08 fevereiro, 2012

Apicultura em Apodi – Rio Grande do Norte – BRASIL

Novo dia a deambular pelo sertão nordestino.
Apesar das muitas chamadas de atenção para as potencialidades apícolas deste local, tal como para o forte desenvolvimento que o sector apresenta e representa para a região, à primeira vista era-me difícil optar por tal paisagem para assentar um apiário.

Senão veja-se das notas que tirei do local:

As acácias, a flora principal, de baixa estatura, lembram as congéneres da savana africana, mas aqui, à medida que avançamos apresentam-se mais raquíticas e com as folhas mais ressequidas.

Chamou-me a atenção, quando lhe passamos sobre a ponte, o leito completamente seco e coberto de areia branca e fina de um rio.

Por todo o lado se vêem cactos muito ramificados e frondosos, bem diferentes dos estereotipados para o Oeste americano.

Seguem-se mais matas de acácias, algumas palmeiras, raras, arbustos completamente secos e incrustados num pasto amarelento e rasteiro.

Os blocos de granito que afloram no meio do mato seco são agora maiores e mais comuns. Já os arbustos são mais rasteiros e esparsos.

O Sol fortíssimo, cujos raios reverberam em todas as superfícies, a paisagem é quase surrealista e depressiva, pessoalmente agrada-me o contraste com os dias anteriores.

À saída de Açu, uma vedação típica, com paus esbranquiçados e arames, em cima de cada pau está pousado um Urubu de cor muito negra.

Segue-se uma placa, enorme outdoor, onde eu creio que pretendem chamar a atenção de quem passa para a eventual descentralização do governo e em que se pode ler: “O GOVERNO ESTÁ AQUI”.
A placa e a respectiva mensagem até passavam despercebidas ou não estivessem instaladas na parede de uma vacaria…”


Casa típica da região: por cima - a mesma casa vista através do vidro fumado do carro, uma das estratégias para melhor suportar o calor.

Era neste contexto e no meio de vastas e desoladas planícies que se nos deparou o município de Apodi. Foi na sua travessia que fortuitamente reparamos na fachada de enorme pavilhão onde se lia a sigla COOPAPI – Cooperativa Potiguar de Apicultura e Desenvolvimento Rural Sustentável.

Junto à sigla, a inevitável abelhinha fez-nos deter a marcha e abeirarmo-nos do edifício. Entramos e logo apareceu uma simpática funcionária, responsável pelo armazém, que nos convidou a entrar e mostrou-nos as instalações. Chamou-me a atenção enorme pilha de caixas de cartão cujo conteúdo compreendia curiosas embalagens de mel, um género de cápsulas transparentes concebidas para se chupar o conteúdo. Lembrava mesmo uma enfiada de salsichas, pela forma como estavam ligadas.

Uma estratégia de comercialização deveras interessante pelo carácter original como o mel é apresentado, sendo até muito atraente para as camadas mais jovens às quais se destina.

Loja de produtos da colmeia, nas instalações da COOPAPI.

A presença no mesmo espaço físico de apicultores de latitudes tão distantes só podia resultar no que se esperava: a habitual conversa sobre as abelhas, as curiosidades e as comparações entre as duas realidades tão distintas. Não podia deixar de assinalar os números e factos referentes à apicultura sertaneja e que tanto me surpreenderam pela positiva:

Mais uma vez e já se tornara um hábito, também em Rio Grande do Norte a varroa pouco mais era que uma “ilustre” desconhecida.

Contaram-me que chegam a ter produções superiores a 50kg/colmeia/ano, distribuídos por quatro ou cinco crestas. Nalguns casos chegam a fazer oito ou nove crestas e sem transumância, dada a riqueza florística do sertão.

Algumas das fontes de néctar que referiram e que consegui registar, eram entre muitas outras a melada da fruta madura do cajueiro, muito abundante na região e a flor do “marmeleiro”, um cipó que nada tendo a ver com o nosso marmeleiro, acaba por ter algum relacionamento e logo pelas razões menos ortodoxas, segundo me contou o Kalhil: “não há menino do Sertão que se preze que ainda não tenha apanhado com vara de marmeleiro…”.

No lado direito da imagem o referido "marmeleiro".

Usam sobretudo a colmeia Langstrooth, onde não colocam mais que duas ou três alças, retirando o mel logo que esteja maduro.

São 250 apicultores associados que criam a abelha africanizada em cerca de 4000 colmeias que chegam às 300 toneladas de mel por ano. Boa parte do mel é comercializada em tambores de 300 kg, outra em embalagens normais de vidro e outra ainda nas já referidas “salsichas” em doses individuais.

Um dos responsáveis pela cooperativa, o Eng.º Tertulino, ofereceu-se para nos mostrar as instalações da melaria onde processavam as curiosas embalagens de mel, localizada em Córrego, comunidade rural distante oito quilómetros de Apodi por uma estrada poeirenta de terra batida.

Pelo caminho deparavam-se-nos as paisagens imortalizadas por Vargas Llosa em “A Guerra do Fim do Mundo” ou por Bruce Chatwin em “O Vice Rei de Ajudá”. Locais áridos e agrestes cujo aspecto desolado chegava a evocar autêntico desterro. Mentalmente, e face a tais observações, ia revendo os números que momentos antes me tinham maravilhado.

