30 agosto, 2009

CRIAÇÃO DE RAINHAS: Quadros Articulados para Nucléolo e Alça

Como o prometido é devido lá fui visitar o amigo Vicente Furtado, movido pela saudade e pela curiosidade acerca da “misteriosa” invenção que me tinha falado ao telefone.
É sempre uma alegria rever os amigos, mais ainda quando comungamos de opiniões e interesses semelhantes, neste caso: as abelhas...
Era grande a minha expectativa em torno do novo tipo de quadro inventado pelo Vicente, (Vicente Algarvio – como lhe chamam os amigos). Tratava-se de um quadro de alça dividido ao meio e adaptável para os nucléolos de fecundação ou para as alças.

O objectivo era colocá-lo numa alça com uma lâmina de cera moldada para que as abelhas puxassem a cera e lá colocassem mel, pólen e criação. Uma vez completo, a grande novidade: podia dobrar-se ao meio obtendo-se um duplo quadro pronto a utilizar num Nucléolo de Fecundação e Estágio.

Para quem faz e gosta da Criação de Abelhas Rainhas, a disponibilidade de quadros com estas características é sempre uma mais valia. No entanto, a procura do modelo de quadro ideal é mais um dos muitos “mitos apícolas”:
Os mais conhecidos são os quadros desmontáveis, com um sistema de encaixe mais ou menos complexo (em madeira, metal ou plástico) e que permitem o seu uso alternado nos ditos nucléolos ou em alças ou ninhos. Os principais problemas prendem-se quase sempre com a eficácia do encaixe, muitos soltam-se ou partem-se com facilidade, e quase sempre resultam numa estrutura pouco firme ou segura.
Há quem resolva o problema usando quadros de ninho ou alça em Nucléolos de Fecundação/Estágio exageradamente grandes, que obrigam a um maior consumo de cera, reservas nutricionais e até a uma maior disponibilidade de abelhas. Vale-lhes no entanto o facto de tais quadros poderem ter outras aplicações.
Por fim, os quadros pequenos só para nucléolos, difíceis de puxar a cera com tão poucas abelhas, ou que obrigam a cortar cera puxada de quadros maiores para montar nestes pequenos caixilhos. Para não falar na armazenagem e conservação destas estruturas fora da época de criação de rainhas, pois não têm outra utilidade.

De tanto trabalhar, matutar e aperfeiçoar estes “utensílios” o Vicente “Algarvio” conseguiu um novo mecanismo de quadro convertível, aparentemente muito mais eficaz que qualquer outro dos modelos conhecidos.
O “truque” desta invenção prende-se com a engenhosa dobradiça a meio do quadro que permite transformar um quadro de alça em dois de Nucléolo, sem nunca se separarem as duas metades.

As dobradiças metálicas (chapa zincada), muito funcionais e fáceis de fabricar, ainda permitem a fixação do “duplo quadro” ou “quadro dobrado” na câmara do Nucléolo:

Na imagem anterior, a forma das quatro dobradiças (duas para a parte superior do quadro e duas para a parte inferior), mais dois pregos para fixar cada dobradiça e um rebite para unir as duas dobradiças de cada par de modo a permitir a rotação entre elas.

Na anterior sequência de imagens percebemos a rotação que permite transformar o quadro de alça (ou meia alça) num duplo quadro de Nucléolo de Fecundação/Estágio.

O mesmo esquema das dobradiças, mas que nos permite ver a diferença entre as montagens inferior e superior. De notar que nas dobradiças superiores há uma tira metálica mais comprida que ao ficar exposta após a dobragem permite fixar o quadro no encaixe do nucléolo.

Nas imagens anteriores (esquemas da dobragem do quadro vista por cima e por baixo) permite-nos perceber o mecanismo relatado no ponto anterior.

