23 agosto, 2010

Transumância - Verão 2010

Acabou-se o girassol.
Que saudades do tempo em que a PAC e a OMC pouco ou nada influenciavam a nossa agricultura. Um tempo em que cada agricultor semeava o que queria ou pelo menos o que lhe desse melhores possibilidades de produção, respeitando obviamente a rotatividade e a aptidão dos terrenos.
Com esta filosofia sempre havia quem produzisse girassol. Mais nuns anos, menos noutros, mas sempre havia qualquer coisa que garantisse o sustento das abelhas (e apicultores) durante o Verão.
Há cinco ou seis anos atrás, com o fim do “giracídio”, a ausência de incentivos comunitários levou ao fim desta cultura que tanto embelezava os campos. Recordo-me do primeiro Verão sem girassol, em que um agricultor teve a feliz (ou infeliz) ideia de usar algum resto de semente que tinha em armazém e semeou meio hectare. Passei por lá para fotografar as abelhas e cheguei a encontrar mais de uma dezena na mesma flor, “trinta cães a um osso” como se diz na minha terra…
Pouco depois, com a subida do preço dos combustíveis e a alternativa do bio-diesel, nova corrida ao girassol, já sobravam flores para as abelhas. Os combustíveis voltam a baixar (ou não…), o ano passado ainda houve algum girasso mas este ano: nem para fazer uma mezinha…

Em finais de Junho com as elevadas temperaturas:

- Aumenta o perigo de incêndio nas zonas de mato (apiários de Primavera)
- Secam os regatos onde as abelhas bebem
- Riscos da cera derreter e destruir as colónias
- Ausência de qualquer floração para sustento das abelhas…

Acabamos por decidir-nos pela transumância para locais mais próprios para o Verão, sem flora de confiança no destino, mas as alternativas não são muitas. Na realidade até há o cardo e a melada de azinho, mas o girassol dar-nos-ia muito mais garantias.

Uma confissão: o “clique” que este ano me fez “colocar as colmeias às costas” e partir para outro lugar, teve sobretudo a ver com o mau estar que eu próprio sentia com as altas temperaturas. Apesar de ter acesso a variadíssimas formas de me refrescar, a consciência picava-me mais que as abelhas: não suportava imaginá-las sob o Sol escaldante numa apertada e superpovoada caixa de madeira com tecto de chapa…
Graças a um pastor e a um proprietário agrícola amigos, ambos apicultores, consegui um espaço à sombra (quase 24 horas por dia) e junto a um pequeno charco com água de nascente.

Fotografia anterior: tirada ao meio dia, com todas as colmeias à sombra.

Trata-se de um local muito curioso, essencialmente calcário e em cujo subsolo decerto deve passar um caudaloso rio subterrâneo, dada a facilidade e a quantidade com que a água surge à superfície.O tom azul-esverdeado da água é um garante da sua pureza e frescura.
O Sr. Francisco, o pastor, garantiu-me que nas horas de mais calor via uma nuvem de abelhas a pairar sobre o charco. Mais acima era outra nuvem, esta de abelharucos, que aproveitavam para "tirar um petisco..."

E as abelhas parecem corresponder à oportunidade que lhes é oferecida para fazer face ao rigoroso Verão de 2010:

As abelhas quase nunca bebem directamente na água, fazem-no sim sugando a "humidade" na areia ou na lama, mas o calcário ensopado também serve perfeitamente esse propósito. Com mais uma vantagem: o contraste do solo branco é óptimo para fotografar as abelhas que matam a sede...

Cuidado…!!!

Decididamente a transumância e o próprio maneio apícola ficam mais fáceis à noite, principalmente no Verão: as abelhas mais calmas e as temperaturas mais baixas permitem-nos fazer qualquer tarefa.
Este ano a diversão foi tal que o jantar ocorreu às 2:30 horas da madrugada, grãos com bacalhau e um vinho tinto da região. Estímulo que nos levou a colocar as alças em todas as colmeias quando já passava bem das 3:00 horas…

Não é comum abrirmos colmeias com a Lua no firmamento, mas lá que é divertido isso é! As abelhas voam menos, caminham mais, sobem-nos pelos pés, pernas e… dói que se farta!

