01 abril, 2012

Evolução da Apicultura...

Se há assunto sobre o qual detesto escrever é aquele que se segue.

Não é por nenhuma razão especial, apenas o tema me causa algum prurido e detesto divagar acerca de coisas onde não vamos chegar a conclusão nenhuma… ou não. Para todos os efeitos nunca deixaria de o partilhar convosco.

Tudo se passou há cerca de dois meses atrás, aquando da visita a um amigo, descendente e herdeiro de um velho apicultor. Gosto de lá passar, temos por hábito folhear velhos livros e revistas, mexer na sucata antiga: fumigadores, crestadeiras, máscaras… tralha dos tempos pioneiros, coisas do arco da velha, sobre as quais nos dá imenso prazer dissertar.

O espólio é imenso, sempre descobrimos coisas novas, além de um apicultor inveterado o velho era um coleccionador nato. Participava em muitos congressos e encontros de apicultura no estrangeiro de onde regressava carregado de bugigangas. Há quem diga que sublimou avultada herança em tal vício.

Numa dessas tardes de “regressão” apícola, tentava eu tirar um pequeno cortiço do monte de ferro velho quando senti alguma resistência ao desencravá-lo dali. Parecia estar preso a qualquer coisa, o que não faz muito sentido, atendendo à forma cilíndrica da ancestral colmeia.
Com algum cuidado e removendo outros materiais que tinha à volta, consegui libertar o objecto que reproduzo com a máxima fidelidade possível na imagem acima.

É um cortiço, isso eu garanto. Um cortiço com persianas, sim, porque não? Acaso as janelas não as têm também?

Perdoem-me lá, mas este assunto enerva-me, já me desculpei lá atrás. O cortiço não tem persianas, mas aquelas lamelas paralelas unidas por um fio metálico não fazem lembrar outra coisa. Além disso ainda tinha uns quantos apêndices em metal ou madeira, coisas aparentemente disfuncionais, aliás como todo o conjunto.

Uma vez sustidas as gargalhadas entretivemo-nos a disparar palpites acerca da utilidade apícola de tal artefacto. Foram momentos hilariantes e as conclusões eram óbvias: a excentricidade do velho apicultor já nos surpreendera outras vezes, mas isto ultrapassara tudo o que já viramos.

Estávamos nisto quando lá de dentro caiu uma etiqueta, um papel já corroído pelo tempo, ou pelos ratos, onde dificilmente se conseguia ler: “Luxor, Setembro, 1878” entre outros rabiscos indecifráveis. Custou-nos a crer que o dito cortiço fora adquirido no Egipto há mais de um século, mas os diários do velho referiam qualquer coisa nesse sentido, uma feira de antiguidades ou algo do género.

Por mais voltas que déssemos à cabeça não saiu nada que ajudasse a clarificar tal descoberta. Mesmo os impagáveis préstimos de um arqueólogo amigo pouco ou nada ajudaram.

Porque não tirei fotografias? Desapareceu misteriosamente, subtraíram-no do armazém do meu amigo dias antes de eu lá ir com a máquina fotográfica, ainda hoje o lamento.

Porque razão alguém se deu ao incómodo de roubar um cortiço velho? Ainda por cima com o aspecto daquele a que me refiro? Continuem a ler o relato e vão perceber tudo.

Foi então que numa das minhas raras noites de ócio, enquanto me entretinha a explorar o software do computador, ok, ok, enquanto o ligava e desligava pela vigésima oitava vez para o tentar desbloquear, que me ocorreu experimentar uma determinada aplicação do Corel Draw.
Um aplicativo que muito me ajuda nas imagens e esquemas do montedomel: o “Interactive Blend Tool” que nos apresenta uma sequência evolutiva entre duas figuras, objectos, etc, que sujeitemos a essa função:

Ex:

Resolvi sujeitar um cortiço e uma colmeia a essa função, surgiu a sequência evolutiva que vai do cortiço à colmeia e… maravilhem-se: o dito objecto egípcio surgiu-me na sequência, precisamente a quarta figura.

