pude deixar de concordar, uma olhada rápida pelas portas bastou para perceber que faltavam os ditos electrodomésticos suspensos que tanto animam as noites nos cafés da província: “
Olha, esta era de raça, ia mandando com a instalação eléctrica abaixo…”, “ e esta? Dava para beber um copo de vinho…”Aqui a situação era muito diferente. Quadros com cera “puxada”, colocados estrategicamente nas janelas, colectavam as abelhas invasoras. O princípio era simples e a execução melhor ainda: as abelhas atraídas pela luz exterior pousavam nos vidros passando depois para os quadros.


Ao fim do dia os quadros repletos de abelhas são transferidos para uma colmeia colocada no exterior. Outros quadros (de mel) que porventura trouxessem ovos ou larvas são igualmente colocados na mesma colmeia onde acabam por originar uma rainha.
“
Todos os anos conseguimos salvar quatro ou cinco colónias com este método” confidenciou-me a apicultora, caso contrário acabavam “fritas” com a descarga eléctrica…
Parece mais uma “poesia apícola”, mas tal facto remete-me para outro escrito que fiz em tempos onde comparava a legislação das melarias a uma
colagem sem imaginação. Tal como o insectocutor, infelizmente, muitos são os pormenores em que a falta de sensibilidade de quem legisla compromete e até inviabiliza o melhor dos projectos.