Estou a pensar seriamente em partilhar toda esta diversão com os visitantes do montedomel, pelo que os interessados ficam desde já convidados para o regresso das colmeias aos apiários de Inverno/Primavera, o que deverá ocorrer lá para finais de Setembro ou princípios de Outubro.

Ainda assim, continuo a sentir muito a falta do girassol na região. Decerto que este ano as produções vão ficar muito aquém do habitual. Devo no entanto dizer acerca desta cultura que este ano “são poucos mas bons” ou não fosse ter encontrado o seguinte exemplar num jardim em Avis que até já foi notícia num jornal da região:

Fenómeno
Girassol gigante cresceu em Avis


Não é a primeira vez que damos notícia de alguns fenómenos que fariam corar os habitantes do Entroncamento, a terra dos fenómenos. Primeiro uma couve. Seguiu-se uma abóbora e agora é a vez de um girassol que nasceu e cresceu num quintal, em pleno aglomerado urbano na freguesia de Avis, a merecer honras de destaque. O senhor Silva é o obreiro de ter feito crescer um girassol, que chegou aos 5,30m de altura. Um grão que foi tirado ao jantar das caturras torna-se assunto de jornal, depois de ter sido motivo de conversa entre a família e os vizinhos. Num intervalo de três dias o girassol - que segundo a wikipédia foi domesticado pelo homem por volta de 1000 anos a.C e pode atingir os 3 metros – «cresceu cerca de 40 cm». Ainda segundo este sítio na internet, «na Hungria, acredita-se que a semente do girassol cura infertilidade, e sementes colocadas na beira da janela, em uma casa onde exista uma mulher grávida, o filho será homem». O filho do senhor Silva, Hélio Silva, surpreendido com altura do Helianthus annuus pesquisou na internet e encontrou «uma situação semelhante, numa notícia de um girassol com 5,20 metros». Temos fenómeno.

Cortesia: Jornal A Ponte, Agosto de 2010, João L. Ruivo

15 comentários:

octávio disse...

Que magníficas imagens a evidenciar um bucólico cenário, até para fazer um pic-nic. Mas um pic-nic às 03.00 da madrugada, confesso que nunca fiz.

Partilho o mesmo sentimento, isto é, a desertificação do espaço rural, quer das plantas, quer das pessoas.

Na verdade, a confirmar tudo isto, esteve o modo como ouvi as notícias dos incêndios nos noticiários; só ardia mato!!!!!

Então as oliveiras, as amendoeiras, as figueiras, as videiras, as hortas, as cearas, ou os rolheiros das mesmas e palhais?

Já nada disso existe....

Eucaliptos e moinhos geradores de energia, compõem a paisagem actual.

Felizmente que há oasis desses. Até um sobreiro em que lhe tiraram a cortiça a embelezar a foto. Será que irá sobreviver por muito mais tempo?

Mas as colmeias também estão muito bonitas; como eu gosto, pintadinhas e de cores diversas. Tenho a certeza que as nossas abelhinhas, ficam felizes e mais produtivas.

Quanto ao convite, Obrigado. É só uma questão de agenda para todos e sou bom a comer o grão e beber esse vinho maravilhoso que sobe mais depressa do que desce!

Com estes dotes, mesmo assim serei aceite?

Alien disse...

Caro amigo Octávio,

Mais que aceite: desejado!
Já sabes que será um prazer contar com a vossa companhia para mais um episódio de transumância nocturna e se a única "habilidade" for mesmo para o bacalhau com grãos, já te sobram as qualificações para o serviço...

abraços
Pifano

Francisco Rogão disse...

Boa noite Pifano

A transumância se for bem combinada tambem posso participar, tanto pela transumância como pela "diversão" de jantar ás 3 da manhã ( um caso a estudar )

Luis Manso disse...

Não diria propriamente um jantar mas...uma bela ceia...

octávio disse...

Bom dia!

Caro Joaquim,

Com essa descrição tão interessante, só me apetece dizer "Adeus Mundo".

Há algum terreno assim, por aí à venda?

Confesso que nessas condições não voltaria, mais, à dita civilização.

Alien disse...

