Desta vez fui mesmo com pouca fé na “api-reportagem”.
Não só o desconhecimento quase total das práticas apícolas na
Índia, como as barreiras linguísticas e outras dificuldades que um país tão
populoso sempre apresenta, tornaram a missão quase impossível.
No entanto, não houve jardim público, mata, terreno de
cultivo ou simples vaso com flores onde não espreitássemos a possibilidade de
encontrar uma abelha a colectar o néctar. Certo é que as não havia, boa parte
do circuito foi em meio citadino e decerto que a elevada poluição atmosférica
há-de ter encorajado estes insectos a procurarem pastagens mais longe.
Mesmo quando questionava os habitantes locais, através da
preciosa ajuda dos guias, a resposta era sempre evasiva ou até negativa.
Estávamos na região Norte, mas as referências apícolas apontavam ainda mais para
Norte ou para Este.
Só mais tarde outro dos guias nos conseguiu indicar locais
onde com alguma certeza havíamos de encontrar explorações apícolas. Não sem que
tais interesses lhe fizessem alguma confusão, visto que os operadores
turísticos não estão ainda sensibilizados para a oportunidade que as
ruralidades deste género podem representar para o sector.
Deslocávamo-nos então por uma zona rural, entre Jaipur e
Agra, quando ali mesmo ao lado da autoestrada nos deparamos com o primeiro
apiário. Tinha umas quantas dezenas de colmeias, pintadas de branco e marcadas
eventualmente com as iniciais do
proprietário.
O modelo era semelhante à Langstrooth, cuja prancheta fora
substituída por uma serapilheira. Infelizmente as colmeias pareciam
despovoadas, não se detectando qualquer movimento de abelhas no exterior, nem
tão pouco nas flores em redor, apesar do calor que se fazia sentir.
Mais à frente, junto ao povoado de Bhartpur, região de campos
de cultivo, numa enorme clareira surgiu então um grande apiário com dezenas de
colmeias do mesmo modelo das anteriores, mantendo o pormenor da serapilheira
sob o tampo.
Neste assentamento havia um pormenor deveras curioso: mesmo
ao centro do extenso apiário encontrava-se uma tenda de campanha, em lona azul,
montada sobre uma estrutura de madeira. Pareceu-nos uma forma bastante
pitoresca de estar na apicultura, decerto o apicultor permanecia junto à
exploração nas épocas de maior actividade.
Enquanto aguardava pela autorização de visitarmos as
colmeias, conseguida por um dos motoristas que nos acompanhavam, vi as
primeiras abelhas Apis cerana (?)
pousadas sobre as flores. À primeira vista lembravam os híbridos da abelha
negra europeia com a amarela italiana, mas a tonalidade e sobretudo a
sobriedade das cores envolvidas era algo diferente. Comparei-as com fotos de A. cerana na net e mantenho as mesmas
dúvidas pelo que prefiro deixar a classificação para segundo plano.
Finalmente vi aparecer
o Sanjay com o sorriso habitual e com ele o almejado apicultor, de nome Shubash
Chand, conforme o motorista Anil Sharma mais tarde escreveu no meu caderno. Tínhamos
finalmente alguém com quem falar sobre a apicultura local.
Começou por abrir uma das colmeias, onde logo percebemos quão
dóceis eram estas abelhas, permanecendo impávidas e serenas no quadro que ele
retirou para nos mostrar. Ao fim de algumas colmeias abertas percebemos que as
colónias nesta fase do pós cresta, decerto atravessam algum período menos
activo, dado o reduzido número de quadros ocupados em cada caixa.
Não se viam quadros colados ou mesmo os característicos
depósitos de própolis no interior das colmeias, que de resto me pareceram muito
limpas e higienizadas.
À minha questão o Shubash negou deslocar o apiário para
outras pastagens, limitando-se quase que exclusivamente à exploração do néctar
das culturas de mostarda, típicas do local e cuja floração não dura mais de dez
dias e que ainda assim conseguem encher uma alça de mel. Fiquei maravilhado: 10
dias de produção – 10 kg de mel.
