15 maio, 2009

“Obrigado, mas dispensamos o serviço das colmeias...”

Uma vez disseram-me para nunca escrever nada quando estivesse com raiva.
Eu não estou com raiva. Estou com aquela sensação de vazio no estômago (estou a escrever isto depois de almoço, um bom almoço), e estou com essa sensação. Talvez um “estou conformado” seja mais correcto...
Creio que foi Miguel Esteves Cardoso, quem escreveu sobre não haver sentimento pior do que quando nos conformamos com uma tristeza. Quando estamos inconformados temos a sensação de poder remediar algo, quando nos conformamos está tudo perdido.

Mas antes que alguém se derreta em lágrimas, é melhor contar o que se passou.
Logo no início deste ano consegui girassol para a transumância de todas as minhas colmeias. Melhor ainda, consegui girassol para as abelhas de mais uns quantos apicultores. No entanto, tenho cerca de 25 núcleos ainda atrasados, a Primavera não correspondeu e queria dimensioná-los antes da produção de Verão.
Para minha felicidade, também encontrei uns bons hectares de girassol mais adiantado, ainda por cima a meio do percurso do primeiro girassol que “guardava” para o Verão.
Pensei duas vezes antes de falar com o proprietário, não o conhecia, nem o conheço ainda, é espanhol. É um desses espanhóis que compraram/arrendaram uns largos milhares de hectares de terra no Alentejo, para substituírem o que quer que fosse que lá houvesse pelo dito olival intensivo (AS OLIVEIRAS DA DISCÓRDIA 05/11/2008).
Telefonei ao administrador, português, que me atendeu com a maior das deferências e que anotou convenientemente a minha solicitação. Pediu-me 24 horas para falar com o proprietário, uma vez que não podia ser ele a tomar a decisão.
Liguei no dia seguinte para o ouvir dizer “obrigado mas dispensamos o serviço das colmeias”. Frisei que o “serviço” era gratuito, uma vez que ambos beneficiávamos com tal negócio e até referi o aumento de produção que a polinização lhe traria. Voltei a ouvir outra mensagem lacónica que pouco variava da primeira.
Foi quando senti o dito nó no estômago. Mas dissipei a raiva quando pensei que de facto o terreno era dele. Comprado ou alugado era dele e contra isso não havia nada a fazer.

Nesse momento ocorreu-me um artigo que lera recentemente sobre agricultores americanos que se debatiam para conseguir abelhas que lhes polinizassem as culturas. O SDC nesta altura é um entrave para muitas produções agrícolas nos EUA. Ocorreu-me também que no ano passado, produtores de girassol espanhóis pagavam pela polinização do girassol (em Portugal).
Ocorreram-me ainda uma série de coisas, entre as quais alguns versos e trocadilhos que em crianças fazíamos com o nome dessa herdade, Herdade do Ramalho. Prestava-se a umas quantas rimas engraçadas que pouco servem agora para o efeito.
Mas também se prestava para as melhores produções de Verão que alguma vez tive. Entre o girassol, o cardo e uma excelente melada de Azinho, tinha sempre muita água fresca à superfície. Até já tinha imaginado as colmeias à sombra de um bosque de choupos que ladeia um charco cuja água é sempre transparente, vendo-se o fundo a mais de três metros de profundidade.

Obrigado mas dispensamos o serviço das colmeias”, foi a castelhana sentença que me afogou o reforço energético dos desdobramentos na tal água cristalina.

Porque carga d'água a Herdade do Ramalho, à semelhança de tantas centenas de herdades no Alentejo, são economicamente rentáveis para os agricultores espanhóis e nunca o foram para os proprietários/agricultores portugueses?
Em algumas, muitas, até substituíram o olival, imaginem, por... olival!
O que recearia o agricultor espanhol? Que as abelhas colectassem sementes em vez de néctar e pólen?
Mas quem pensa/age desta forma pode ser agricultor? Saberá o que está a fazer?
Eu não quero extrapolar este incidente para os restantes milhares de hectares espanhóis em solo luso, mas o Ministro da Agricultura terá ponderado sobre estas e outras consequências ao permitir que “isto”...?
Uma coisa eu tenho a certeza, nunca nenhum apicultor espanhol vai levar uma nega ao tentar polinizar girassol português em Espanha. E não será pela “má vontade” dos agricultores portugueses...

Felizmente que ainda “tenho” à disposição o girassol do agricultor português, grande amigo e pessoa extremamente educada. Já foram muitas as horas que passamos frente ao monte dele a falar nas culturas e quanto elas beneficiam com o serviço das abelhas...

3 comentários:

Mário disse...

Mestre, a minha feição de rosto tomou novos contornos quando cheguei ao fim do post e li o doce desfecho, sempre aprendi que é com os amigos que vencemos na vida, é neles que depositamos as nossas confianças, no seu caso não foi excepção, eu até ter o meu apíario bati e continuo a bater em centenas de portas, e sempre com as negas do costume, terrenos baldios ou cultivados a resposta é sempre a mesma.

Um saúdo especial ao seu amigo proporcionador de alegrias.
O meu desejo é que tenha uma transumância completa e boa, cuidado com as transpirações e lembre-se dos atchins :)

O girassol do ramalho
era somente um atalho
seu dono um pirralho
e eu quero que ele vá pró (cesto do mastro principal de uma Nau portuguesa) :-)

Abraço
Ferradela

Hugo Martins disse...

Bom dia!

Realmente fico triste por constatar que ainda existem pessoas que não sabem os benefícios de terem colmeias nos seus terrenos. O que nós recolhe-mos em mel não é nada comparado com o que eles obtêm em rendimentos na produção, então no girassol... Enfim ainda há-de vir o tempo em que agricultores como esse nos hão-de vir pedir os nossos serviços e depois ai nós aplicamos a nossa taxa!

Abraços
Hugo

ps: fiquei com pena de você não ter ido à palestra do sr Vicente Toledo no Tramagal, valeu mesmo a pena.

Apisarte disse...

Faço minhas as palavras do colega Mário, com uma ligeira modificação, que o mastro da nau sirva tipo pau de gelado!
CP