Estes Nucléolos de Fecundação/Estágio são ligeiramente diferentes dos apresentados em (Nucléolos de Fecundação e Estágio de Abelhas Rainhas: http://montedomel.blogspot.com 21/02/2009), uma vez que deixamos de ter dois nucléolos por módulo, ou seja: desta forma cada caixa só nos permite colocar uma única rainha ou alvéolo real. A vantagem deste método, além da versatilidade do quadro, tem a ver com a população acrescida de amas para cuidar da rainha/alvéolo real, uma vez que trabalhamos com um quadro duplo:

Legenda da figura anterior:
1.Câmara para o alimento artificial.
2.Encaixe da dobradiça do quadro.
3.Acesso das abelhas ao alimentador.
4.Câmara do quadro e das abelhas.
5.Porta de entrada/saída de abelhas.
6.Encaixe ou suporte normal de quadros em chapa zincada.

Na próxima figura podemos ver um apiário de módulos com dois nucléolos (por cima), e por baixo um apiário com o novo tipo de nucléolos, de quadro duplo ou dobrado:

Tanto a forma do apiário como o sistema de ancoragem do Nucléolo aos suportes de fixação é perfeitamente indiferente, pois o modelo de Nucléolo apresentado neste artigo poderia perfeitamente ser utilizado em estruturas como as da parte superior da imagem e vice versa.

Outras diferenças/semelhanças aos Nucléolos anteriores:

Este nucléolo já não possui paredes laterais em vidro para monitorização do interior, esta é feita por cima mediante o uso de uma “prancheta” em acrílico muito fino. É nesta tela de acrílico que se encontra um orifício (tapado com fita gomada) por onde se introduz a rainha ou se coloca a cúpula com o alvéolo real.
É curioso o pormenor que o Vicente fez: um orifício no forro em esferovite da tampa do Nucléolo, onde a cúpula que suporta o alvéolo real vai encixar:

A dita “prancheta” de acrílico possui um segundo orifício sobre a câmara do alimento artificial por onde se adiciona o xarope. Esta prancheta é presa à caixa de madeira (Nucléolo) com fita gomada, evitando assim perder-se ou cair para o chão quando a mesma se abre.
A porta de acesso ao interior/exterior, à semelhança dos nucléolos anteriores, trata-se de um disco rotativo que permite várias posições:
Acesso a todos os tipos de abelhas (Rainhas, Zangãos e Obreiras).
Acesso restrito a Obreiras.
Sem acesso (entrada ou saída) de qualquer tipo de abelhas, mas permitindo a ventilação:

Os alimentadores também me pareceram mais versáteis, bastou para tal forrar a câmara de madeira com “chapa” de estanho (acho que é esse o nome), inclusivamente reciclando aquelas que vêm com as empadas...

À data da Visita não sei se o Vicente já se encontrava a patentear este novo tipo de quadro articulado, mas confessou-me ser seu objectivo fazê-lo.

Uma última curiosidade: à despedida perguntei ao Vicente “Algarvio” se não se importava que publicasse/divulgasse as imagens e pormenores deste quadro, ao que ele me respondeu com aquela humildade que tanto o caracteriza:

“Se não divulgássemos as novidades e as descobertas que vamos fazendo, isto não teria graça nenhuma, a magia da apicultura é isso mesmo...”

26 agosto, 2009

MONTEMORMEL - Colóquio e Concurso de Mel


A Montemormel – Associação dos Apicultores do Concelho de Montemor-o-Novo, convida todos os Apicultores e público em geral a participar no colóquio a realizar no dia 5 de Setembro de 2009, no Auditório da Freguesia de Nª Sª da Vila - Montemor o Novo, Largo Dr. Banha de Andrade em Montemor-o-Novo (junto ao quartel da GNR).

