16 novembro, 2011

Acherontia atropos, uma relíquia...

Na semana passada recebi um telefonema de uma amiga cujo conteúdo era no mínimo bastante insólito: “Capturei um bicho com cabeça de morcego, asas de borboleta e corpo de abelhão...”.
Pensei que finalmente alguém capturara um extraterrestre, ainda por cima em Portugal e logo uma amiga minha.
Minutos depois estava a presentear-me com uma caixa onde consegui ver por uma fenda um enorme corpo de vespa, muito maior que as vespas conhecidas. Num relance ocorreu-me que seria a vespa japónica e lembro-me de ter ficado boquiaberto com as dimensões gigantescas.

Numa segunda observação percebi que era demasiado peluda para vespa, as asas muito escuras e finalmente a característica caveira “desenhada” no tórax: tratava-se da borboleta caveira ou Acherontia atropos. Este lepidóptero tem o mau hábito de entrar pelas colmeias, iludir as defesas das abelhas e acabar por se banquetear de mel.
Os livros de apicultura de há uns anos atrás davam grande importância e até projecção a este “inimigos das abelhas”, saudosos tempos em que há falta de males maiores se lançava mão de tudo e mais alguma coisa para deixar os apicultores de sobreaviso.
Já na actualidade, com varroas, nosemas e loques, os desígnios do terror apícola mudaram de sentido, apontando armas a outros inimigos e perdoando ou tolerando velhas querelas.

Boa parte desses livros refere a Acherontia atropos como tendo atingido acidentalmente a Europa através de determinado navio carregado de batatas, vindo dos EUA. Uma vez no velho continente e à falta de melhor, adaptaram-se à pilhagem de colmeias onde se introduziam furtivamente e pilhavam o mel.

Contam as mesmas referências que os apicultores tentaram das mais variadas maneiras impedir o acesso da borboleta restringindo a entrada das colmeias o que trazia novo problema: o tráfego de abelhas era também ele muito perturbado.
Foram então estas últimas, e parece ser essa a sua sina, que encontraram mais uma vez a solução: Construindo túneis sinuosos de cera e própolis à entrada da colmeia, impediram ou dificultaram muito o assalto da “Borboleta Caveira”.
Em determinadas regiões do país não são raros os relatos de apicultores que as encontram já mortas e propolizadas no interior das colmeias.

Pormenor dos olhos, escamas e padrões da borboleta.

Pormenor da "caveira"...

Talvez um dos aspectos mais curiosos e até insólitos da biologia desta borboleta pode ser consultado na Enciclopédia Ilustrada de Apicultura, Volume I, de Roger Morse e Ted Hooper, de 1988 das Publicações Europa – América e que passo a transcrever:

É uma traça de grande beleza, medindo cerca de 51 mm de comprimento e com uma largura, de ponta a ponta das asas abertas, de cerca de 115 mm, ou mais.” (…)

É um animal interessante, pois produz um som agudo quando é perturbado. Ao entrar numa colmeia solta uma espécie de grito, que se julga servir para “assustar” as abelhas, impedindo-as de atacar. Acerca deste comportamento, existem relatos que vão desde o século XVIII aos nossos dias.
O som é produzido pelo sorver do ar para a faringe, o que leva a uma espécie de tampa (a epifaringe) a oscilar, produzindo um som vibrante de cerca de 280 pulsações por segundo, durante um período de cerca de 80 milissegundos. Depois de uma pausa de cerca de 80 milissegundos, a epifaringe fica aberta e o ar é expelido, produzindo uma espécie de grito em alta frequência, de cerca de 6 KHz.
É difícil aos humanos ouvir este som muito agudo, que dura apenas cerca de 40 milissegundos, quando a traça solta o seu primeiro grito, e tornando-se muito mais breve quando o insecto se cansa. Estes ciclos de inalação/exalação são repetidos com grande rapidez, chegando a verificar-se seis ciclos completos num segundo. Embora alguns dos escritores primitivos comparem o grito da traça com o som produzido pela rainha, existe pouca semelhança nas estruturas de cada um."

(…)
“… o som produzido pela traça é transportado pelo ar e as abelhas reagem ao seu grito (permitindo que entre na colmeia sem a atacarem) o que confirma a ideia que as abelhas ouvem os sons transmitidos pelo ar

De qualquer forma e audível ou não para os humanos, eu ouvi o característico ruído da borboleta após tocar-lhe com uma palhinha. E quem se interessar pode ouvir também, clicando em baixo, uma vez que consegui fazer uma gravação em áudio do dito insecto:



Após a sessão fotográfica e os registos de som, soltei a borboleta numa nogueira velha, onde ela se abrigou da chuva. Não sem primeiro a presentear com umas gotas de mel e que ela educadamente recusou (livra-te da fama…).

Bonitas gravuras retiradas de livros antigos de apicultura. Na primeira, R. Hommell consagra-lhe a quase totalidade de uma página, na segunda, Eduardo Sequeira "pinta-a" numa atmosfera bastante dramática, assinalando dessa forma o carácter do insecto para as abelhas... notável!!!

O ano passado ajudei uma colónia de vespas a passar o Inverno. Pior que isso, não era uma colónia era mesmo um grupo de fêmeas férteis. Este ano protegi uma Acherontia, e, para o ano não se surpreendam se eu vier com as tretas do costume acerca de algum pobre abelharuco ferido que não conseguiu encetar o voo de regresso a África…

3 comentários:

Anónimo disse...

As minhas saudações apícolas !
Fantástico ter conseguido gravar o som emitido pela borboleta. Acho que de ser inédito.
Tem umas bonitas cores, quando de asas abertas e nem merece a má fama que tem e que talvez derive do nome.
Não me parece que façam grandes mossas no mel. Este ano num dos apiários, em Setembro, quando abri as colmeias para o tratamento, quase todas tinham uma borboleta destas sobre um quadro de reservas mas... mumificada com própolis.
Acho que as abelhas não têm grandes problemas em lidar com elas.
Já quanto aos abelharucos ...
Parabéns pela reportagem.
Abelhasah.

Luís Vale disse...

Parabéns pela reportagem!
Com os "inimigos" naturais, as abelhas aguentam bem. Concordo plenamente com a atitude do amigo Pífano, quando ele ajuda e protege alguns "inimigos" das abelhas. A quantidade de mel que a borboleta caveira consome, é insignificante em comparação com a que as abelhas armazenam. Relativamente às vespas e aos abelharucos, eles limitam-se a capturar uma ou outra abelha no meio de milhares e milhares que existem no enxame. E muitas das vezes são abelhas debilitadas, pois são as mais faceis de capturar. Não mataremos nós mais abelhas quando estamos nas nossas lides apículas? Eu penso que sim.
Mais uma vez muitos parabéns!

Luís Vale

Anónimo disse...

Boas tb me entrou uma dentro de casa igual apanhei com um pano ele fez um som incrivel