30 novembro, 2011

Abelhas Africanizadas em Manaus – Amazónia – BRASIL

Semanas antes da partida para a Amazónia e para me documentar sobre o assunto, pesquisei na net a existência de associações ou outras organizações apícolas na região.
Foi com alguma surpresa que soube então da raridade de criadores de Apis mellífera nessas paragens, motivada pela dificuldade de adaptação destes insectos à mata cerrada que caracteriza o local.

Uma possibilidade que nunca me tinha ocorrido. A nossa apicultura é quase sempre praticada em planícies pouco arborizadas ou em matagais cujo coberto raramente vai além dos dois metros de altura. Quando a flora compreende zonas florestais, a densidade de arborização permite a passagem das abelhas com muita facilidade e são exemplos disso os montados de sobro e azinho ou os soutos de castanheiro.

Em contrapartida, os meliponíneos mostram-se perfeitamente adaptados à vida e à polinização do maciço verde da floresta Amazónica, encontrando-se com muita frequência colónias selvagens destes insectos na mata cerrada.

Apesar da manifesta dificuldade em encontrar espaços amplos para a prática da apicultura com Apis em Manaus, há apicultores que optaram por esta modalidade de uma forma exclusiva ou criando também meliponíneos.

Foi então durante a visita a Puraquequara – Manaus, que tivemos a oportunidade de visitar um apiário com tal particularidade e que há muito me fascinava: as abelhas africanizadas.

Como sabem, há umas boas décadas atrás, do trabalho do Prof. Warwick Estevam Kerr (1) no Brasil, com o cruzamento de abelhas europeias e africanas, resultaram as chamadas abelhas africanizadas.

São abelhas mais pequenas, tipicamente híbridas ou não apresentassem as características dos dois grupos parentais, e sobretudo muito “temperamentais”.

São inúmeros os relatos e documentários que exibem o seu potencial agressivo.

O apiário visitado, propriedade de João Rodrigues, localiza-se no sítio do “Seu” Chico, onde tanto um como outro mostraram a maior das amabilidades e simpatia em nos receberem para a desejada visita aos apiários.

O apiário das abelhas africanizadas, com cerca de uma dezena de colónias, encontrava-se a menos de 100 metros de um meliponário e apesar disso sem qualquer registo de ataques ou pilhagens de parte a parte.
Ambos os locais estavam juntos a uma mata densa com todos os estratos ocupados por vegetação. No entanto, devo referir que as práticas agrícolas neste local originavam áreas algo extensas de floresta menos densa, assemelhando-se a corredores mais desimpedidos por onde as abelhas podiam circular com relativa facilidade.

Começamos por nos equipar a uma distância segura, longe da vista das agressivas abelhas. Consegui vestir sobre os calções um fato de treino e só depois um macacão de apicultor emprestado pelo João.

Nunca mais me queixo da inspecção de colmeias durante o Verão no Alentejo. Se por aqui tal tarefa é equiparável a uma sauna, na Amazónia só falta a pressão para nos sentirmos numa autoclave. E não é para menos, com temperaturas a rondar os 40ºC e humidade atmosférica próxima dos 80 a 90%...
Mas valeu a pena e foi bastante divertido, nada de insuportável.

Por precaução, e não sei se não é prática habitual, acendemos dois fumigadores de dimensões descomunais, cuja baforada de fumo lembrava a das antigas locomotivas a vapor. Apesar disso, várias vezes interrompemos a tarefa de inspecção de colmeias para nos fumigar-mos uns aos outros, tal era a carga de abelhas que nos circundava.

Pelo menos aparentemente, a agressividade das diferentes raças de abelhas manifesta-se de uma forma quantitativa e não qualitativa: quero eu dizer que se se tratar de abelhas italianas, quando abrimos uma colmeia virão atacar-nos uma ou duas abelhas (e nem sempre).
Com a abelha negra europeia já poderemos ser recebidos por umas dezenas de indivíduos e nas africanizadas, o comité de “boas vindas” contará decerto com centenas de insectos/colónia:

Tranquilizou-me o facto dos equipamentos utilizados, iguais aos que usamos, aguentaram perfeitamente tais ataques. Ainda por cima utilizei uma máscara quadrada, menos eficaz na protecção do rosto.

Consegui ser picado por uma abelha africanizada.

Não vou propriamente inscrever tal façanha no curriculum, mas senti-me ultrapassar uma barreirazinha qualquer, género ritual iniciático, ou como diz o meu amigo Mário Serrano “Ferradela”, tornei-me merecedor do mel dessas abelhas.

