09 agosto, 2008
Histórias de arrepiar...
Agora é tempo de férias, e para quem não pode passar sem as abelhas também é bom dar-lhes descanso para depois voltar com mais saudade. De qualquer forma, e como o tema também é apicultura, vamos lá a mais uma história daquelas... para desanuviar das agruras da estação.
Esta passou-se no primeiro ano que fui técnico apícola, com o meu amigo “Badalo”, nome fictício para ocultar a entidade do rapaz.
Andava eu a recolher amostras de mel para tipificar as produções da região, quando me calhou em sorte pedir um frasco ao Badalo.
Essa tipificação de méis era feita ao abrigo do Programa Mel, esse mito das melhorias na produção e comercialização do mel, que agora por melhorias mais faz lembrar os antigos comprimidos “Melhoral”.
Quando eu pedi a amostra ao Badalo, ele ficou completamente atrapalhado, ele atrapalhava-se com facilidade, e confessou-me que as suas vinte e tal colmeias há mais de três anos que não davam uma gota de mel. Nem para consumo lá de casa, quanto mais para amostras. Marquei logo uma visita de urgência, para saber o que se passava com as abelhas dele, não fosse tratar-se de doença grave ou outro problema qualquer.
Por esses tempos a legislação apícola era bem mais permissiva, ainda nem se sonhava com o 37/2000 do ordenamento, pelo que ele aproveitava para colocar as colmeias no próprio quintal.
Logo à chegada deparei-me com um apiário que mais parecia um quadro do Salvador Dali, cortiços interligados entre si por uma intrincada rede de tubos que saíam de uns e entravam noutros. De vez em quando lá via umas abelhitas apatetadas, a circularem pelos tubos transparentes. Aquela porcaria lembrava mesmo um sistema orgânico extraterrestre dos filmes de ficção científica.
Nem cheguei sequer a formular a pergunta, já ele estava com aquele ar de parvo, que Deus lhe perdoe pois também não lhe deu outro, a responder-me:
“Dava-me cá uma pena ver estragar a cera nos cortiços que morriam! As casinhas já feitas e sem nenhum proveito!! Assim resolvi fazer as ligações para que as abelhas dos outros cortiços as possam utilizar!”
Ou seja, ele tinha inventado as colmeias com anexo, tipo retiro ou casa de férias para as abelhas mudarem de ares. Sentença: Daqui a quinze dias quando eu cá vier, não quero voltar a ver essa “tubagem apícola”, até parece que vai canalizar o mel para dentro de casa.
Momentos depois, quando me preparava para tapar uma colmeia emalhetada da casa Alberto da Silva Duarte & Filhos, Lda, arrancou-me a prancheta das mãos e colocou-a noutra posição, dizendo:
“Desculpe lá, mas a palavra Coimbra fica sempre virada para o lado da janela da casa de banho!”
Só tive vontade de lhe dar com a prancheta na cabeça, quando a sogra dele nos interrompeu aos gritos e a esfregar muito a testa.
“Merda da velha, eu bem lhe disse para não vir agora ao quintal porque íamos mexer nas abelhas.” Felizmente que a idosa também era aficionada e já perdera a conta às picadas que levara em toda a vida.
Junto à lareira de uma pequena dependência ao fundo do quintal, uma boa dúzia de abelhas jaziam inertes numa caixinha de fósforos, algumas já mexiam as patas. Lá me explicou que as tinha apanhado junto às colmeias, vítimas do frio, e que recobravam junto ao lume até estarem de novo aptas ao serviço.
Meses depois apareceu-me na associação com um ar muito enfezado, onde me contou de imediato a sua recente desgraça. Logo na primeira cresta que se preparava para fazer, um azar com o fumigador e umas faúlhas no pasto custaram cerca de 20 hectares de montado.
Salvaram-se a mulher e a sogra, porque o Badalo ainda lhe ouviu os gritos quando fugia desesperado a chamar os bombeiros, voltou atrás para as resgatar, pior sorte tiveram os documentos que teve de renovar mais tarde. Desta vez confesso que tive pena dele, apesar de não ter de pagar os estragos foi expulso do local onde recentemente tinha feito o novo assentamento. E logo estas colmeias que não tinham à mão a tubagem das outras e que decerto daria jeito para apagar o incêndio...
Um ano depois, véspera de Natal e eu regressava apressado de Ponte de Sôr para Avis, afim de gozar umas merecidas férias. Os 30 km de estrada entre aquelas duas localidades, só tinham rede da TMN no cabeço das Galveias, nuns restritos 500 metros, ou seja, a probabilidade de me ligarem nesse caminho é de 1 para 60. Tal não foi a pontaria do Badalo que acertou, precisamente nos últimos 100 metros com rede móvel. Encostei o carro, atendi o telefone e preparei-me para o chorrilho de idiotices que decerto iria sair daquela cabeça:
Desta vez o problema foi o misterioso azedamento do mel recem crestado e sem motivo aparente. Mel recentemente crestado? Mas estávamos a três dias do Natal! Lá me explicou então que desde o infame incêndio que lhe ia vitimando as abelhas a mulher e a sogra, nunca mais crestou antes das chuvas encharcarem o terreno. Como o ano foi seco, a cresta quase coincidiu com o dia de Natal.
Com isso conseguiu a proeza de obter um excelente monofloral de Medronheiro que oscilava entre o muito amargo e o intragável, 60 quilogramas dele...
Tenho confiança suficiente com o “Badalo” para contar estas histórias.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Esta é daquelas que mais parece uma anedota, que me desculpe o " Badalo"
É só rir !!
Os personagens são cómicos, o contador tem sentido de humor e jeito para contar.
Sinto que estas histórias tanto podiam ser passadas no sul como no norte do país.
Também me fartei de rir com outras que aqui há como a do bacalhau e o bêbado na tasca!
Queremos mais!!
Ricardo Pinto
Enviar um comentário