27 abril, 2010

Apicultura Profissional nos Alpes Franceses

Tal como combinado, nessa tarde deslocamo-nos a Saint Georges d’ Hurtières onde encontrariamos o apicultor Frédéric Petitjean, produtor de mel biológico.

Depois de uma subida estonteante a uma velocidade ainda mais estonteante de 40 ou 50 km/hora chegamos finalmente ao povoado, onde encontramos imensas placas referentes a produtos da agricultura biológica. Entre as quais uma referente à melaria onde íamos.

A meia encosta, com vista sobre o vale e as montanhas nevadas, a melaria e a casa do apicultor. Ambas construídas em madeira com traços acentuadamente Alpinos, um lugar bem bonito para viver e laborar no “doce ofício”.

Enquanto aguardávamos a nossa vez, pois o período entre as 17:00 e as 19:00 horas eram dedicados ao atendimento de clientes, depressa percebemos que se tratava de uma exploração maior que as que visitáramos até então. Cá fora, sob um telheiro, pilhas de alças, núcleos e colmeias aguardavam a “chamada” para a Primavera que se aproximava.

Junto à “Miellerie du Massif des Hurtières” algumas colmeias povoadas davam o toque final a uma decoração exterior essencialmente apícola…

Outra decoração menos apícola, mas nem por isso menos agradável, lembrava-nos que a ruralidade é um fenómeno global e uma herança inalienável. A manutenção de jovens activos no interior torna-se cada vez mais um imperativo e um exemplo a seguir para que haja desenvolvimento.

Chamou-me a atenção o grupo de clientes que entretanto abandonava a loja de mel com as compras feitas e um ar satisfeito: tratava-se de uma família (como outra que veio mais tarde) e que terão decerto encarado a “compra de mel, pólen, etc…” não como uma compra normal, mas como uma oportunidade de conhecer melhor o que levavam para a mesa. Ou não teriam demorado tanto tempo e conhecido o produtor com quem aproveitaram para trocar impressões.
Atraiu-me bastante esta modalidade de comprar directamente na exploração, uma forma mais pessoal de adquirir alimentos e “olhar o produtor nos olhos”, algo a que infelizmente nos estamos a desabituar…
Fomos finalmente recebidos na loja da melaria onde a conversa mais uma vez foi fluindo, dentro das possibilidades do “meu francês”, e que andava à volta de qualquer coisa como sobreviver com 350 colmeias: o efectivo do meu interlocutor.
De facto é possível viver com um número tão reduzido de colónias, mas tal só se torna verdade porque o apicultor produz e comercializa quantidades significativas de Geleia Real. Para a qual possui apiários próprios e um pequeno laboratório que infelizmente já não tivemos oportunidade de visitar.
Ainda lhe disse que em Portugal seria impensável “sobreviver” com 350 colmeias, nem com o dobro, já não lhe disse (mas pensei) que se conseguíssemos vender o mel aos preços praticados naquela região, decerto conseguiríamos tal habilidade…

Mel e respectivos preços que encontrei noutra loja a 10 ou 12Km (St. Jean de Maurienne).

Face ao grande número de tipos de Mel que Frédéric Petitjean apresentava nas prateleiras da loja resolvi encaminhar a conversa para o maneio apícola, nomeadamente para a gestão de florações disponíveis e ou transumância.

Transumância e Florações na região da Sabóia / Alpes

(A) Segundo Petitjean, e devido às carências polínicas durante o Inverno, os apicultores da região chegam a semear grandes áreas de mostarda nas áreas mais planas para suprirem tal carência nutricional nas abelhas.

Durante essa estação, costuma deixar as colmeias no centro do vale (e não na base da montanha) para que as colónias tenham o maior número possível de horas de luz diárias. Um problema para o qual não temos muita sensibilidade, uma vez que não temos as condições extremas a que a apicultura alpina está sujeita.