Programa:

9h30mDr. Filipe Nunes (Hifarmax) Apresentação do produto para tratamento da Varroose – THYMOVAR

10h00m Dr. Antonio Gomez Pajuelo – tema “O colapso das colónias de abelhas”

12h00m – Entrega dos prémios do XI Concurso de Mel de Montemor-o-Novo

12 agosto, 2009

Poupar Ceras

Muitas foram as vezes em que apicultores se me desculparam de não trocar as ceras velhas por causa do elevado custo desta operação.
De facto, um quilograma de lâminas de cera moldada pode chegar aos 8,00€ e até aos 9,00€, conforme os escrúpulos de quem a vende. Se bem que o preço médio seja substancialmente mais baixo, arriscaria a dizer entre os 6,50€ e os 7,50€. Ainda assim, e comparativamente aos preços do mel, podemos afirmar que se trata de um produto muito caro.
Quem teve o trabalho e a paciência de aproveitar, fundir e apurar toda a cera dos quadros velhos substituídos, colmeias que morreram, opérculos e quadros quebrados durante a cresta, conseguiu decerto um “bolo” de cera considerável para trocar por cera moldada. O que lhe permitirá significativas poupanças. O custo da moldagem poderá oscilar entre os 1,50€ e os 2,00€ e às vezes mais uns “trocos” consoante as necessidades de quem a comercializa...

No entanto ainda há mais uma série de problemas:
A origem da cera
O teor de parafina
Outros aditivos
A maior ou menor elasticidade
A cor
O aroma
etc

Enfim, uma série de requisitos que levam os apicultores a comprar esta ou aquela referência, neste ou naquele local, mais por uma questão de fé que por outro motivo qualquer, à semelhança de tantas outras decisões no sector apícola.
Mas desta vez o “assunto” é outro, vamos usar a cera que temos e aproveitá-la/poupá-la de modo a ter sempre ceras novas nos quadros do ninho e alças, sem que com isso tenhamos de dispor de muito dinheiro.

Um dos métodos que mais utilizo, obviamente que não há aqui grande magia, pois o espaço de manobra é curto, trata-se de usar cera de dimensões inferiores ao quadro, nomeadamente:

Cera Reversível em Quadros Lusitanos
Cera de Alça em Quadros Reversíveis

Tal procedimento faz com que a cera fique “aparentemente” mal fixa ao quadro, na medida em que não chega aos arames inferiores. O que nunca me trouxe qualquer problema, como poderão observar nas imagens seguintes:

Neste caso podemos ver o arame inferior porque a colmeia não estaria bem nivelada aquando da construção do favo, o que é irrelevante para o efeito.

Poder-se-ia argumentar que na imagem anterior as abelhas não construíram a totalidade do favo, onde faltava a lâmina de cera. No entanto e como podem ver pela quantidade de pólen acumulado nesse local, trata-se antes de uma fase de recolha tão activa que as abelhas se apressam a utilizar todo o espaço disponível para armazenar néctar e pólen, mesmo antes da conclusão da totalidade dos alvéolos.
De qualquer forma, posso afirmar que noventa e muitos por cento dos quadros se assemelham à primeira destas três imagens, ou seja, os favos ficam exactamente iguais ao que ficariam se tivesse usado lâminas de cera completas.
Com isto tudo consegui uma poupança superior a 30% de cera...

Ao usar a cera de alças nos quadros Reversíveis o procedimento e os resultados são de todo semelhantes.
Já nas alças opto mesmo p'la “extravagância”, uso o formato próprio para alças, como a urgência é “puxar cera” e encher de mel prefiro não arriscar. Aliás, acho um exagero utilizar o termo arriscar, pois se se tratar de uma colónia populosa e com boas fontes de néctar, com ou sem lâminas de cera moldada os favos crescem rapidamente.

Os únicos “riscos” decorrentes deste prática poderão prender-se essencialmente com a orientação dos favos na ausência das lâminas de cera que lhes serviam de guia, senão veja-se o descrito em: (FAVOS DE COLMEIA E DE CORTIÇO – 29/07/2009). As abelhas “puxam” a cera até ao fim das lâminas e depois podem reorientar os favos segundo o dito ângulo em relação ao Norte Magnético.