Octávio,

Tu sabes que sim, com 4,5 ha, um lago e uma casa chamada... montedomel! :-)

Abraços

AnaPCarvalho disse...

Até eu estou com vontade de carregar caixas pela noite dentro!

Fiquei curiosa e fui pesquisar o noitibo e vi fotos do passarinho e não me importo de o encontrar no "mato" , agora raposas e bichos de maior porte já é mais complicado, perdi o habito dos bichos selvagens!

mas contem comigo para o tansporte das nossas meninas abelhinhas.

PS não me canso de ler o Monte do Mel e as descrições e a maneira de escrever é como se estivesse a conversar com o autor do blog! Obrigado pela partilha!

Dois beijinhos para o Monte do Mel

Ana

Alien disse...

(Sem querer apaguei o meu próprio comentário, pelo que vou tentar reproduzir o que tinha escrito… mais coisa menos coisa)

Caros Francisco e Luís,

Nada mais nos liberta da “escravidão” dos horários que a possibilidade de ingerirmos uma refeição às três horas da madrugada…

Pessoalmente, acho a transumância uma das actividades apícolas mais relaxantes, sobretudo quando corre bem. À hora que se processa, nos montados de sobro e azinho do Alentejo, a vegetação liberta aromas muito próprios, só possíveis de apreciar nessas circunstâncias.
Nas noites de luar, e para quem aprecie, é a oportunidade ideal para nos cruzarmos com uma série de animais noctívagos: coelhos, lebres, javalis, raposas, mochos e corujas. Numa dessas noites até assustei um “noitibó”, há muito que não via tal criatura. Penso que se trata de uma rapina nocturna que se encontra frequentemente nos caminhos de terra batida e que irrompe num voo rápido e vertical quando nos aproximamos.
Há ainda os sons da noite, o piar lúgubre do mocho, o coaxar à desgarrada das rãs e sapos no charco, uma coruja das torres que passa num voo rasante, os insectos que se aproximam dos faróis do carro, o clarão dos foguetes numa festa de aldeia, um “amigalhaço” retardatário que regressa com os copos e nos detém na estrada para uma conversa sempre “interessante”…
No dia seguinte continua a diversão: a visão de milhares de abelhas a voar em círculos na exploração do novo local são para mim um acontecimento único. Também aprecio a produção, mas o sentimento de que uma simples decisão faz com que milhões de novas flores possam ser polinizadas, produzir sementes e com isso garantir uma nova geração, não tem igual!

Serei exagerado se considerar a apicultura (complementada com a transumância) uma das mais nobres manifestações de cidadania ???

Abraços,
Joaquim Pifano

AnaPCarvalho disse...

Esta perfeito! boa memória! Beijinhos

Abelha Preguiçosa disse...

É preciso ser bem burro para não aceitar um convite para uma experiência como a descrita acima!

octávio disse...

Congratulo-me de ver a Abelha Preguiçosa no enxame dos "ajudas".

Que grupo!!!! Como diz o outro "....quantas caixas são, quantas são, quantas são..."

E pelo "adivinho popular" do António Sérgio "Chuva em Agosto dá mel e mosto".....................

Anónimo disse...

LOL Vejo que tens uma colónia Sportinguista.

Mas este ano o que está a dar é Sportingue de Braga.

Quanto ao convite, se estiver por ai tens de certeza a minha presença.

Um Abraço
P. Ventura

Alien disse...

Olá Paulo Ventura,

de facto essa colmeia foi pintada assim de propósito, fez uma excelente Primavera e cheguei a pensar que faria um "figurão" até ao Natal, como o Sporting original, mas ainda nem acabou o Verão e já essa colónia está a hibernar... ;-)
Gostaria meuito de contar contigo para o "Bacalhau a la teransumância"...

abraços
Pifano

Anónimo disse...

Ola,
Combinem la isso, tambem quero ir.
E levo tambem as minhas abelhinhas para essa magnifica paisagem!
Abraço,
Ricardo Jesus

Anónimo disse...

Ola,
Combinem la isso, tambem quero ir.
E levo tambem as minhas abelhinhas para essa magnifica paisagem!
Abraço,
Ricardo Jesus