Não conheço flora melífera mais surpreendente e enigmática que o “Cardo de Abelha” ou “Cardo Asnil”. Mas se quiserem parecer mais eruditos chamem-lhe Carlina racemosa L.
Já alguém se aventurou por caminhos de terra batida em pleno Verão Alentejano? Naquelas tardes em que o termómetro vai para lá dos 40ºC?
A paisagem é de pura desolação nalguns locais. Se seguirmos à risca a cartilha da correcta instalação de apiários decerto afastaríamos as abelhas desses sítios. Por vezes nem as ovelhas ou cabras mais esfaimadas se arriscam em tais pastagens.
Um olhar mais atento permite-nos ver manchas amarelo-esverdeadas aqui e acolá. Aliás, nem necessitamos de as ver: as picadas nas pernas lembram-nos constantemente que a opção de abandonar a estrada ou os trilhos não foi lá muito feliz...
Mas vamos focar-nos com toda a tenção nessas manchas de aspecto espinhoso e maravilhar-nos com mais um capricho da Natureza:
Essa vegetação espinhosa tem flores, pequeninas, amarelas e de aspecto ressequído:
Ainda assim, ninguém parece dar nada por elas. Uma planta tão espinhosa e de aspecto pouco viçoso, poucos benefícios parece trazer seja para que animal for.
Continuamos a admirá-la pelo estoicismo de “mais morta que viva” gastar as últimas energias na flor, quase seca e ainda “preocupada” com a reprodução...
Foram imensas as vezes em que vi o “Cardo de Abelha” completamente seco e cheio de flores. O amarelo das folhas (picos) chega a rivalizar com o amarelo das flores.
Não tarda muito que para “completar o quadro”, ouvimos o zumbido já nosso conhecido: abelhas nas proximidades. Centenas, milhares delas a deambularem por ali.
Ocorre-nos tudo menos o facto destes insectos aproveitarem tal floração para a recolha de néctar e pólen. Na volta andam na Melada de Azinho, mas já começa a ser tarde para esses açúcares! E não há outra floração num raio de quilómetros!
Olhem lá de novo, mas “com olhos de ver”: as abelhas andam mesmo no Cardo!!! Pousam e demoram-se em cada flor. Os pequenos botões amarelo-moribundo escondem muita vida, muito pólen e néctar:
Este ano, depois de uma Primavera muito aquém do esperado e de um Verão/Girassol ainda pior, voltei a insistir e colocar de novo as alças sobre os ninhos.
Confesso que a esperança não era muita, as florações principais tinham falhado e e o resto do Verão não parecia (parece?) muito promissor. Mesmo nos melhores dias de Girassol só via grande tráfego de abelhas nas primeiras horas da manhã e nas últimas da tarde, e nesse período (Junho/Julho) os calores eram quase “glaciais” quando comparados com os do mês de Agosto...
Foi então que num dos primeiros dias de altas temperaturas, por volta do meio dia (para ajudar à festa) resolvi passar por um desses apiários. Não ia à procura ou à espera de nada de especial, apenas parar o carro à sombra e olhar para as colmeias por trás do parabrisas (é mais seguro).
Notei logo que algo de anormal se passava: o vai-vem de abelhas era demasiado mesmo para um dos melhores dias de Primavera (ainda por cima ao meio dia). Ocorreu-me logo que andavam a recolher água para combaterem as altas temperaturas, mas o fluxo era em sentido contrário ao da fonte...
Um olhar mais atento permitiu-me ver que boa parte das abelhas regressavam “apernadas” de pólen, entre muitas outras que entravam e saiam apressadamente das colmeias.
Ainda é cedo para estimativas, de qualquer forma tal fenómeno já dura acerca de um mês, data em que fiz a cresta do Girassol e lhes devolvi as alças vazias. Semanalmente passo pelo local e a dita azáfama não parece querer parar.
Nem calculam a curiosidade que tenho em abrir as alças para ver o que se passa lá dentro, mas ainda não o fiz, nem farei senão no dia da cresta, da terceira cresta que espero fazer lá para finais de Setembro, e seja o que Deus quiser...
Acredito que tal buliço se deva à flor do Cardo que abunda nestas paragens. Há dois anos também fiz uma terceira cresta (2ª de Verão) à custa desta vegetação humilde, ainda assim de importância extrema no Alentejo. O Cardo de Abelha “aprecia” chuvas tardias, trata-se de uma herbácea e por isso detentora de um sistema radicular pouco desenvolvido, é de facto muito resistente mas não se lhe pode exigir o impossível...
