27 janeiro, 2014

Voando Sobre um Ninho de Abelharucos


Dos atrasos crónicos e galopantes que sempre afectaram o programa apícola nacional…

Perto do fim do ano de 2013 a ADERAVIS voltou a questionar pela enésima vez as entidades gestoras do Programa Apícola Nacional, acerca do atraso na publicação do respectivo Despacho Normativo e evidentemente sobre o período de apresentação das candidaturas.

Desta vez, surpreendentemente, responderam-nos com uma missiva longa onde se procuravam justificar os atrasos com as alegadas melhorias que neste novo diploma marcariam a diferença.

Chega a transparecer alguma boa vontade, no meio de toda aquela retórica e desculpas que já conhecíamos. Eis senão quando a dada altura nos deparamos com esta pérola, um parágrafo que de tão insólito chega a parecer surreal:

 “Salientamos que esta situação não é inédita, pois nos Programas anteriores, as datas da apresentação das candidaturas no ano inicial do programa foram: 19 de Abril de 2008 (PAN 2008 – 2010) e 24 de Novembro de 2010 (PAN 2010 – 2013), ambas após o início das respectivas campanhas (1 de Setembro de 2007 e de 2009, respectivamente), pelo que o presente programa está a seguir um calendário adequado à necessidade de preparação e definição quer de medidas quer de operacionalização, que procura sempre melhorar o que sucedeu no programa anterior, que vai promover uma profunda alteração do modelo de gestão, que irá certamente simplificar e agilizar a sua aplicação aos beneficiários, e que mesmo assim está em prazos muito de acordo com o que se registou em programas anteriores.

Tal argumentação (que chega a ser hilariante senão ridícula) não só assume a irresponsabilidade por mais um vergonhoso atraso, com todas as consequências que dele advêm, como ainda faz gala em as acentuar. Apelar à nossa tranquilidade pelo facto destes atrasos não serem inéditos é o equivalente tragicómico de uma criança que chega a casa tranquilizando o encarregado de educação com mais uma negativa a matemática porque até já está chumbado a português e foi expulso da disciplina de história.

E com isto estavam “abertas as hostilidades” para mais um programa apícola enviesado, cujo conteúdo mais uma vez parece feito à medida de determinados grupos e entidades. O refinamento face aos diplomas anteriores é de tal ordem que são cada vez menos as associações, apicultores e técnicos satisfeitos com o resultado.

Das avantajadas colheitas na árvore das patacas em Bruxelas à devolução forçada via troika…

2.444.044 Euros destinados à apicultura nacional para 2014, 7.330.038 Euros para o triénio, números equivalentes nos anos anteriores. Mais umas quantas dezenas de milhões de euros para os projectos apícolas do ProDer, entre prémios de instalação e subvenções na aquisição de equipamentos. Noutros tempos eram os projectos Agris e Agros que também financiaram este sector. Somam-se as centenas (milhares?) de formações de apicultura, apoios pontuais ao sector e tantas outras ajudas.

Se perguntarem a um europeu do Norte ele jurará a pés juntos que os apicultores portugueses utilizam colmeias em ouro, e que a curto prazo Portugal irá inundar os mercados internacionais com o melhor mel do mundo. Se visitarmos as explorações e atendermos às estatísticas, à profissionalização do sector, às médias de produção, exportações, etc, a realidade é bem diferente.

Quem beneficia afinal com esta árvore das patacas plantada em Bruxelas?

Da burocracia, legitimidade e confiança entre as entidades oficiais e associações de apicultores…

Por imposição do PAN, todos os anos as associações de apicultores reúnem em Assembleia Geral para darem à respectiva Direcção o aval para que efectuem as candidaturas ao referido programa. Lembro que a Assembleia Geral, enquanto órgão deliberativo democraticamente eleito tem toda a legitimidade para tais decisões. Neste ano de 2014, ou tal legitimidade foi diminuída ou o nível de confiança das entidades gestoras do PAN nas associações de apicultores sofreu novo abalo: todos os apicultores devem assinar uma declaração pessoal a dar o aval à realização da candidatura ao PAN, uma para a assistência técnica e outra para o medicamento. O mesmo aval que já tinham dado colectivamente em Assembleia Geral.

Eu não quero ser exagerado mas acredito que a curto prazo (até porque já não há muito mais para dificultar e complicar) essa declaração deverá ser acompanhada de um relatório de avaliação mental, prova de vida e registo criminal do apicultor, tal não é a desconfiança de que somos alvos.

Devo lembrar que no dia das eleições, com uma cruz singela num papel, avalizamos e legitimamos um chefe de governo, ministros, secretários de estado, chefes de gabinete, directores gerais, directores regionais, chefes de serviço, chefes de secção, acessores, secretários, motoristas e todo um rol de sugadores de fundos sem exigir sequer uma vulgar cópia de um Bilhete de Identidade.

