15 setembro, 2008
Use os seus €urónios...
Há duas ou três semanas entrei numa loja “minipreço” da minha área de residência, um mini mercado já com dimensões consideráveis.
Inevitavelmente deito sempre o olho à prateleira do mel, e até me detive por ali, parecia hipnotizado por um rótulo muito apelativo.
Olhei à minha volta não fosse algum dos meus clientes de mel ou outro apicultor ver-me e desconfiar de alguma marosca. Como não havia ninguém agarrei o frasco e li... li a proveniência, e o resto, o preço, o produtor... li tudo. O que mais me interessava era mesmo a proveniência, a origem do dito néctar, mas a minha curiosidade apenas teve direito a um lacónico: “mistura de méis CE e não CE”. A legislação nem sequer obriga a mais - estava em conformidade.
Então, mesmo sem usar os €urónios, percebi que a CE é constituída por 27 países, e a parte não CE do globo por mais de duas centenas ou perto disso. Ou seja, entre a dita menção e a ausência dela fiquei exactamente na mesma, não consegui saber onde tinha sido produzido o mel. Ainda fiquei dois ou três minutos armado em idiota com o frasquinho na mão, tentando adivinhar a língua dos apicultores que o produziram, quando me ocorreu uma ideia brilhante e que de imediato pus em prática.
Procurei o gerente e disse-lhe que havia uma pequena associação de apicultores em Avis, cujo mel tem uma excelente qualidade e seria interessante, até bom para ambas as partes, que aquele fosse comercializado no dito mini mercado. Depois da surpresa o gerente mostrou-se mais compreensivo que interessado, mas... confessou-me que a politica comercial do “minipreço” não autorizava tal negócio, a loja era obrigada à exclusividade do mel que lhe era fornecido pelo dito “minipreço”, a tal mistela oriunda algures da Europa Comunitária e de outro ou outros locais do planeta.
Agradeci a atenção dispensada e afastei-me. Enquanto atafulhava o carrinho com pacotes, sacos e latinhas, matutava na dúvida que ainda tenho: se misturar-mos 200g de um excelente mel nacional num depósito com várias toneladas de mel oriundo do Sudoeste Asiático ou da África Sub Saariana, já o pudemos rotular com a desdita “mistura de méis CE e não CE”?.
Ainda os “€urónios” da cabeça andavam nesta confusão, quando os do bolso me ficaram quase todos na caixa registadora à saída.
Foi já fora da loja que me iluminei: então estes gajos não só querem os nossos €urónios, como ainda evitam que nós os ganhemos para... mais tarde lhos vir devolver!!! A política comercial do “minipreço” desqualifica assim os nossos produtos, o nosso labor, o nosso mel, substituindo-o por outro de proveniência incerta ou pelo menos desconhecida para o consumidor. Desde há alguns anos a esta parte, não só estas lojas como os hipermercados se instalam cada vez mais no interior, chegam como uma lufada de ar fresco, falam em desenvolvimento e depois dão nisto, no fundo vêm é pedir-nos os nossos “€urónios”...
Há vinte e tal mil apicultores em Portugal, mais umas centenas de milhares de produtores de carne, leite, ovos e hortícolas entre muitos outros, potenciais clientes minipreço entre outros, e cujos produtos vêm assim vedada a sua entrada neste tipo de lojas. Sempre que interrompem a programação da TV para nos mandarem usar os €urónios ou outras baboseiras do género, deviam logo informar os produtores (que também são clientes), para evitarem aparecer com as “zurrapas” que produzem, pois a política comercial que os rege não se compadece com o desenvolvimento dos locais em que se instalam. O que lhes interessa de facto não cabe nas prateleiras, engorda sim é a caixa registadora...
Face a esta desilusão e como já vai sendo meu hábito, resolvi fazer uma pequena investigaçãozinha sobre as origens e outras curiosidades acerca do mel comercializado noutros mercados da região e que passo a apresentar:
Feira Nova – Ponte de Sor
Mel de marca branca “Pingo Doce”, de origem portuguesa e com número de licenciamento de melaria.