Confesso que não foi lá grande picada, foi por cima da luva, mas senti-lhe o veneno. Por teimosia ainda estive para a retirar e aguentar com a dita picada directamente na pele, mas como estas abelhas fazem tudo em grupo, correcção: em grande e numeroso grupo, fiquei-me por aí…

Abertas as primeiras colmeias tentei provar ao grupo, e a mim mesmo, que a varroose é um mal universal e não há abelhas isentas de tal moléstia, mas foi uma frustração e que feliz frustração: os ditos ácaros não queriam nada com tais colónias ou seriam estas que conseguiram mecanismos de defesa eficazes?

No entanto, os forídeos, pequenas moscas da fauna local, acabam por provocar estragos tanto nestas abelhas como nos meliponídeos.

http://meliponariodosertao.blogspot.com/2009/09/cuidado-com-os-forideos.html

O João utilizava colmeias Langstrooth, talvez o modelo mais disseminado no Brasil.

As caixas encontravam-se sobre estrados metálicos e algumas apresentavam um curioso alimentador improvisado com uma garrafa de plástico. As chapas onduladas sobre o tampo não terão decerto o efeito desejado sobre a temperatura, mas é mais uma protecção para as caixas.

À despedida retiramos dois quadros de mel das alças para que o grupo pudesse apreciar tal especialidade e para minha surpresa também o mel destas abelhas apresentava os elevados níveis de humidade que se verificam na região.

O sabor é sem dúvida excelente, apresentando no entanto algumas diferenças para com o mel dos meliponídeos. À minha pergunta sobre a longevidade deste produto, face à elevada humidade, não havia ainda uma resposta visto que a totalidade do mel é comercializada e consumida no espaço de poucos meses, uma tentadora perspectiva.

Para retirarmos os equipamentos foi outra “aventura”: as abelhas enraivecidas não nos quiseram abandonar tão cedo nem tão perto. Felizmente que a floresta amazónica tinha a solução: embrenhamo-nos num maciço verde e aí sim conseguimo-nos livrar delas.

Não foi sem ironia que durante esta tarefa reparei que me tinha refugiado sob uma palmeira “tucumã”, cujo tronco è orlado de longos espinhos ao longo dos anéis do tronco e que muito me condicionavam os movimentos, não morri da “doença”, mas a “cura” quase não me poupava…

Finalmente compensamos os líquidos perdidos com um excelente suco de caju preparado pelo “seu” Chico e pela esposa, bebida que soube maravilhosamente a acompanhar o mel das abelhas africanizadas.

(1) “Em 1956, Warwick Kerr foi à África estudar a produção de mel do continente, para mais tarde aplicar seus conhecimentos ao Brasil. Quando retornou, trouxe 141 rainhas africanas (da espécie Apis mellifera scutellata, altamente produtiva e agressiva), das quais 51 sobreviveram. Rainhas e operárias foram postas em quarentena em uma floresta de eucalipto de Rio Claro (SP), para que apenas as menos agressivas fossem escolhidas.

As colméias eram fechadas por uma malha que permitia a passagem de operárias, mas não de rainhas. Como as abelhas estavam mostrando boa atividade, acreditou que retirar as malhas não causaria problema.

Trinta abelhas enxamearam—se reproduziram—e os pesquisadores perderam o controle sobre elas. Com o incidente, pessoas foram picadas (alguns casos levaram a óbito) e muitos apicultores abandonaram a atividade de criação, o que fez a produção de mel cair. Kerr foi responsabilizado.

A partir daí, o cientista se dedicou a estudar a genética da produção e da agressividade dessas abelhas. Com apoio dos pesquisadores da USP, criou a abelha africanizada, um híbrido das espécies européias (comum no Brasil) e africana.
Além de mais mansa e bastante produtiva, a africanizada se mostrou resistente à varroa (praga que destrói colméias) e permitiu aos apicultores produzir o mel orgânico, onde não é necessário o uso de agrotóxicos.

Depois disso, Kerr passou a ser reconhecido por pesquisadores e respeitado pelos apicultores.”


http://pt.wikipedia.org/wiki/Warwick_Estevam_Kerr

16 comentários:

Abelha Preguiçosa disse...

Olá!
Uma coisa que não percebi bem ao ler a parte do post escrita pelo amigo Joaquim, é se os apicultores brasileiros que têm abelhas africanizadas, como os que aparecem nesta excelente reportagem, aplicam ou não acaricidas por causa do ácaro varroa?

Esses fumigadores são de facto impressionantes!!
Abraços
Ricardo

Alien disse...