Como é possível que em condições aparentemente tão adversas é possível criar abelhas e sobretudo fazê-lo com o sucesso que estes apicultores conseguem?

Foi quando me ocorreu um comentário ouvido no primeiro Fórum Nacional de Apicultura, há uns anos atrás em Mértola, em que alguém citava um antepassado apicultor que dizia: “…por mais madrasta que seja a terra, pelo menos o mel se há-de tirar dela!”

De qualquer forma, o aspecto estéril e ressequido da Caatinga na estação quente sofre profundas transformações no período das chuvas. O matagal de cores pardacentas dá lugar a campos verdes e imensamente floridos que justificam as abundantes produções de mel.

A Central Meleira da COOPAPI, ou Central de Beneficiamento do Mel de Córrego, obedece à Legislação Governamental para esse efeito. Requisitos e condições em tudo semelhantes aos previstos para instalações desse género na Europa.

Na ampla sala de embalamento, e era essa a principal vocação da central, quatro ou cinco funcionários processavam as ditas embalagens individuais de mel. Um tubo longo, transparente e de pequeno diâmetro, era cheio de mel e posteriormente seccionado nas pequenas doses numa máquina concebida para o efeito.

Parecia tudo tão simples, mas funcionava, e os compridos rosários de “cápsulas de mel” entre o dourado e o âmbar iam-se amontoando até serem colocados nas caixas de cartão que já conhecíamos.

À minha pergunta sobre o escoamento e a comercialização, maravilhem-se com a resposta, tal como me sucedeu a mim: o Governo garante a aquisição de toda a produção e que posteriormente distribui pelas escolas da região. Se por um lado fomenta a economia local tornando a apicultura uma actividade apetecível, por outro garante às crianças em idade escolar o acesso gratuito a um alimento saudável.

Além do mel, também a castanha de caju e o leite beneficiam das mesmas medidas governamentais, estratégias de desenvolvimento rural dignas desse nome e que decerto darão frutos a muito curto prazo.

A Cooperativa que visitamos congrega sobretudo os produtores de mel, de castanha de caju e ainda um terceiro produto que caracteriza a região: as fibras, ceras e outros produtos extraídos da palmeira Carnaúba.

Foi já no regresso que compreendi o cartaz que anunciava a “presença” do governo junto à vacaria, o mesmo governo que decerto estaria na melaria e em tantas outras iniciativas que enchem de orgulho os povos do Sertão.

Um obrigado especial aos dirigentes e associados da COOPAPI, pelo carinho e pela amizade com que nos receberam.

outras voltas...

Depois de quilómetros e quilómetros percorridos em vastas planícies do Sertão, subida à serra onde encontramos Portalegre e almoçamos borrego guisado... onde é que eu já vi isto???

Ex libris da região: Lampião e Maria Bonita, as histórias do cangaço.

Abelhas, térmites e vespas, ali tão perto, abundavam na vegetação junto à rodovia.


... outros méis ainda, de realçar o mel "antigripal"

5 comentários:

António Sérgio disse...

Lindo!!

Meliponário do Sertão disse...

Pífano, se achou as terras adversas, imaginas a 60, 70, 80 anos atrás, nos tempos de lampião, onde o governo não se fazia presente nem muito as facilidades do mundo moderno existiam.

Confesso que ao andar pelo meu sertão sinto um bucólico sentimento de paz, mesmo num ambiente a primeira vista inóspido, há muita vida nesse lugar.

Quero que venha outra vez, mas agora nos períodos de chuvas, você se surpreenderá com a explosão de vida, de flores, de pássaros, borboletas, os campos desérticos que outrora engordavam os urubus se transformam em vastas áreas de mata colorida por flores e completamente fechada.

O Sertão Potiguar é lindo, basta saber enxegar da maneira correta.

Grande Abraço,
Do seu amigo.

Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão
Mossoró-RN-Brasil

Abelha Preguiçosa disse...

Que ideia fantástica, a das "salsichas" de mel, mas não percebi bem essa do mel antigripal!?!

A paisagem fez-me lembrar uma musica já com alguns anos (anos 70, penso eu), sobre um sertão que provavelmente será diferente do actual (não sei, eu nunca fui ao brasil...): http://www.youtube.com/watch?v=YJs1zqRhDCc

Um Abraço

Anónimo disse...

Parabéns !
É formidável.
Bem diferente de cá, desde a presença do governo até ao mel em garrafas.
Um abraço,
Abelhasah.

Anónimo disse...

Uma paisagem cheia de promessas que as primeiras chuvadas obrigam a cumprir.

Tudo o que é necessário às abelhas, por lá se encontra.

E diria que o mesmo se aplica aos apicultores, com o estado a ajudá-los comprando as suas produções, não dificultando com burocracias e exigências absurdas.

Excelente reportagem Joaquim, com a devida atenção aos aspectos naturais e humanos e a integração de uns e outros.
Abraço,
Eduardo Gomes