Mais um dia de passeio pelos Alpes Franceses, desta vez seleccionamos uma região mais plana. A vila de Argentine situa-se num vale entre duas cadeias montanhosas, onde abundam os prados verdes, e alguma agricultura muito bem cuidada.
A cada curva surgiam-nos pequenas parcelas verdes, rodeadas de árvores e com meia dúzia de vacas ou cavalos na pastagem. Para não falar das galinhas, coelhos, gatos e …abelhas, entre muitos outros adereços que compõem as paisagens rurais.
Não foi preciso andar muito para que o meu olho clínico (ou será viciado?) tivesse vislumbrado naquela pintura muito bucólica a “característica – fila – de – caixinhas – coloridas”…
Mas como íamos com outro destino memorizei mentalmente o local, para aí regressar mais tarde.
O que mais me chamou a atenção, sendo fácil reconhecer o local por isso, foi a presença de um imenso celeiro, ou casa agrícola, totalmente construída em chapas de metal onduladas. Longe do mau aspecto que estes materiais costumam conferir aos bairros de lata, esta “cabana” de zinco, matizada por manchas com diversos graus de oxidação, enquadrava-se perfeitamente na paisagem.
Junto àquela e sob um alpendre construído com os mesmos materiais, lá se encontravam umas quantas colmeias que apesar de velhas estavam em muito bom estado e sobretudo com muita população.
Foram as primeiras colónias activas que encontrei por estas paragens. O fluxo de abelhas carregadas de pólen devia-se decerto à baixa altitude a que hoje nos encontrávamos, pois nos dias anteriores e em alta montanha não se via qualquer movimento.
Nova tentativa para conhecer outro apicultor e com ele trocar dois dedos de conversa, mas como já vai sendo hábito: encontrava-se ausente. “Pode ir ver as colmeias e fotografar à vontade” assim me aconselhou a mesma vizinha que me informara da ausência do proprietário. Era o que eu queria ouvir para invadir o prado de trevo e me abeirar das colmeias.
Detive-me logo à entrada da pequena propriedade, onde uma torneira propositadamente aberta pingava para dentro de um alguidar e salpicava a erva onde dúzias de abelhas matavam a sede:
Logo à primeira vista se percebeu, pelas cores dos insectos, que nesta região o pool genético deve ser bastante rico, atendendo à quantidade de híbridos existentes. Decerto cruzamentos entre a abelha negra europeia com a ligustica e ou a carnica:
Junto ao apiário confirmei finalmente que a “criatividade” dos apicultores portugueses, que tantas vezes me diverte, é uma característica muito mais ubíqua do que eu imaginava. Tenho visto centenas de estratégias para protecção das abelhas contra as intempéries, para lá das colmeias, mas o que se me deparou a seguir foi mesmo inédito:
Apesar de estarmos num vale a baixa altitude, apesar do local e da exposição abrigados, apesar do telheiro de zinco… as colmeias embrulhadas em serapilheira. Fez-me lembrar as idosas na minha terra com os xailes às costas ou a cobrir a cabeça!
Fiquei tão absorto com tais “casacos” para as colmeias, que por pouco não levei uma daquelas ferradelas de boas vindas com que os nossos bichinhos tanto gostam de nos brindar…
De qualquer forma tratava-se de um óptimo apiário, muito bem cuidado, com as colmeias “abafadinhas” e em cima de estrados. Dava gosto ver e ouvir aquela multidão no característico vaivém carregadas de pólen.
Do lado oposto do apiário nova surpresa, desta vez nada de inédito, coisa que os meus compatriotas muito gostam de fazer: Colmeias no interior da casa com acesso ao exterior por uma abertura na parede.
Decerto que nesta região o Inverno seja mesmo muito rigoroso. Todas as protecções que visem isolar as colónias da intempérie se devem justificar a qualquer custo.
Abandonamos o local na ânsia de novas descobertas e estas não se fizeram rogadas. Logo ali muito perto encontrei outro apiário ao fundo de um prado, infelizmente não me pude aproximar o suficiente para lhe captar os pormenores.
Fica no entanto a ideia que a nossa legislação para o ordenamento apícola aqui perde todo o sentido. Pelo menos no que se refere à proximidade das habitações de terceiros.
E devo dizer muito mais: o orgulho notório e muito sentido que os vizinhos dos apicultores locais demonstram por estes. Apercebi-me disso não só com a mulher que me informou da ausência daquele apicultor, como no vizinho do apicultor de Jarrier ou na queijaria onde procurei informações e em muitos outros locais.
As pessoas aqui quase que veneram os “abelheiros” e falam deles com um carinho como se se tratassem de figuras imprescindíveis na sociedade, que o são de facto, mas é tão raro ver-se tal reconhecimento…
Detesto viajar com aquele sentimento de regressar um dia com uma listagem de aspectos em que os outros são melhores que portugueses, nunca o faço, mas marcou-me toda aquela “atmosfera” em volta dos apicultores e das abelhas.
Nesse momento ocorreu-me uma famosa cresta em que fiz a extracção na casa dos meus pais e me esqueci de isolar a divisão onde armazenei as alças…
Nessa tarde e apesar de ser a primeira vez que via os meus vizinhos nesse dia quase que não houve feed back aos meus cumprimentos. E nada o justificava pois alguns andavam com um olho ou com a face inchadas, outros um braço ou uma mão, mas todos apresentavam as orelhas intactas…
Mais à frente e em plena povoação, uma colmeia espreitava alegremente empoleirada numa varanda. Pena que não tivesse abelhas, ou pelo menos não as vi entrar ou sair:
De novo no campo e outra modalidade de apiário (no primeiro andar) nos maravilhava à nossa passagem. Mais uma vez só tive acesso ao vizinho que com um sorriso de orelha a orelha se me desculpava que o apicultor até estava em casa, mas desta vez eram as abelhas as ausentes…
Apesar da ausência das abelhas, os serviços de polinização estavam garantidos:
Para terminar a estadia em Argentine, uma visita ao Musée du Félicien, onde um idoso virtual nos mostra os rigores da vida na Sabóia francesa ao longo das estações e na primeira metade do século passado. Apesar de não ouvir qualquer referência à apicultura tradicional da região (ou a minha acuidade auditiva para o francês me prega destas partidas) valeu bem a pena. Foi muito curioso poder comparar tais tradições com a cultura portuguesa desses tempos.
Um agradecimento especial à responsável pelo Museu do Félicien pela simpatia e por nos ter marcado o encontro com um apicultor profissional ainda para essa tarde.
16 abril, 2010
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3 comentários:
Epahh... já a bastante tempo que por aqui não vinha, e realmente as imagens são características do bom gosto de quem as tirou, tinhas razão ao telefone quando estavas (babado) a contar o regresso :)
Tenho finalmente a resposta à tua colmeia SCP
http://ferradela.blogspot.com/2010/04/colmeia-slb.html
Abraço
Ferradela
Muitos parabens por este bloog, trabalho e gosto pelas abelhas.
Esta "nossa" viagem está a ser interessantíssima!
Mais uma vez; muitos parabéns aos responsáveis por tão excelente produção.
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