Pouco passava das nove horas da manhã enquanto aguardávamos pacientemente pelo autocarro da Nordeste que nos levaria a Mossoró.
Junto com o troco das passagens vinha um lacónico comentário, nem era uma pergunta nem uma sentença, mas raiava as duas:
“…o que vão fazer lá naquele buraco quente?”
Certo é que pelo caminho me ocorreu que a desdita nem era assim tão destituída de sentido. Dias antes tínhamos saído da luxuriante floresta amazónica para o fresco litoral nordestino, mas o apelo do Sertão, dos horizontes longínquos e das abelhas exóticas foi mais forte e saímos dali para nos embrenharmos na Caatinga…
Do clima fresco e agradável de Natal passamos gradualmente para temperaturas mais altas e securas angustiantes. A vegetação e a paisagem em geral transmutavam-se desde a verdejante mata atlântica até à desolada Caatinga de arbustos espinhosos, secos e esquálidos.
À nossa espera em Mossoró estava o Kalhil Pereira França, meliponicultor e blogger que conhecera há cerca de dois anos por causa de uma gafe por mim cometida: classifiquei erroneamente uma abelha sem ferrão. De imediato o autor do conhecido blog “Meliponário do Sertão” se apressou a repor a verdade, vindo daí a constante troca de informação e a amizade.
Logo no primeiro passeio, numa pequena comunidade rural (Gangorra) visitamos o quintal do “Seu” Tuta, meliponicultor cujo terreiro apresentava um cuidado meliponário.
Chamou-me a atenção a quantidade de troncos instalados nas prateleiras ocupadas pelas colmeias. Logo me elucidaram que tais troncos albergavam colónias selvagens de meliponíneos, recolhidos na Natureza e que aguardavam a transferência para colmeias racionais.
Visitamos outra comunidade rural (Jucuri), casas com pequenos quintais rodeados pelas características cercas de pau, troncos e ramos muito arrumados de cor esbranquiçada. O solo de uma poeira avermelhada era ensombrado por árvores de uma verdura fresca a contrastar com a paisagem.
Era neste enquadramento que prateleiras, telheiros, tripés e outras estruturas de suporte albergavam algumas dezenas de colmeias com os mais diversos tamanhos e formatos.
A acompanhar tal variedade de caixas, assim eram as abelhas que as habitavam: verdadeiros zoológicos de abelhas sem ferrão, cada uma com seu comportamento e especificidades. De acentuar no entanto a harmonia que se verificava entre todas elas.
Aqui foram os cupins (térmites) que se instalaram junto aos meliponineos, verdadeira irmandade de insectos sociais.
Os meliponicultores, famílias e visitantes deambulavam pelo meio das abelhas como se das criaturas mais inofensivas e dóceis se tratasse e de facto assim era. Já tivera várias experiências mas para um criador de Apis mellífera nunca me vou habituar a estar num apiário activo sem pelo menos uma máscara de rede para me proteger.
Também observamos uma mostra da capacidade bélica destes dóceis insectos. Na impossibilidade de se defenderem com aguilhões venenosos, talvez mimetizem este comportamento e se “enfiem” pelo cabelo dos invasores, tentando desta forma dissuadir quem se lhes aproxime do ninho.
Nesta imagem vêem-se imensas abelhas a “atacar” o Kalhil, também a mim me presentearam com tais mimos e apesar da ausência de dor não se pode dizer que não incomodem.
De qualquer forma, o convívio entre as diversas formas de meliponíneos parece acontecer de uma forma harmoniosa e num equilíbrio perfeito, apesar duns raros mas também documentados conflitos.
Numa dessas visitas aconteceu assistirmos à chegada de um enxame a uma colmeia que por acaso tinham deixado sobre uma árvore. Nada a que não tivesse já assistido nas abelhas europeias, a não ser o facto raro, raríssimo, observado pelo Kalhil quando cerca de um mês mais tarde lhe enviei as fotografias desse enxame: a presença de uma princesa pousada na no tronco e já rodeada por outras abelhas.