Também tinha o já clássico “Mel Granja São Francisco”, mais clássico que o embalado nos frascos da Tofina. Tem a denominação de venda “Mel de Néctar”, é embalado em Espanha, e trata-se de uma mistura de méis CE e não CE. 500G a 4,99€ face aos 1,99€ pelas 470g de mel português da marca branca.
LIDL – Ponte de Sor
Mel da marca “Maribel”(Pure Clear Honey) uma mistura de méis não CE: América do Sul e Central.
Também tinha mais duas referências em embalagens de plástico, marca “Maribel” (Wildbluten Honig e Wald Honig), ou seja Mel de Flores Silvestres e de Flores do Bosque. Mistura de méis CE e não CE, embalados na Alemanha para o LIDL.
Modelo – Ponte de Sor
Uma verdadeira feira apícola, ele era mel simples, com favo, com frutos secos, pólen, própolis, havia de tudo um pouco, várias referências e a grande maioria de origem portuguesa, como o proveniente das conhecidas “Colmeia Belchior”; “Pulo do Lobo”; “Serramel”, “Europrópolis” e “Quinta da Urgeira”.
Fiquei deveras surpreendido com a qualidade e a variedade disponibilizadas pelo “Modelo”.
Também lá havia o “Mel Granja São Francisco” mistura CE e não CE, com o respectivo antigoteo e um “Mel de Nectar” da Ferbar, produzido na Argentina.
CONCLUSÕES:
Em conversa com o responsável de cada loja percebi que as compras eram da responsabilidade de um organismo central que recolhia os produtos e os distribuía por todas as lojas do mesmo grupo. Também percebi que nalgumas situações (raras), se não tinham mel nacional era porque não haviam propostas dos respectivos produtores ao dito organismo central que depois os distribuía, resta no entanto saber os preços praticados.
Fica também a informação que o Feira Nova se encontra numa fase de procura ou pelo menos de interesse por produtos regionais para venda nas lojas locais, no entanto o contacto terá de ser feito com a respectiva central.
Surgem algumas marcas portuguesas, com especial destaque para o Modelo, sendo no entanto a maioria de origem estrangeira e principalmente de fora da CE.
Face ao exposto, era interessante que apicultores e respectivas associações pensassem numa estrutura supra associativa que se debruçasse sobre estes e outros problemas, e que de certa forma pressionasse no sentido de se alterarem estes números. A apicultura podia ser um importante pólo de desenvolvimento para as regiões interiores, caso houvesse um fácil, ou possível? escoamento do mel.
Já o governo, podia aproveitar a dica e criar também uma espécie de ministério que se ocupasse da gestão e dos problemas da agricultura e dos agricultores.
Caso estas instituições já existam... que me perdoem, pois daqui não se nota nada.
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3 comentários:
fiquei surpreendido com o post, porque até tenho visto á venda nesses estabelecimentos (alguns)produtos locais, parecendo-me uma atitude cada vez mais "na moda", pois permite a venda de produtos locais. A título de exemplo, experimente a verificar nas zonas de charcutaria, a ver se não se confirma o que digo!
a não ser, que essas opções sejam tomadas só para alguns fornecedores!
outro problema será que essas centrais de compra para as grandes lojas precisam de grandes quantidades neste caso mel todas as semanas e o apicultor que produz 500 kg ou 1000kg por cresta ñ pode negociar pois ñ será capaz de cumprir a ñ ser que as associaçôes de apicultores passem a recolher o mel dos pequenos apicultores e depois elas própias o comercializem. Á que pensar nisso !
A politica do minipreço de facto é essa. Contudo tambem permitem excepçoes aos produtos locais. Tudo depende da vontade do gerente da loja em procurar e negociar esses produtos localmente. No minipreço de Sousel desde o azeite, vinho, queijos, mel biologico de sousel mel de Veiros existe tudo..
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