Ocorreu-me depois que vivo numa realidade semelhante: Nos últimos anos, dos cerca de 50 dias que dura a floração do Rosmaninho, subtraindo os períodos de frio e chuva, sobretudo os dias ventosos, tenho contado entre os 9 e os 15 dias óptimos e isso traduz-se em produções médias entre os 15 e os 25 kg/colmeia.
Ocorreu-me depois que vivo numa realidade semelhante: Nos últimos anos, dos cerca de 50 dias que dura a floração do Rosmaninho, subtraindo os períodos de frio e chuva, sobretudo os dias ventosos, tenho contado entre os 9 e os 15 dias óptimos e isso traduz-se em produções médias entre os 15 e os 25 kg/colmeia.
Já no período de carência, este apicultor quase sempre
recorre à alimentação complementar para manter os efectivos, processando-se
este aspecto de forma muito semelhante ao praticado pelos apicultores
ocidentais, utilizando inclusivamente os saquinhos de plástico como suporte
para o alimento.
De qualquer forma decerto que houve algo que nos escapou em
termos de tradução, pois os campos agrícolas por onde passávamos encontravam-se
em plena produção e eram visíveis outras potenciais fontes de néctar para as
abelhas.
Confirmou-nos que a serapilheira utilizada entre o tampo e os
quadros servia para desencorajar a pilhagem entre colónias e como tal seria
então um substituto económico da prancheta.
Não há apicultor que se preze que na primeira oportunidade de
contacto com companheiros de outras latitudes não se interesse pelas
comparações sanitárias, ou não fosse a Varroa um pesadelo que nos acompanha
para todo o lado. Nunca ouvira falar dela, ou melhor ainda, não colocava um
único produto químico ou homeopático nas suas colmeias.
Referiu sim a existência de um parasita, que o Anil me
traduziu como “fly” e a minha imaginação terá levado para os forídeos (espécie
de mosca) que no Brasil não só afectam as abelhas sem ferrão como as próprias Apis africanizadas… De qualquer forma,
os quadros do ninho aos quais tive acesso pareceram-me bastante saudáveis, tal
como nada me garante tratar-se do mesmo parasita.
O momento mais esperado, quando o apicultor nos mostrou o mel
da sua produção, não foi propriamente a curiosidade em prova-lo, mas o facto de
isso nos ter feito abeirar da misteriosa tenda no meio do apiário. Já esperava
que a lona lhe servisse de abrigo nas épocas de maior actividade, mas
surpreendeu-me encontrar aí uma cama de campanha, uma colmeia travestida de mesa-de-cabeceira,
com utensílios de cozinha, uma arca e uma motorizada. Um verdadeiro asceta
apícola, muniu-se do estritamente necessário para a sobrevivência e claro está,
rodeou-se do objecto da sua veneração: as abelhas.
Ainda imaginei o Shubash a ser acordado por uma multidão de abelhas
furiosas quando me ocorreu que estas eram bastante dóceis. Imaginei também a
distância em anos-luz que separam um apicultor indiano apartado de todos os confortos
para produzir mel, dos projectos ProDer que ora (des)animam a apicultura
portuguesa… Depois coloca-se o termo “competitividade” no sítio onde os
economistas o deviam ter e obtém-se uma salada curiosa…
Gostei do mel que nos deu a provar, decerto o néctar da
mostarda, de cor escura e viscoso mas muito agradável. Também nessa altura nos
mostrou dois baldes de 20 litros com a marca RAJ APIARIES, a entidade que
recolhia e comercializava o mel dos apicultores individuais. Um sistema muito
semelhante ao que vi no ano passado no Brasil, em Apodi – Rio Grande do Norte.
Contou-nos o apicultor que era ele próprio
que construía colmeias e quadros, que não sendo exemplos de perfeição tinham
dimensões e formatos tão homogéneos que nada ficavam a dever aos equipamentos
standard.
Saimos do abrigo para o escaldante Sol indiano, onde apesar
das altas temperaturas as colmeias não tinham qualquer protecção sobre o tampo.
Estavam no entanto assentes sobre estrados de metal, decerto que durante a
monção a humidade há-de atingir valores preocupantes na região.