Talvez seja pela nossa tamanha ingenuidade e demais provas de insensatez que essas mesmas entidades tutelares procurem certificar-se das nossas boas intenções e propósitos…

E isto dava um belo fim à história, mas há mais, na apicultura infelizmente há sempre mais:

Da harmonia, boa vizinhança, espírito de corpo e demais solidariedades entre associações…

No actual Programa Apícola foi introduzido um pormenor digno de louvor: a preocupação de só atribuir um segundo técnico a uma associação quando todas as outras já tivessem um. Há muito que ansiávamos por esta regra, sobretudo as associações pequenas, fazendo tal todo o sentido.

Mas a emenda parece estar a ser muito pior que o soneto, tal medida pouco mais está a conseguir que algumas das associações “politécnicas” enveredassem por autênticos raides de assédio aos apicultores não associados (que até ver têm esse direito) e como se não bastasse, também aos associados noutras organizações. Já vários apicultores se nos queixaram deste novo fenómeno. Já ouvimos inclusivamente falar em ameaças, coacções, denúncias e demais pressões sobre quem não assinar as “petições” a favor desta ou daquela associação.

É compreensível a necessidade que cada técnico tem em manter o emprego, tal como a da associação em manter os técnicos, mas a continuar assim quase que seria preferível a bandalha anterior, com estas perseguições, autênticos contar de espingardas, os apicultores começam a desconfiar de qualquer tentativa de organização.

Da redacção e interpretação do Despacho Normativo…

Não sei quem redige os despachos normativos referentes aos programas apícolas, mas arrisco a dizer que estagiou na Torre de Babel.

Se as confusões, dúvidas e incertezas já vinham dos diplomas anteriores, a subtileza com que o escriba vai desfiando os novos pontos, artigos, alíneas, regras e anexos, é de tal elevação de espírito ou grandiloquência que ninguém entende rigorosamente nada. Se à primeira vista um parágrafo parece trazer luz sobre determinada matéria, logo à segunda há uma vírgula que nos devolve às trevas da ignorância.

Se por incúria ou desespero solicitamos que nos clarifiquem determinada duvida ou ambiguidade de interpretações, tentativa baldada, os alegados autores do despacho ou nunca estão presentes ou perdeu-se-lhes o rasto, pois nem as entidades tutelares têm uma explicação satisfatória e definitiva para o problema. O mais certo é que das duas interpretações possíveis obtenhamos uma terceira ou uma quarta, tão claras e objectivas como as primeiras.

E porque faltam documentos; e porque os prazos são apertados; e porque os formulários não estão disponíveis no site oficial; e porque… porque a beleza do Programa Apícola Nacional reside nisso mesmo.

Da ilusão de que chega para todos aos "numerus clausus" do medicamento…

Segundo o Programa Apícola Nacional, em 2013 os 16.774 apicultores registados em Portugal terão declarado 566.793 colmeias.

Todas essas colmeias poderão (ou pelo menos assim seria suposto) ser beneficiadas com a ajuda à aquisição de medicamento na Medida 2 do referido programa.

Segundo os folhetos dos laboratórios, o preço dos medicamentos este ano ronda os 3,30€ por colmeia e por tratamento. Como a dita ajuda se destina a dois tratamentos anuais por colmeia o custo fica em 2 x 3,30€ = 6,60€.

Multiplicando os 6,60€ pelas 566.793 colmeias registadas obtêm-se a bonita soma de 3.740.833,80€.
Retirando os 25% pagos pelos apicultores ficamos com 2.805.625,35€.

Apesar da quantidade de algarismos a calculadora aguenta-se, mas já o mesmo não digo da verba disponibilizada para a Medida 2: 1.200.000,00€, menos de metade da quantia necessária.

O que dizer aos apicultores que vão ficar sem medicamento? Ou mais interessante ainda: o que dizer aos apicultores que vão beneficiar desta medida? De que vale tratar menos de metade das colónias se as restantes não forem tratadas? Como é possível controlar a varroa com medidas destas?


Doutras incongruências que nos deixam perplexos face ao diploma que ora anima as hostes apícolas…

Na Medida 4 do programa apícola prevê-se a realização de análises aos produtos da colmeia, onde as análises polínicas ao mel são cruciais para a respectiva caracterização e classificação da origem floral.

Sendo as polínicas elegíveis no dito diploma, é inadmissível que nenhum dos laboratórios de referência apresentados nas listagens da DGAV (vulgo os únicos disponíveis nos formulários de candidatura, sem hipótese de optar por outros) realize tais análises. Tal equivale a dizer que as análises elegíveis, dentro das previstas no despacho, serão apenas as que esses laboratórios realizam.
                                