Já durante a Primavera, onde o armazenamento de néctares é quase nula, a colmeia apenas se dimensiona para a estação produtiva, as principais fontes de néctar e pólen são sobretudo as Nogueiras (muito abundantes na região), os Salgueiros e uma herbácea, o Dente de Leão.

(Vida difícil a de abelha alpina…)

(B) A partir do mês de Maio já há flora produtiva, sobretudo a Acácia, com as colmeias ainda no vale ou nas encostas baixas (até aos 400m de altitude). Este mel caracteriza-se por ser extremamente doce

(C) Em Junho já é necessária a transumância para a flora dita de Montanha, para os 1000 metros de altitude. O mel daqui resultante é um multifloral muito procurado pelos consumidores. Tanto o Mel de Montanha como o de Alta Montanha caracterizam-se por méis frutados e doces.

(D) Depois de Julho as colmeias voltam a ser deslocadas montanha acima, para os 1500 metros, para a zona designada por Alta Montanha. Produz-se um mel multifloral diferente do anterior, mais forte e com um sabor mais frutado. Compreende uma floração conhecida – o Rododendro:

(E) Em Julho/Agosto há uma floração alternativa, neste caso “concorrente” ao Mel de Alta Montanha – o Castanheiro, onde o apicultor deve decidir quais as colmeias que destina a cada floração.
O Castanheiro, outra das espécies características da região, abunda sobretudo na parte mais baixa das encostas.
Segundo Petitjean, a decisão para cada floração (e altitude) é muit fácil: as colmeias mais fortes são levadas para Alta Montanha e as mais fracas para a zona dos Castanheiros:

Acabei por lhe comprar uma embalagem de Miel de Sapin, uma melada, produzida a partir das características coníferas e por sinal um dos méis mais caros:

Na mesma prateleira a Geleia Real do produtor:

Artesanato local que conjuga perfeitamente com o “doce da casa”…

Numa parede, um quadro com abelhas e larvas coladas, que pretendia mostrar aos clientes o ciclo de vida das abelhas:

No continuar da conversa ainda me confessou sofrer de forte alergia à picada das abelhas, pelo que procurava substituir a abelha negra europeia (muito agressiva) por raças mais dóceis. Mostrava-se muito interessado na inseminação artificial de rainhas para mais facilmente conseguir esse intento.

Também pertence à Associação de Apicultores dos Allobroges, onde há uma nítida distinção entre apicultores amadores e profissionais, em que os últimos adquirem embalagens e rótulos próprios para o mel, de uma forma autónoma, enquanto que os primeiros o fazem através da associação, conseguindo desta forma também preços mais competitivos.
Contou-me que o mel preferido pelos consumidores na região é o Mel de Alta Montanha, que quase sempre acaba por cristalizar, confirmando a informação do apicultor de Jarrier que visitei uns dias antes.

Voltamos ao tema do Mel Biológico, onde o confrontei com a proximidade de uma zona fortemente industrializada, tal como a passagem de uma estrada nacional, uma auto-estrada e o caminho de ferro, ou não fosse aquela região um importante corredor de passagem entre a França, Suíça e a Itália.
Disse-me que a lei obrigava a uma distância de 300m destas possíveis fontes de poluição e que vinham frequentemente técnicos da entidade certificadora aferir o cumprimento de tais regras. Controlando inclusivamente os acaricidas que aplicam duas vezes ao ano: Timol, durante o Verão, líquido e simples a embeber tiras de cartão canelado e Ácido Oxálico, aplicado directamente na colmeia durante a estação fria, ambos medicamentos autorizados para a produção de mel biológico e que segundo ele com muito boa eficácia.

(imagem anterior): Cartaz publicitário que apresentavam na entrada da loja.

Muito mais havia para falar… mas resolvi também respeitar a hora “sagrada” que o apicultor dedicava ao atendimento dos clientes, cujo ar satisfeito demonstrava claramente que não iam à melaria apenas comprar mel mas também saborear um pouco mais dessa actividade única que é a apicultura…

1 comentário:

Mário disse...

Grande oportunidade de novas experiências, óptimo testemunho e vivência :)