12 abril, 2010

Apicultura Tradicional nos Alpes Franceses ( II )

Segundo dia da “expedição” nos Alpes Franceses.
Resolvi madrugar neste dia, depois de uma série de voltas pela montanha, vários apiários visitados, centenas de fotografias tiradas, faltava agora um “encontro imediato de 3º grau”: a conversa com um apicultor alpino…

Nada me é mais fácil (e agradável) do que conversar seja com quem for, principalmente com quem partilhe os mesmos “vícios” que eu. No entanto, por mais que eu já tivesse deambulado pelos campos à procura de um apicultor, nunca encontrei nenhum nos apiários, que acabei por fotografar impunemente e à revelia dos proprietários.

Podia bater a uma porta e… vamos falar de abelhas? Eu não sei como reagiria se me batessem à porta e ouvisse um “Hello! Let's talk about beekeeping???“ decerto que reagia da melhor forma, aliás… como acabaram por reagir comigo. Apesar da tremenda simpatia das pessoas, não se encontrava ninguém nos caminhos rurais nem nas ruas, acabei por sentir alguma inibição para incomodar fosse quem fosse.

Resolvemos “mudar de freguesia” e encaminhamo-nos para Jarrier, outra povoação nas redondezas. Entrei numa queijaria tradicional, no campo, e perguntei onde poderia comprar mel. Informaram-me que nesta fase os produtores locais já teriam vendido toda a produção, teria de esperar pela próxima campanha. Agradou-me a proposta, mas tinha imenso para fazer onde vivo e por outro lado fora-se o principal argumento para falar com um apicultor… a compra de umas embalagens de mel.
Também fiquei satisfeito por saber que aquela rapaziada não tinha grandes problemas em escoar a produção…
Nesta povoação, a menor altitude, começaram a abundar os prados com extensas áreas verdes cobertas de trevo. Foi precisamente numa destas pastagens que encontramos o primeiro apiário “a céu aberto”, pois não tinha a característica protecção em madeira e metal:

Tratava-se de um curioso apiário, com apenas cinco colmeias em muito bom estado, numeradas e da mesma cor. Valeu também pela excelente vista do vale lá em baixo.
Logo encontramos outro apiário, mais tradicional, no entanto sem colmeias. Além da bonita construção de madeira só subsistiu a placa com o número de apicultor…
Senti-me mais confortável ao pensar que as abelhas deviam andar na transumância, e quase decerto que assim era.

Mais à frente, mais acima e já na povoação, um pequeno apiário junto a uma casa. Ainda por cima se viam indícios de uma serração familiar onde decerto o proprietário construía as próprias colmeias.
Já tinha alguém a “quem dar conversa”, desta vez ia mesmo falar com um apicultor francês. Foi assim que conhecemos a simpática família Berard, de Jarrier, ambos apicultores amadores, que nos convidaram a entrar.

Com uns copos do habitual “aperitif français”, a conversa sobre “o nosso assunto” foi fluindo sobre todos os aspectos do sector apícola e não foi necessário muito para mais uma vez confirmarmos que a globalização ainda é o que era… e veio para ficar…
E tal como nós, tal como o espanhol que conheci no Cabo Finisterra, tal como em todo o mundo, a Varroa, o Klartan, o Acadrex e tantas outras pérolas que cada vez mais nos enriquecem o vocabulário fazem parte da vida apícola geral. Por acaso até tratavam com produtos homologados, mas os outros também se arranjam e a eficácia é a que nós conhecemos.
Também tiveram sérias perdas com o SDC, e na altura da minha visita preparavam-se para encher uns alimentadores com xarope para as colmeias que tinham junto à residência.
Trabalham essencialmente com a abelha negra europeia e com a caucasiana, se bem que a italiana também abunda por aquelas paragens. Não têm mais de 20 colmeias, como a grande maioria dos apicultores da região e fazem parte de uma Federação/Sindicato de Apicultores, “Le Rucher des Allobroges – Syndicat d’ Apiculture de la Savoie” Fundada em Albertville em 1893. Da qual me ofereceram uma revista de periodicidade trimestral, que me pareceu excelente em conteúdos.

http://rucher-des-allobroges.com

Conversa puxa conversa e acabamos por provar o mel da sua produção. Dois lotes de locais distintos, ambos de Mel de Montanha, sinónimo do nosso Multifloral dada a não dominância de nenhuma floração a essa altitude (acima dos 1000 metros).
Ambas as amostras, se encontravam cristalizadas (o que nem sempre sucede, como nos contaram) mas com uma excelente cristalização e melhores ainda de sabor. Confirmou-nos que nesta fase todo o mel estava vendido nos produtores, principalmente o de montanha: o mel preferido dos consumidores, como nos disse um apicultor profissional dias depois.

