Lembram-se deste enxame?
E as abelhas duram, duram, duram…
É espantosa a forma como estas abelhas sobreviveram mais de três semanas pousadas no tronco de um sobreiro. Durante esse período tiveram temperaturas próximas dos 10ºC durante a noite, ventos fortes e pelo menos três dias com chuvas muito fortes. Surpreendeu-me muito a ausência do estímulo e até da necessidade de procurarem abrigo nas condições adversas do mês de Outubro.
Tinha da minha experiência que na Primavera (época normal de enxameação), as abelhas chegam a passar 24 a 48 horas pousadas num local antes de partirem para o abrigo definitivo. Esse atraso pode dever-se à intempérie ou a outro estímulo qualquer.
Outras vezes nem chegam a partir, a morte acidental da rainha ou o facto de ter as asas danificadas (cortadas pelo apicultor para evitar a enxameação) impedem a partida do enxame. Nestes casos acabam por regressar à colmeia de origem, com algumas escaramuças entre as abelhas.
No entanto, o mais habitual é quando saem directamente da colmeia original para um local escolhido previamente pelas abelhas “batedoras”.
Desta vez nada disso se verificou. Mesmo que se tratasse de algum acidente com a rainha as abelhas podiam ter regressado à colmeia, o que não aconteceu. Ficaram ali “estacionadas” à espera nem sei bem de quê…
Durante a última semana pensava nisto todos os dias: como sobrevivem tanto tempo às baixas temperaturas sem qualquer protecção?
O que terá levado estes animais tão calculistas e ponderados a descurarem um comportamento tão básico e essencial como a procura de abrigo? Ainda por cima nesta estação do ano. De que se alimentam? Em três semanas decerto terão esgotado as reservas que transportavam. Estariam a construir favos ao ar livre?
Voltei ao local disposto a “perder” por ali umas horas, na esperança de ver alguma coisa menos habitual. Nomeadamente a chegada de abelhas carregadas de pólen ao enxame… sinal que poderiam ter criação!?
Primeira observação: o enxame original que na segunda semana se dividira em dois, voltara a juntar-se agora num único grupo, ao fim da terceira semana.
Segunda observação: De facto havia abelhas a partir e a regressar, decerto carregadas de néctar que distribuíam pelas outras, mas nada de obreiras com pólen.
Terceira observação, e a mais curiosa: A maioria das obreiras que regressava, entravam preferencialmente pela parte de baixo do enxame. Onde as abelhas nesse local pareciam abrir-lhes uma “passagem”, um género de orifício que rapidamente fechavam voltando à forma habitual. Tentei fotografar o “fenómeno”, mas aquela massa movediça de insectos não permitiu um contraste suficientemente visível nas imagens bidimensionais.
No entanto esse movimento notava-se perfeitamente na observação directa, lembrava uma pedra a cair na água. Vi nitidamente as abelhas a pousarem noutros locais do “cacho” onde nada disso se passava.
Devo confessar que nessa altura me lembrei das Formigas Legionário, comuns nas regiões tropicais e que não constroem abrigos. São nómadas, deambulam continuamente pelas florestas e pradarias. Quando o estímulo da procriação se faz sentir os insectos agrupam-se num grande cacho, construindo como que um formigueiro vivo e é aí que a rainha põe os ovos, as larvas eclodem e passam os primeiros tempos de vida protegidas e alimentadas pela multidão.
Até presenciei o ataque de uma vespa que depressa mudou de ideias face às dimensões da “presa”:
Seria curioso encontrar uma colónia de abelhas com tais características nómadas… Curiosidade sim, tive eu em deixá-las ficar por ali indefinidamente. Já agora queria ver como a “história” acabava: ou partiam para um local mais seguro ou sucumbiam aos rigores da estação que se aproxima. Ou sobreviveriam???
Acabei por me decidir pelo coração, em detrimento da razão. Decisão tão voluntária quanto mo permitiram alguns amigos que me espicaçavam continuamente o espírito via correio electrónico, para salvar as abelhas, claro.
Munido de uma escada e de um núcleo de cinco quadros, resolvi resgatar o malfadado enxame, encarando-o sempre como uma perda de tempo face à dependência alimentar que uma colónia nestas condições representa. Ou não*…
Começava aqui a “bandalheira” digna de figurar na rubrica das histórias parvas do montedomel:
Cedo percebi que a escada não era suficiente para alcançar a pernada onde se encontrava o enxame. Não tinha tempo, nem vontade, para ir buscar outra mais comprida. Descurei todos os ensinamentos acerca da segurança no trabalho e resolvi colocar a dita escada apoiada sobre núcleo que devia receber as abelhas.
