22 setembro, 2010

Electrocutor de… abelhas?!!

Na alínea a) do artigo (definições) do Decreto Lei nº 203/2005 de 25 de Novembro, que estabelece o regime jurídico para a actividade apícola e as normas sanitárias para defesa contra as doenças das abelhas, pode ler-se:
a) «Abelha» o indivíduo de espécie produtora de mel pertencente ao género Apis sp., designadamente os da espécie Apis mellifera;

Da leitura atenta deste decreto inferimos a importância que tais insectos representam para o sector apícola, para a economia, sociedade, ambiente… ou não se justificaria legislar com tanto afinco e pormenor para os proteger.
Mesmo sem ler o dito decreto, há anos e até séculos que o género humano, espécie Homo sapiens sapiens, reconhece a importância da Apis mellifera. Principalmente aqueles que delas tratam e aguentam estoicamente as ferroadas para sustentar a vida.
Gastam fortunas para as criarem, compram equipamentos cada vez mais caros, fazem contas ao combustível, adquirem medicamentos de luxo pouco eficazes e… mais estoicamente ainda com que os apicultores suportam as picadas: as abelhas lá vão sobrevivendo.
Chega o dia da cresta, convidam-se os amigos, levam-se as alças para a melaria e… qual balde de água fria, murro no estômago ou ingratidão total: ignoramos a definição de abelha que o legislador transferiu para o referido artigo. De “indivíduo da espécie produtora de mel…” passa a insecto indesejável a eliminar das instalações.

Segundo o “Manual de Boas Práticas na Produção de Mel” e a restante legislação sobre o assunto, “As portas exteriores (…) na parte superior deve ser colocado um dispositivo electrocutor de insectos”. Basicamente uma cadeira eléctrica para abelhas, pior ainda, na cadeira eléctrica morreriam numa posição confortável…
É de todo desejável evitar o contacto de moscas com o mel, transportam bactérias e outros agentes infecciosos.
Mas uma melaria atrai sobretudo: Abelhas, os mesmos insectos que colectaram o néctar, o desidrataram e transformaram em mel. Durante estas etapas as abelhas sugaram o néctar através da língua, transportaram-na numa cavidade digestiva especializada: o saco do mel onde lhe adicionaram enzimas, depositaram-na nos alvéolos de cera, voltaram a colocá-lo na língua onde o partilharam com outras abelhas, com isso retiraram-lhe o excesso de humidade de modo a poder ser armazenado sob a forma de mel.

E agora electrocutamo-las só porque entraram na melaria ?!!!

Recentemente, numa visita a uma das maiores melarias do Alentejo, em Moura, deparou-se-me um quadro (de facto havia lá mesmo um quadro) pouco comum: centenas de abelhas subiam pelo vidro da janela da melaria.

Confrontei a proprietária com tal situação, onde ela se justificou com a aversão que tinham ao electrocutor de insectos. “Não faz qualquer sentido, primeiro precisamos das abelhas para produzirem o mel, e agora vamos matá-las?”

Não pude deixar de concordar, uma olhada rápida pelas portas bastou para perceber que faltavam os ditos electrodomésticos suspensos que tanto animam as noites nos cafés da província: “Olha, esta era de raça, ia mandando com a instalação eléctrica abaixo…”, “ e esta? Dava para beber um copo de vinho…”
Aqui a situação era muito diferente. Quadros com cera “puxada”, colocados estrategicamente nas janelas, colectavam as abelhas invasoras. O princípio era simples e a execução melhor ainda: as abelhas atraídas pela luz exterior pousavam nos vidros passando depois para os quadros.

Ao fim do dia os quadros repletos de abelhas são transferidos para uma colmeia colocada no exterior. Outros quadros (de mel) que porventura trouxessem ovos ou larvas são igualmente colocados na mesma colmeia onde acabam por originar uma rainha.
Todos os anos conseguimos salvar quatro ou cinco colónias com este método” confidenciou-me a apicultora, caso contrário acabavam “fritas” com a descarga eléctrica…
Parece mais uma “poesia apícola”, mas tal facto remete-me para outro escrito que fiz em tempos onde comparava a legislação das melarias a uma colagem sem imaginação. Tal como o insectocutor, infelizmente, muitos são os pormenores em que a falta de sensibilidade de quem legisla compromete e até inviabiliza o melhor dos projectos.

6 comentários:

octávio disse...

Li tal absurdo!!!!

Considerando que, vivemos em sociedade. São as regras (normas) feitas pelo legislador, com poderes para o acto e depois de seguidos os trâmites processuais, que devemos obedecer, enquanto cidadãos.

Ora, da leitura atenta da legislação em vigor, quer nacional, quer os Regulamentos da UE, para a actividade apícola, não encontrei tal absurdo.

Querem, por favor a ajudar-me a encontrar?

Das duas uma, ou esse absurdo legislativo existe ou, alguém, decidiu fazer interpretação "inventiva", tipo de interpretação que não é legalmente permitida na nossa ordem jurídica.

Um Abraço

Anónimo disse...

Há uma coisa que não vem na legislação, que é o "bom senso".
De facto, um electrocutor de insectos até faz sentido numa melaria, contudo, nos dias de extracção em que poderão existir abelhas nas instalações, deveria mandar o "bom senso" que o referido aparelho não estivesse ligado.
Assim a coexistência entre as abelhas e o aparelho é perfeitamente pacífica e cumpre-se a legislação que obriga à existência do aparelho, mas não obriga a número determinado de horas em funcionamento.
Não acham?

André Correia

Alien disse...

Olá André Correia,

Não duvido que apresentou uma boa proposta.
Até porque "creio" que a literatura sobre o assunto omite os períodos de funcionamento do dito aparelho.

A própria possibilidade de contágio do mel por microorganismos patogénicos transportados pelos insectos (moscas), também é muito contestada por alguns profissionais do sector que argumentam com as propriedades bactericidas do mel.
Sendo esta, no entanto, uma "razão" mais discutível. Apesar disso as análises microbiológicas são um custo real para quem tem um estabelecimento licenciado...

Um dos objectivos deste post passa por sensibilizar os apicultores para algumas "subtilezas" da lei, que parecem pouco adaptadas ao sector do mel.
Como exemplo (entre outros) o piso antiderrapante aconselhado para as melarias, com uma textura demasiado rugosa, torna-se um verdadeiro problema para higienizar, nomeadamente quando se tentam remover os restos de cera e de própolis.

E as armadilhas para os ratos? Com planta de localização e dossier, onde uma equipa especializada (e muito bem paga)inscreve e carimba periódicamente a respectiva visita.
Esta é a minha preferida...


Joaquim Pifano

Abelha Preguiçosa disse...

É a eletrocução depois do assalto...
É o insecticidio dentro da colmeia...
O coitado do bicho não tem sossego!

Está bem pensado isso dos quadros!
Abraço
Ricardo

Anónimo disse...

Como tudo na vida, é preciso ter bom senso. Uns têm e utilizam-no sabiamente, outros...
André Correia

Mário disse...

Que caraças, já tinha lido isso algures e nem lhe tinha dado nenhuma atenção, electrocutar as pobres abelhas, depois de um trabalho tão árduo, em prol de umas normas legisladas com regra no bom senso? E que tal em vez de as electrocutar evitarem que as abelhas entrem na melaria? Epah... ao ler estas regras da-me um sinal de regressão no sector, parece que metem os vendedores de electrodomésticos a legislar, o bicho abelha e sempre o sacrificado.

Desanimo com animo.
abraço
Ferradela