Mais tarde, também visitamos o famoso e há muito desejado “Meliponário do Sertão”, propriedade do Kalhil, instalado numa varanda à beira mar.
Trata-se de um meliponário muito ordenado, diversificado em espécies de abelhas e modelos de colmeias. Tal como num apiário de Apis mellífera era imenso o tráfego de abelhas que chegavam e partiam das colmeias.
Dá que pensar a que pastagens as abelhas recorrem no litoral, fontes de néctar tão improváveis como as dos secos matagais do sertão. Apesar disso as colheitas são abundantes, sinal inequívoco que a flora, apesar de discreta é abundante.
Contou-me o Kalhil que a produtividade destas abelhas rivaliza com a das abelhas europeias. Feitas as contas, os decilitros de mel produzidos por uma colónia com dois ou três mil indivíduos em muito ultrapassa as médias das nossas colmeias com largas dezenas de milhares de abelhas.
Surpreendeu-me a forma como ele reforçou um desdobramento recente com criação: limitou-se a abrir uma colmeia muito forte de população e com as mãos nuas destacou uns discos de criação e colocou-as noutra colónia. Deve ter demorado menos de cinco minutos.
Imaginei-me a fazer uma tarefa semelhante: Deslocar-me uns 10 km até ao apiário, acender o fumigador, equipar-me, destapar a colmeia, retirar um quadro de criação e reforçar com ele outra colónia. Fazer tudo em sentido contrário e regressar a casa… 90 minutos? Duas horas?
Se mais razões não houvesse, o factor comodidade de trabalho só por si justificaria bastante a criação destes fenomenais insectos!
Impressionante também é a forma como o mel é embalado: em garrafas! O elevado teor de humidade e a baixa viscosidade tornam estas embalagens as ideais para esta especialidade. Também um orgulho para nós, portugueses, visto que elegeram a cortiça para proteger tão precioso líquido.
O pequeno Alfredo, que queria conhecer o “Portuga”, desde que ele não lhe fosse mexer nas colmeias, das quais se tornou no guardião mais dedicado:
Será que as aulas de educação ambiental para crianças, nomeadamente as questões de segurança, não justificariam a legalização da importação destas abelhas para o nosso país? Até poderiam ser instalados meliponários nas escolas para que os mais novos pudessem acompanhar o desenvolvimento e o maneio das abelhas sem ferrão…
Uma colónia de “Plebeias”, as que mais me impressionam pelo tamanho. Menores que um mosquito, mas que apreenderam com distinção os mandamentos da vida em colónia. Qualquer colher de mel ou arbusto florido bastam para as alimentar por muito tempo, mas também elas trabalham com afinco para encher os seus armazéns.
Também o “pão de abelha” dos meliponíneos é armazenado nos grandes alvéolos ou potes. Muito mais fácil de extrair que nos pequenos e apertados alvéolos da Apis mellífera, pena é que o seu sabor fermentado a vinagre o torne pouco agradável.
Um abraço e um agradecimento especial ao Kalhil Pereira França, à Shyrliane, ao pequeno Heitor, ao Alfredo e a toda a restante família, que tão amavelmente nos receberam e tiveram a paciência extrema de nos acompanhar e responder a todas as questões que os nossos frequentes rasgos de curiosidade nos acometiam.
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3 comentários:
As melíponas eram quase desconhecidas da maioria dos apicultores nacionais. Com estas fantásticas reportagens entraram, pode dizer-se, no nosso dia a dia.
O nosso agradecimento pelo conhecimento transmitido.
Abelhasah.
Feliz Natal para o Monte do Mel e todos os amigos!
Abelhasah
Khalil, sou eduardo costa porto, eporto@uol.com.br , http://youtu.be/yAKK-GZfCBU
gostaria de saber se você cria Uruçu-Boi(Melipona fulliginosa) e me confirme se ela é a maior melipona do Brasil
desde já agradeço sua resposta
abraço
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