Mais cedo ainda, percebi também que ficara sem recipiente para amparar as abelhas quando as removesse do tronco, e para isto não havia qualquer solução. Pedi à Luísa que me encontrasse um oportuno saco, nem que fosse de plástico, na carrinha emprestada. O utensílio mais parecido com um saco foi mesmo um… guarda-chuva! Bendita Providência, assim não se perderia uma só abelha.
Já montado na escada, de guarda-chuva em punho, ocorreu-me que se o “poleiro” resvalasse tinha à mão um excelente pára-quedas para amortecer o tombo. Felizmente não foi necessário, as abelhas entraram bem no saco improvisado e melhor ainda as transferi para o núcleo.
Um punhado delas regressou à árvore, derrubei-as com um ramo e deixei o núcleo no local para as mais retardatárias.
* Ainda não acabou a epopeia das “Apis mellífera duracellii”, faltam-lhes mais de 300km para chegarem ao destino. Vão para o Porto, oferta ao meu amigo Octávio Rodrigues, pela resistência e perseverança destas abelhas e que também o caracterizam.
Aliás, foi ele o principal mentor do seu salvamento, à custa da minha consciência e de um desfecho mais científico para este episódio…
Um abraço para o Octávio e para a Ana, iniciados na apicultura, mas que tanto nos têm ensinado!
15 outubro, 2010
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8 comentários:
HEHEHEhehehehehehe
Que número de equilibrismo!
Não me tinha apercebido que o enxame estava tão alto!
Ricardo
Estou com lágrimas nos olhos....e sem palavras.
O Homem, As Abelhas e a Amizade
Num ano particularmente difícil, o astral, a disposição e o semblante têm andado carregados.
Por um lado, no aspecto da saúde; duas intervenções cirúrgicas em 6 meses. Uma hipótese de experimentação dum novo medicamento, cuja ansiedade aumenta à medida que as limitações físicas e as dores aumentam, mas, ainda, há espera, que a administração de um hospital público dê o seu aval, porque – economicamente há crise!?
Por outro lado, no aspecto profissional, com um processo de fusão de duas empresas, a sobressair tudo o que de negativo acontece, leva, qualquer ser humano para a escala negativa de qualquer “bio-ritmo”.
Perspectivava-se, deste modo, mais uma semana difícil.
Por regra, começo o meu quotidiano no meu PC, em busca das chamadas “boas notícias” ou, leituras “positivas”.
Também por regra, visito o MONTE DO MEL, de onde retiro bons ensinamentos e/ou mensagens do mundo apícola.
Mensagem retirada hoje – o sofrimento -. Sofrimento daquelas abelhas; as adversidades climatéricas; a ulterior união dos dois grupos, numa evidência clara de que a “união faz a força”; a perseverança; a resistência; a fome; a luta.
Retiramos, também, o sentimento da consciência dos Homens Bons, no caso em apreço de um encantador casal, de dar uma oportunidade de sobrevivência a uma comunidade, promovendo o “encaminhamento” deste grupo para uma nova casa, com riscos acrescidos, de uma potencial aparatosa queda de eminentes consequências corporais, tal como visionado nas fotos, onde não faltou o recurso a situações de improviso.
A Amizade – oferta do enxame aos titulares destas palavras, que interiorizaram todos estes sentimentos ao sentido gesto de preocupação, lembrança, entre-ajuda, que vêem com grande emoção tão enorme gesto, relevamos o nosso muito Obrigado por tão simbólico e importante acto.
Bem Hajam Amigos Quim e Luísa
Octávio e Ana.
Estavas mesmo a pedir um episódio idêntico a outro que já relataste aqui no blog que metia, enxame na árvore, pastor, apicultor escada mal amanhada, hospital etc etc.
Como se diz: faz o que eu digo não faças o que eu faço.
Próximo destino: circo do soleil.
Prezado Pífano,
Que maravilha de postagem, as abelhas são surpreendentes, como conseguem permanecer tanto tempo dem condições tão adversas...
Gostei foi do uso do guarda chuva, acho que alguém deve rescrever o manual de práticas apículas e incluir o mais novo instrumento de captura, o quarda-chuva...rssss
Grande abraço,
Kalhil P. França
Meliponário do Sertão
bem que historia, eheeehe
adorei!!!!!
Parabéns pela postagem. Muito eficiente e criativo o uso do guarda-chuva.
Forte abraço e que Deus te proporcione um 2012 cheio de alegrias e conquistas.
Peterson.
Olá Peterson,
Obrigado pelo comentário,
Votos de BOM 2012 para ti !!!
Joaquim Pifano
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