As embalagens de mel, em plástico, com 0,5 e 1 kg, tinham a denominação de venda “Miel de Savoie”, eram disponibilizadas aos pequenos apicultores pela referida associação, detentora da marca e vendidas pelo apicultor a 10,00€/Kg. Ficou muito admirado quando lhe expliquei que vendia o meu mel de Lavandula selvagem (Rosmaninho) a 5,00€/Kg…
Voltando à “Le Rucher des Allobroges – Syndicat d’ Apiculture de la Savoie” soube que os associados pagavam uma quotização proporcional aos efectivos: 0,57€/colmeia/ano, mais… (agora a grande novidade): 0,65€/colmeia/ano para um seguro! Seguro esse que reembolsa o apicultor dos prejuízos em caso de destruição das colmeias/colónias pelo fogo, intempéries, estragos causados por animais, pesticidas, etc. Apenas a mortalidade por doença não está contemplada.
Ainda falamos sobre os apiários tradicionais onde o Sr. Berard me referiu que a protecção das colmeias era importante mas as colónias sobreviviam sem isso, prova era as colmeias que tinha lá fora. Ficou muito admirado com as duas ou três crestas que se podem fazer na minha região graças à transumância.
Despedimo-nos de Mr. e Mme. Berard e ainda demos a volta por Jarrier, onde encontramos mais um apiário no centro da vila, junto à Câmara Municipal:

Para despedida deste dia apícola, ainda passamos no “velho apiário aportuguesado” em Les Bottiéres para fotografar em pormenor duas colmeias, entre as quais a que me pareceu uma criadeira de rainhas:

Reparem no pormenor das dobradiças que prendem o tampo: será que estas colmeias não podem levar alças?

2 comentários:

octávio disse...

Magnífico relato. Maravilhosos "postais ilustrados".
E assim ficamos a saber que nos "confins do mundo" se produz mel em rudes condições para a existência de abelhas. Mas elas lá existem, produzem e o mel é rápidamente escoado. Mas realmente Amigo Pifano, será que a produção é razoável, isto é, a dúvida que suscitou também me parece pertinente; onde é que as colmeias (pelo menos as mais tradicionais) comportam alças?
A produção é essencialmente de mel? ou também de pólen, propólis e geleia real?
Um Abraço e parabéns pelo excelente trabalho.

Alien disse...

Caro amigo Octávio,

Pelo que me pareceu, as colmeias com dobradiças no tampo, são as que se deverão destinar à criação de rainhas, visto que se encontravam junto aos nucléolos que fotografei no outro dia. Repare que uma até tem duas entradas distintas, semelhante às colmeias alemãs que o Sr. Vicente Furtado usa para esse efeito. Infelizmente não consegui falar com o respectivo proprietário, pois não o encontrei.

Quanto às produções, apenas retiram o mel, salvo um apicultor profissional (a publicar no Montedomel nos Alpes IV ... isto nunca mais acaba :-) )que produz geleia real.

A produtividade por colmeia (tal como os preços/Kg, que soube porque vi as estiquetas) não me senti muito à vontade em tocar nesses assuntos (apesar da curiosidade).
Como sabe,(e isto é válido para os portugueses) qualquer pergunta enunciada por terceiros, que permita tirar ilações acerca dos nossos rendimentos deixa-nos sempre pouco à vontade... mercê de um sistema fiscal e financeiro "demasiado justo"... será que os franceses também pensam assim??? daí eu ter deixado essas questões para a imaginação de cada um, e para a minha...

Um grande Abraço,
JPifano