Sempre gostei de insectos, em particular dos insectos sociais e dentro destes... as formigas.
Confesso que há uns bons anos nem gostava muito de abelhas, preferia as vespas, achava as primeiras muito “domesticadas”, pelo que perdiam a graça toda.
Ao mesmo tempo custava-me a “inutilidade económica” das formigas, pelo menos a económica positiva. Sabia que nunca haveria de ser um formicicultor, desculpem, um mirmecultor, é o termo mais correcto. Não havia nada que elas colectassem com valor, em quantidades rentáveis e passível de ser “crestado” pelo criador.
Mas na semana passada, o Sr. António Bonito, artesão de Avis, mostrou-me que eu estava errado. Contou-me uma história da infância dele, em que andava com o pai a guardar ovelhas. Nesse tempo a rapaziada do campo ligava pouco à Playstation entre outras inutilidades, tinha então como passatempo a procura e pilhagem de ninhos.
Parece uma barbaridade, mas é curioso como a rapaziada do campo nunca conseguiu extinguir nenhuma espécie de passarinho, ao contrário dos desequilíbrios ambientais provocados pela indústria moderna, inclusive a que produz as ditas consolas de jogos.
Voltando ao Sr. António, disse-me ele que um dia capturou um casal de rolas, retirou-as do ninho e propôs-se a criá-las numa gaiola construída com canas. Dava-lhes trigo, as cearas já estavam bem douradas no tempo dos ninhos de rola, ele colhia umas quantas espigas, debulhava-as à mão e alimentava as avezinhas.
Como tal trabalho era extenuante e com pouco rendimento, “estudou uma manha” para conseguir os grãos de trigo sem grande esforço. Abeirou-se de um carreiro de formigas que carregavam os ditos grãos a partir de uma eira, onde o trigo aguardava pela debulha.
Abriu um buraco profundo mesmo no local onde passava o longo carreiro, colocou uma lata lá dentro e aconchegou-lhe a terra à volta.
De ambos os lados da lata onde o carreiro fora interrompido, construiu uma ponte com dois paus espetados no chão e uma linha esticada a fazer a ligação.
Desta feita, as formigas subiam a custo pelo pau, passavam para a linha “bamba”, tremiam, oscilavam e lá ia a carga para o abismo de lata. Umas atrás das outras quase lhe encheram a enorme lata de trigo.
Contou-me ele que antes das formigas resolverem contornar o obstáculo, ainda juntou trigo para criar as pequenas rolas.
A ideia não me pareceu má, quem gosta de insectos sociais podia diversificar um pouco para a cerealicultura, o pior será mesmo convencer os proprietários da ceara. Por outro lado, as formigas poucas hipóteses tiveram com o fim das eiras, substituídas então pelas modernas ceifeiras. Até estas já enferrujam pelos campos, o trigo no Alentejo pouco mais é que uma miragem...
Esqueceu-me um pormenor, os idosos destas paragens quando “apanham” alguém mais novo gostam muito de os “entalar” com estas histórias-que-pouco-faltam-para-ser-verdade, mas creio que o Sr. António nunca me iria mentir com um assunto destes...
14 maio, 2009
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6 comentários:
Mestre Pifano, bonita historia
:) A veracidade só mesmo com a experimentação :) mas parece plausível, quem sabe não virão aí uns "caçadores de mitos" para testa-la :)
Na realidade, consta, que a formiga é bem mais inteligente que a abelha, creio que a abelha só consegue contar até quatro :(
Tive em tempos uns problemas com as formigas, em vez de as atacar, resolvi o problema de uma outra forma, mas, ando sempre de olho vivo, e desconfiado, para ver quando elas descobrem uma outra maneira de entrar nas colmeias.
Abraço
Ferradela
Estas são simplesmente deliciosas!
Tive colegas alentejanos nos meus tempos de marinheiro que contavam coisas fabulosas!
Sempre com aquele ar doce e sério que os caracteriza!
Quem não gosta de ser “entalado” com estas histórias?
Um abraço
Bom dia,
É uma sensação tão reconfortante que alguém partilhe estas "lembranças" de tempos idos.
Pois a vida não é só apicultura.
Parabens
Francisco
para que servem as formigas. Elas fazem tudo? dão mel? Fazem os olhos bonito?
anoñimo
O último anonimo, "anoñimo" de facto, é um amigo de infância.
o "fazem os olhos bonitos", acerca das formigas, era uma curiosa expressão que se ouvia nesse tempo.
Quando uma criança protestava que haviam formigas no açucareiro, diziam-lhes que não fazia mal, pois as "formigas fazem os olhos bonitos"...
Por falar em açucareiro eu também dividia o açúcar com as formigas!
Em miúdo como era guloso, roubava pequenas “torrões” de açúcar amarelo e escondia no pinhal em frente para ter uma guloseima de vez em quando. Sempre que me lembrava de ir buscar um “torrão” tinha que assoprar para afastar as formigas!
Por muito que me esforçasse para esconder a minha “pilhagem” da minha mãe, as formigas comiam a sua parte!
CP
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