Se acompanharam o meu raciocínio, o velho apicultor comprara um elo perdido da cadeia evolutiva entre o cortiço e a colmeia de quadros móveis. Qual criação de Langstrooth qual nada, Charles Darwin já tinha previsto tudo e nem por isso era apicultor.

As modernas colmeias sofreram um processo evolutivo igual ao de qualquer ser vivo, a selecção natural substituiu a cortiça e os pregos de esteva por madeira e arames, e o meu amigo herdara um Neanderthal das colmeias!!!

Deliciem-se com as subtilezas de tal filogenia: quem nos havia de dizer que o tampo de zinco da caixa de quadros móveis teve a sua origem não no tampo do cortiço, mas precisamente nos três orifícios da entrada rudimentar?

Comprovem vocês mesmo na sequência evolutiva, eu não estou aqui para enganar ninguém:

E ainda dizem que as teorias gradualistas são pouco válidas pela não funcionalidade de alguns elos, lixem-se os saltacionistas, funcional ou não esta porcaria existiu e decerto que a transição esquematizada se há-de ter feito representar por todos os componentes.

Gosto de imaginar as épocas remotas em que bandos de “cortiços de persiana” pulavam felizes atrás dos enxames de abelhas. Teriam os veda luz algum efeito dissuasor sobre os inimigos das abelhas?

E o Programa Apícola Nacional da Pré-história?
Seria assim tão diferente do actual?

E este?

Faz-me lembrar uma piada antiga acerca de um benfiquista que foi ao médico com um sapo sobre a cabeça, mas que o pudor me impede de aqui reproduzir.
Agora a sério, é sim senhor, é mesmo do Homo sapiens destructor que se trata, ora veja lá:

É mais uma evolução possível no Misterioso Mundo do Montedomel. Mas teria a sua graça, se assim fosse, hoje teríamos resistências para todas as charlatanices que trazíamos da farmácia e decerto que vivíamos mais felizes.

Já as hipóteses seguintes são de todo impossíveis, mas há amigos meus que têm equipamentos de inspecção de colmeias muito semelhantes. No entanto devemos tirar ilações curiosas: não podemos confiar muito nos cortiços. Se há bocado os orifícios da entrada evoluíam para o tampo de zinco, agora ficam-se por uma simples luva de cabedal com manguito.

Já a tábua de voo da colmeia me fez temer o pior, só me faltava um fato de macaco com a braguilha aberta, mas acabou no dedo médio que não estando isento de pecado é por definição mais tolerável… ouço dizer…

O fumigador não foi decerto um antepassado do cortiço, pelo menos quando apagado. Reparem na hipótese “em combustão”, como a fumaça se materializa em sovinos de esteva que unem os bordos do caneiro de cortiça.

A evolução das espécies é uma teoria muito versátil, sobretudo quando aplicada à apicultura.
Ora vejam lá se adivinham a próxima:

3 comentários:

Osvaldo disse...

Boas
Estava eu a ler esta estrondosa descoberta e ao mesmo tempo estava- me a lembrar do que tinha visto há uns meses num museu aqui em Mértola. Esse objecto foi encontrado na Igreja de Mértola, que foi das poucas obras arquitectónicas árabes construída durante a sua ocupação e que não foi destruída, mas sim "adaptada".
Nunca ninguém conseguiu perceber do que se tratava, nem para o que servia. Está exposto com a informação de um grande ? e penso que tu conseguiste descobrir. De facto é idêntico à 2ª imagem a mais parecida com o cortiço.
Amanhã vou tirar uma foto do tal objecto e envio para o teu mail para que a possas divulgar.
abraço

Alien disse...

Obrigado Osvaldo,

é que isto de publicar descobertas importantes ao dia de hoje é sempre uma tarefa ingrata.
Ainda bem que conheces e partilhas conhecimentos complementares ao que aqui se divulga.
Aguardo as fotos

abraços

Pifano

Pedro Rocha disse...

Amigo Pifano
já me tinha esquecido de como és um rei na imaginação.