Tenho alguma dificuldade em caracterizar o mel de Cardo, normalmente vem misturado com a Melada de Azinho e apresenta-se mais escuro. Também já o tenho colhido bem mais claro e a cristalização é mais ou menos rápida consoante as misturas de outros néctares.
À laia de conclusão, não devemos avaliar seja o que for pelo aspecto: uma paisagem que pouco mais parece dar que pedras e picos, esconde um verdadeiro "tesouro dourado" que permite não só a sobrevivência das nossas abelhas como também excelentes produções de mel...
02 setembro, 2009
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9 comentários:
Boa noite!
Realmente eu admiro o alentejo! Não fosse eu de lá... :-) Quando se pensa que está tudo seco afinal ainda existe vida e melhor ainda algo que dá algum sustento extra às nossas abelhas! Pena não existit tão grandes quantidades de cardo asnil para a minha zona.
Espero que a 3ªcresta seja muito produtiva e que toda essa azáfama das abelhas se traduza num excelente mel!
Já agora, acho que este ano vamos ter muitos eucaliptos a dar flor, talvez seja uma boa oportunidade para mais uma transumância!
Abraços
Hugo
A propósito do cardo asnil gostar de chuvas tardias, lembrei-me agora de um ditado alentejano "Chuvas em Agosto dão mel e mosto."
Ó Amigo Joaquim eu não aguentava esperar até á cresta para abrir as colmeias e saber o resultado de tanta azáfama, mas também diz o ditado que "saber esperar é uma virtude".
Abraço
António Sérgio
estamos sempre a aprender, muito bom post este, parabéns...
mot@
De facto não aguentei Sérgio, estive lá hoje... a curiosidade era mesmo muita.
Ia mal equipado e só consegui abrir duas alças, uma estava praticamente cheia e a outra mais pobre. Mas se há substrato para uma, as outras também têm esse dever, vamos aguardar...
Abraços
JPifano
Hoje constatei que a resistencia desta planta é brutal...
Num terreno perto de onde tenho as minhas (duas) colmeias, houve um pequeno incendio.
O Cardo resistiu ao fogo! Diversas plantas tinham flor viçosa, apesar de estar tudo queimado...
Esta planta é capaz ainda de ajudar a manter os meus dois enxames;
Tinham umas reservas tão reduzidas, que em Julho achei melhor alimentar (1:1), o polen elas procuravam...
Hoje estive lá, não levava fato, logo não abri, mas tenho que lá ir amanhã;
O movimento é enorme e a unica coisa que tiveram nas ultimas semanas foi o cardo! Mas muito!
Se calhar, esta plantinha é a responsavel pela futura sobrevivencia dos meus dois preciosos enxames...
João
Minha irmã esteve em Porrugal e trouxe um vídro de mel de Cardo. Não sabíamos o que era, mas achamos delicioso
Hj fui à procura do que se tratava e fiquei muito feliz em saber dessa planta tão peculiar e que nos dá essa iguaria
Muito obrigada
Renata Fioravanti
Olá Renata,
O Cardo de Abelha floresce numa região de Portugal
muito semelhante ao vosso Sertão, mas suponho
que esta vegetação não exista no Brasil
Att
Joaquim Pifano
Boa tarde
Este ano estou a pensar em por umas colmeias no cardo, e queria levar enxames novos onde o ninho ainda não está completo. A minha pergunta era a seguinte: elas vão puxar cera, ou só trabalham na cera puxada? Nunca fiz transumância, pelo que será a minha 1ª experiencia.
Obrigado
Olá Abelhamel
Desde que haja um bom fluxo de néctar as abelhas "puxam" a cera.
No entanto a floração do cardo, dada a época extremamente quente
em que ocorre são necessários cuidados extra como:
- Colocar as colmeias à sombra, de preferência que seja sombra
durante todo o dia.
- Apiário na proximidade de água, não muito mais que 50/100 metros
e se as colónias estiverem saudáveis e populosas muito facilmente
puxarão a cera e armazenarão mel.
Tudo indica que este será um bom Verão de produção de cardo, vamos ver como será...
Depois partilhe connosco a sua experiência
Bom trabalho!!!
Joaquim Pífano
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