Olá Ricardo,

Aparentemente não aplicam qualquer acaricida, pelo menos aqueles com quem falei.
Creio que utilizam uma armadilha à base de vinagre para os forídeos.

Abraços
Pifano

Abelha Preguiçosa disse...

" e permitiu aos apicultores produzir o mel orgânico, onde não é necessário o uso de agrotóxicos"

Outra coisa que eu não percebo, e que me questiono lendo esta parte do texto retirado da wikipedia, é porque razão o mel fabricado nas colmeias onde são necessários tratamentos para o varroa, não há-de também de ser considerado orgânico?
Afinal de contas, e obedecendo a todas as regras de aplicação destes produtos, não é suposto o mel cumprir os mesmos requisitos que os que consideram "organicos"?
Que analises de resíduos é que a wikipedia terá feito para chegar a tal conclusão???
Objectivamente, qual é a diferença entre o mel feito por uma colmeia que foi tratada correctamente, e o mel de outra similar mas que não tenha sido tratada com nada, e que esteja ao seu lado?
São só perguntas que faço mas que não têm necessáriamente de ser respondidas...

Alien disse...

"São só perguntas que faço mas que não têm necessáriamente de ser respondidas..."

Fico muito mais descansado... ;-)

Não sei se não haverá uma confusão de terminologias na wikipédia, na medida em que "orgânico" e "modo de produção biológico" possam ou não significar o mesmo.
Não sei qual o termo utilizado no Brasil.

De qualquer forma, mesmo para colmeias que não necessitem de qualquer adição de medicamentos, seja para combate do Varroa, seja para qualquer outra moléstia, ainda há que contar com os agrotóxicos utilizados na agricultura.

Nas Jornadas de Apicultura, Avis mellífera 2011, segundo comunicação da DGV, muitos foram os casos de amostras de mel recolhidas a nivel nacional que deram positivo para esses contaminantes.

Abraços
Pifano

http://apiariosforte.blogspot.com/ disse...

Boa tarde colegas, complementando os posts,minha região é muito semelhante a das fotos postadas.Estou na Mata Atlântica,numa reserva legal,extremamente úmida, com solo constantemente encharcado, alto índice pluviométrico, tive alguns núcleos atacados por forídeos, mas apenas os mais fracos, não estou utilizando nenhuma armadilha ainda,mas pretendo se continuar a perder alguns núcleos capturados.
Com relação a umidade excessiva pretendo fazer orifícios de ventilação nas tampas das colméias e colocar telas mosquiteiros para impedir a entrada de pragas.

Alien disse...

Caro Ozorio,

Quero colocar-te três questões:

1- Com esses níveis de humidade as micoses como a ascosferiose são comuns ?
2 - Quanto à Varroose, a tua região é afectada por esse ácaro?
3 - Ainda relativamente à humidade, qual o seu teor nos méis da tua região? Não há problemas de fermentação?

Abraços
Joaquim Pifano

Aproveito para divulgar o blog de apicultura do amigo Ozorio, quem quiser visitar clique em DuZoo na barra lateral de links do Montedomel!

Anónimo disse...

As minhas saudações apícolas !
Isso de mel orgânico deve mesmo ser em modo de produção biológica, porque mel inorgânico é coisa que não há (por agora).
Talvez a baixa incidência de varroa se deva ao período de incubação das abelhas africanizadas, que julgo ser ligeiramente inferior ao da abelha europeia ?
Um abraço,
Abelhasah.

Meliponário do Sertão disse...

Felizmente, as nossas africanizadas são extremamente resistentes a muitas doenças, mas na região do sul do País já alguns relatos de varroa e da cria púdrida americana, mesmo assim as infestações não chegam a exterminar os enxames e não é costume local o uso de acaricida, a própria seleção natural se encarrega de gerar as colônias mais forte e resistentes, talvez esteja aí o segredo da saúde de nosso enxames.

Já se houve falar de alguns possíveis casos da Síndrome do Colapso das Abelhas nessas mesmas regiões.

Felizmente, ainda não ouvimos relatos sobre esses mesmos problemas na amazônia e região nordeste do País.

Nesses lugares, em especial o Nordeste, o principal problema enfrentado pelos apicultores é o abandono das colméias pelos altos índices de temperaturas durante os nosso verões. Pois é costume dos apicultores locais praticamente não usarem nenhum tipo de cobertura eficaz no combate as elevadas temperaturas.

O Pífano falará ainda muito bem sobre a apicultura de nossa região. Tenho certeza que ele ficou surpreso com o número de crestas sem nenhum tipo de transumância.