Perto do minibus estacionado na berma da autoestrada,
começava a juntar-se uma pequena multidão. Se para estes povos rurais os
europeus já eram motivo de curiosidade, nem imagino o que pensariam de nós,
munidos de máquinas fotográficas e com tanto interesse em caixas de madeira
cheias de abelhas.Uma curiosidade: não sei para que lado estariam viradas as colmeias, mas o Sol estava a pique e havia sombra em todas as tábuas de voo, pelo que foi difícil fotografar as abelhas nesse local. Consegui no entanto captar algumas imagens de uma bonita rainha de cor dourada, que o Shubash nos exibiu com orgulho. Ocorreu-me que a maioria das mulheres que vimos a trabalhar nos campos vestia saris de cor semelhante, mas era mesmo coincidência.
Mal nos tínhamos despedido e voltado à estrada, quando deparamos com novo assentamento de colmeias ainda mais numeroso. Não há fome que
não dê em fartura…
Aqui estavam em plena laboração do que me pareceu ser a
cresta, meia dúzia de apicultores com redes de tule a pender de chapéus
camuflados, carregavam quadros e alças pelo apiário. O mesmo modelo de colmeia,
as mesmas cores e evidentemente a mesma tenda de campanha, garante de um
acompanhamento pessoal e constante no período crítico da produção.
Tirando as sessões de formação, nunca tinha visto tanta gente
a trabalhar em simultâneo num apiário, recordou-me um ditado popular que fala
em “trabalhar com muitos e comer com
poucos…” e que agora volta a fazer sentido, ou pelo menos a austeridade que
nos espera no regresso a casa assim o postula.
O que pareceu serem os restos de uma "borboleta caveira", no solo, junto às colmeias.
…
Obrigado ao Shubash
Chand pela forma amistosa como nos recebeu na sua exploração e que a partir
de agora, além do mel, há-de também valorizar o seu apiário como atracção
turística.
Obrigado ao Anil
Sharma pela tradução inglês – hindu, pela condução profissional no trânsito
caótico e pela paciência ilimitada que sempre demonstrava quando nos sentíamos
atraídos por estas atracções menos turísticas.Obrigado ao Sanjay Kumar pela forma intrépida com que avançou pelo apiário, antes de saber da nula agressividade das abelhas e pelo apoio e boa disposição que sempre demonstrou.
7 comentários:
Mais um excelente post retrato duma grande viagem. Mas quer-me parecer que há ali um sr cuja barriga tem vindo a crescer, será a falta de carregar umas alças? Se tudo correr bem, no dia 8 estou ai.
Forte abraço amigo
Olá Luís,
:D :D :D
Fizeste-me rir a valer!!!
Na realidade Luís, não me habituei muito aos "spicy's" da Índia, estava mesmo era muito inchado e com uma tremenda nosemose...
Felizmente voltou tudo ao normal, ainda que o normal não seja o ideal :)))
É um prazer contar contigo no Avis mellífera,
Abraços
Gosto muito de blog e obrigado por nos trazer estes documentários que são fantasticos.
O "inchaço" tem as costas largas!
Parabéns pela excelente reportagem.
Até dia 8.
Um abraço.
Abelhasah.
António,
Já não tinha mais por onde inchar :)))
As dimensões do apicultor também não ajudam... para a próxima escolho um do meu tamanho :)))
Tá tudo a postos para dia 8!
Abraços
Boas Quim
Parabéns por mais esta viagem cultural á India foi pena não verem mais apicultores mas já deu para ver as diferenças.
Parabéns
Gostei sim senhor. De facto a tenda no meio do apiário é qualquer coisa de fantástico. Imagino-te daquia uns 30-40 anos na tua tenda em pleno Alentejo com as tuas abelhas completamente domesticadas a entrarem na tenda com pólen e néctar para te manterem no mundo dos vivos. Claro, nessa altura não haverá Varroa, ou talvez uma relação simbiótica como a Apis cerana, e para te alimentares vais ter apenas pólen e mel.
A Índia não me "puxa" mas deve ter sido muito bom.
António Marques
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