...

E cá ficamos, à beira-mar plantados, à espera de dias melhores, com 16.774 apicultores emPANados…

7 comentários:

Eco-Escolas disse...

Boa tarde

Pela parte que nos toca, que felizmente ainda não é a Varroa, ficamos perplexos (já não deveríamos ficar mas há sempre uma réstia de esperança) com algumas respostas que nos são dadas por parte do IFAP.
A nossa questão foi a seguinte:
No formulário de candidatura à medida 4, na listagem dos laboratórios não existe nenhum que faça análises polínicas (isto de acordo com a lista de laboratórios aprovados pela DGV que está disponível no sítio da internet do GPP) que também estão contempladas no PAN 2014-2016. A mesma situação ocorreu no PAN anterior só que o formulário não era eletrónico. Neste formulário ficamos condicionados aos laboratórios que lá estão descritos.
Como fazemos?
A resposta foi deslumbrante. Ora leiam p.f.
"... as análises elegíveis são as que os laboratórios fazem. No nosso site do GPP já está publicado"
Já está publicado no site do GPP, que interessante. Como se nós não soubéssemos. (http://www.gpp.pt/MA/apicultura/Laboratorios_analises_2011.pdf).
Isto nem merecia resposta tendo em conta o alheamento dos factos manifestado nesta resposta. Mas enfim...
O anexo III do DN 1/20014 prevê a realização de análises aos produtos da colmeia, constantes da lista de análises elegíveis divulgada no sítio da Internet do GPP, da DGAV e do IFAP, I. P., antes do início do período de apresentação das candidaturas.
Nos sítios da Internet acima mencionados não consigo encontrar nenhuma lista de análises elegíveis. No entanto no sítio da internet do GPP está o programa apícola nacional 2014-2016 onde podemos ler no Anexo 1 , Medida 4 - Análises Laboratoriais o seguinte:
"Apoio à realização de análises aos produtos da colmeia:
Análises de resíduos e de contaminantes Análises polínicas, físico-químicas e microbiológicas do mel:
Análises microbiológicas decorrentes da implementação do HACCP nas melarias:
Análises sensoriais:
Análises a alcaloides
Daqui podemos concluir que as análises elegíveis não são apenas as que os laboratórios fazem.
Por outro lado no ano anterior fizemos análises polínicas num laboratório que não constava da lista publicada no sítio da internet do GPP e as mesmas foram aceites. Não percebemos porque razão desta vez não pode?
Relativamente à lista de laboratórios publicada no sítio da internet do GPP mais uma vez fica aqui demonstrado o alheamento desta malta relativamente aos factos: o laboratório da DRAALG não está em funcionamento.

António Marques

Anónimo disse...

ANÚNCIO

Tenho 75 colmeias disponíveis para integrar uma candidatura.

Recebo ofertas.

Abelhasah.

Anónimo disse...

Aqui eles descaíram-se :

"...que vai promover uma profunda alteração do modelo... "

Este PAN é uma autêntica roleta russa.
Vou candidatar apicultores a uma medida 2, que se não cumprir, sou penalizado na medida 1A mas, a DGAV não me garante que os apicultores que eu candidato à medida 2, a venham efectivamente a receber.
Afinal o Carnaval é quando ???

Abelhasah.

Alien disse...

Por lapso não foram contabilizados os 25% a serem pagos pelo apicultor, alteradas as contas pouco afectam os cálculos totais uma vez que a verba disponibilizada para o medicamento não chega nem para metade das colónias...

Anónimo disse...

E temos de tratar com aqueles produtos que não funcionam! Aqui este ano que tratou com o Apistan tem este ano menos colmeias povoadas que os dedos da mão de um maneta.
Mas o estado paga..e nós pagamos o resto..e as abelhas morrem com varroas gordas!
Fórmico, oxálico, Hopguard, selecção de abelhas resistentes..para quando PORTUGAL?

Abraço,
abelhasdoagreste

Pedro Mendonça disse...

Fórmico, oxálico, acético, cítrico, açúcar, só quando os labs lançarem os respetivos produtos comerciais registados e homologados...vai dar ao mesmo...obrigatoriedade de tratar com homologados mais caros que as "marcas brancas". Só melhora um pouco o ambiente e acabam-se as resistências habituais da varroa.

Abraço
Pedro Mendonça

f.fernandes disse...

boas a minha opinião era ninguém se ter candidatado a nada há sempre uns quantos que se julgam mais espertos que os outros e em vez de resolver as coisas de uma vez por todas só andamos a adiar e a piorar a encher os bolsos dos laboratórios. já agora para que serve o técnico? sou sócio de duas associações há vários anos e ainda não sei