04 abril, 2014

Lagar de Cera de S. Marcos da Atabueira - Castro Verde

O LAGAR DE CERA DE S. MARCOS DA ATABUEIRA

Recentemente foram encontradas várias referências a lagares de cera na região. De facto, para além de haver situações de lagares que eram simultaneamente de azeite e de cera, havia nesta região lagares que só trabalhavam a cera.

Um desses lagares situava-se em S. Marcos da Atabueira. A referência mais antiga encontra-se no Annuario Commercial de 1902 onde está, na parte relativa a S. Marcos da Atabueira, na página 1099, a entrada: “Cera com lagar e branqueio (Fabrica de): Bartholomeu Jaldon y Jaldon.” A mesma referência encontra-se ainda na edição de 1906 da mesma publicação, na página 1384, e na página 1909 da edição de 1911. Só tivemos acesso a estas três edições.

O edifício do lagar ainda existe, embora já não tenha qualquer vestígio da sua actividade relacionada com a cera. Encontra-se no limite Noroeste da aldeia e ainda é referido localmente como lagar de cera. Não foi possível encontrar na memória local referências ao seu funcionamento. O edifício, de grandes dimensões e em banda, divide-se em três áreas independentes: uma área central de residência e, no seguimento desta, um casão de arrumos da actividade agrícola.
Adossado e mais baixo, outro casão onde funcionou o lagar de cera. Note-se que, enquanto o casão agrícola tem acesso posterior pela cerca das traseiras, este último casão tem acesso directo da rua, o que parece pressupor uma utilização com entrada e saída frequente de pessoas estranhas ao grupo familiar. Como se disse atrás não tem já qualquer vestígio de estruturas que indiciem a actividade relacionada com a cera, que terá terminado algures nos anos 20 ou 30 do século passado. Foi-nos referido que, numa cerca que se encontra nas traseiras do edifício, haveria umas ruínas de estruturas que estariam relacionadas com o lagar de cera, mas de que já não restam vestígios nem foi possível confirmar.

Salvo algumas raras excepções localizadas no Norte do país, os lagares de cera foram declinando durante a primeira metade do século passado em virtude da diminuição do interesse económico da cera de abelhas.

A zona de Aracelis e de S. Marcos da Atabueira foi, até inícios do século XX e à semelhança de grande parte do Alentejo, uma zona essencialmente de matos, denominados em documentos da época como charneca. Essa charneca era constituída sobretudo por arbustos, de que se destacariam a esteva e outros de menor porte como o rosmaninho.

Estas zonas de mato eram aproveitadas pelas populações locais para um conjunto de actividades como a recolecção de plantas comestíveis, medicinais e aromáticas, de cogumelos e túberas, a caça (bastante abundante, quer de aves quer de mamíferos), a lenha para cozinhar e aquecimento. E também para a apicultura actividade, antes como agora, importante nesta região. Num livro de 1747 refere-se, ao enumerar o conjunto de riquezas naturais da zona de Aracelis: “(…) e muitas cilhas de colmeias, de que recebem grande lucro os moradores”. De facto a apicultura, que já era uma actividade económica importante nessa altura, continuou a sê-lo durante muito tempo: a região baixo-alentejana foi, até finais do séc. XIX – inícios do séc. XX, grande produtora de mel e cera, de que exportava grande quantidade. A água-mel, em contrapartida, destinava-se sobretudo ao consumo local. A apicultura seria uma actividade muito divulgada, em que quase todas as famílias tinham uma pequena quantidade de cortiços, encontrando-se, por isso, a produção pulverizada pelo território.

Enquanto o mel era utilizado sobretudo como adoçante, a cera era um produto bastante valorizado pelas suas utilizações que iam desde a iluminação até ao tratamento e/ou impermeabilização de um conjunto de materiais, nomeadamente tecidos, couros e madeiras. A sua comercialização era feita por indivíduos, sobretudo espanhóis, que percorriam o território comprando a pouca cera que cada apicultor produzia.

 Carlos Pedro
 Castro Verde, Janeiro 2014

1 comentário:

Francisco Rogão disse...

Mais um tesouro perdido. É uma pena deixar perder este património.