João Fernandes disse...

Olá caro Pífano, gostei muito das postagens que fez da visita ao meu apiário e meliponário e aos amigos da ACAM.Espero que volte em breve aqui em Manaus-AM para vê as novas espécies de meliponineos que tenho e novamente as queridas africanizadas livres de varroa rsrsrsr, pareçe que sua visita trouxe bons ares para minhas abelhas, pois este ano eu colhi bastante mel.
Um forte abraço!

João Fernandes
MANAUS-AMAZONAS-BRASIL

Alien disse...

Caro Kalhil,

De facto fiquei muito bem impressionado com tais abelhas e cm tal região apícola e as duas reportagens em falta sobre a região de Mossoró não tardarão muito a ser publicadas. Durante a semana que vem já sairá a primeira sobre os meliponíneos.

Abraços
Pifano

Alien disse...

Caro João Fernandes,

Que alegria receber noticias tuas.
Quanto ao meu regresso a Manaus, não insistam muito, olha que eu todos os dias penso nisso :)

Fico muito satisfeito por saber que continuas a aumentar a tua criação de meliponineos e Apis, se puderes manda umas fotos das novas abelhas sem ferrão.

Já sei que vão ter outra reunião no próximo fim de semana e que pena não vos poder acompanhar nessa iniciativa.
Espero que corra tudo bastante bem.

Um grande abraço
Joaquim Pifano

http://apiariosforte.blogspot.com/ disse...

Bom dia colegas, com relação as perguntas sobre cria giz(ascosferiose), no meu caso o excesso de umidade seria um fator determinante para que eu perdesse as colméias com esta enfermidade.Porém acredito que conforme literatura existente o que me mantem livre deste fungo é o manuseio das colméias e as temperaturas médias anuais aqui em minha região serem em torno de 28°C, e também não manusear os quadros de cria e abrir as colméias em dias frios.Nas épocas frias do ano, uso o redutor de alvado,deixando livre apenas uns 5cm para movimentação das abelhas, melhora a temperatura interna mas prejudica a ventilação e aumenta a retenção de umidade.Com relação a umidade estou providenciando agora para todas as minhas caixas a entre-tampa, com furo central.
Com relação a varroas, me lembro até hoje da dor de barriga que tive e desespero quando encontrei o primeiro ácaro em uma colméia minha, apenas em uma, eram bem poucos, vi por acaso, e achei que era o fim de meu apiário, depois observei que este ácaro não vem se alastrando dentro da colméia a ponto de causar prejuízos, eventualmente vejo um ou outro acaro ,mas nada de alarme, e tanto faz em enxames fortes ou fracos, defensivos ou mansos, sempre encontramos um ou outro ácaro, mas muito poucos;dispensando tratamento químico.
Com relação a umidade nos méis,em minha região é difícil de quantificar, pois os apicultores são mais amadores do que profissionais e vendem diretamente o mel, sem analises ou inspeções, mas acredito,segundo o pouco que conheço que fique entre 17 e 19%.E os tenho em estoque em casa,alguns ja antigos e não fermentam.

http://apiariosforte.blogspot.com/ disse...

Com relação aos colegas que estão comentando sobre orgânicos, a interpretação que se dá para orgânicos aqui no Brasil é bastante criteriosa e regulamentada por órgãos certificadores internacionais.No conceito de orgânico,não é permitido nenhum tipo de tratamento químico ou medicamentoso e todo material a ser utilizado no processo produtivo tem de ser originário de produtores orgânicos certificados,além de passar por um período de adaptação e vistorias feitas de surpresa pelos fiscais.

http://apiariosforte.blogspot.com/ disse...

Fiz uma postagem hoje sobre a produção orgânica de mel e para quem interessar tenho um arquivo em PDF sobre as normas para produção orgânica de mel ,e posso enviar por e-mail.

sapo disse...

Use sal no apiário faça limpeza ao redor e dentro da cx extermine a varoa

Anónimo disse...

Boa noite caro amigos, estou a procura de uma informação de extrema importância para minha saúde, sofro cm cervicalgia desde a c2 até a c6 e as dores são muito intensas e severas, estando eu em tratamento por três ano e nada me ajuda, pesquisando me informaram sobre a apiterapia onde a apitoxina é deixada pelas abelhas ao picar o local indicado de dor, e trazendo alívio, então gostaria de perguntar,- lhes por favor se sabem me informar onde posso encontrar tais profissionais que disponibilizam esse tratamento aqui em Manaus ?
Grata