Na figura anterior (uma colmeia aberta, vista por cima) as abelhas “puxaram” os pedaços de cera moldada e depois reorientaram os novos favos de uma forma mais natural, independentemente da posição dos quadros.
Aliás, creio que toda a gente já viu o resultado quando nos esquecemos de completar o ninho com os quadros em falta após um desdobramento: os favos naturais (sem cera moldada) podem ser paralelos aos quadros já existentes ou surgirem numa posição mais caprichosa:

MUITO IMPORTANTE: Devo informar que nunca me aconteceu nada semelhante ao esquematizado na penúltima imagem. Apesar da cera moldada que coloco nos quadros do ninho (Lusitanos e Reversíveis) não ocupar todo o quadro, as abelhas continuam o favo até abaixo como se tivessem uma lâmina de cera completa.
Volto portanto a referir que este método compensa bastante em termos de poupança de cera.

Outra forma de chegar ao mesmo resultado alterando um pouco o método e poupando 50% da cera, passa por cortar as lâminas de cera moldada na diagonal. Era um método que via usar nalguns apicultores em Portalegre.
Neste caso, uma lâmina de cera Lusitana dava para dois quadros Lusitanos, e uma de cera Reversível para dois quadros do mesmo modelo:

Talvez seja mais correcto e a montagem fique mais resistente, se não fizermos passar o corte diagonal pelos cantos da lâmina de cera. Até porque os referidos apicultores procediam dessa forma, obtendo na mesma dois pedaços exactamente iguais:

Exactamente o mesmo procedimento para os quadros Reversíveis:

A próxima imagem, fotografia tirada em Portalegre há cerca de oito anos, documenta uma situação menos feliz, mas que obviamente não atribuo ao corte da cera e sim à sua qualidade ou outra razão qualquer:

Até porque este método me parece mais eficaz que o que pratico, pois se por um lado poupa 50% da cera (em vez de 30%), por outro, o facto de uma das extremidades da lâmina vir até ao limite inferior do quadro impedirá os possíveis desvios à orientação dos favos.

Finalmente, a “poupança total”: ideal para os tempos que correm.
Esta foi-me contada por um amigo, que ainda a deve ter em projecto, pois não sei se já a praticou. Consiste em cortar uma lâmina de cera em várias tiras (muitas), colocar cada tira num quadro e deixar as abelhas construírem o resto...
Tal método pode levar a uma poupança de 80% de cera, excelente, não posso é garantir que desta forma não suceda mesmo o que temíamos lá atrás... E quando nos prepararmos para retirar um quadro do ninho os outros nove não venham acompanhá-lo por simpatia...
Sempre podemos é orientar a colmeia e os respectivos favos no ângulo natural, relativamente ao Norte Magnético.
Agora a sério, quando me referiram este último método foi mais no sentido de obter cera biológica de facto, uma “guia” fininha para orientar as abelhas no topo do quadro e toda a cera restante vinda directamente do corpo das abelhas. Esquecemo-nos é que dentro de poucos meses a nossa cera biológica irá contactar com mais acaricidas...

11 agosto, 2009

Mel Directamente no Frasco

Mais uma das muitas artes e curiosidades do nosso amigo Vicente Furtado, de Lagos – Algarve.
Nas várias visitas que lhe fiz, era comum ele gracejar com umas abelhas “especiais” que faziam e colocavam o mel directamente no frasco. Era uma grande poupança em termos financeiros, de tempo e trabalho, pois tais abelhas evitavam as alças, a cresta, a extracção e inclusivamente a própria melaria.
Um dia resolvi confrontá-lo com tal afirmação, pois fiquei curioso em relação a tal prática.
Foi quando ele me mostrou um frasco que em vez de mel tinha favos, mas não eram pedaços de favo como é comum alguns apicultores fazerem, tinha os favos fixos pelas próprias abelhas no interior do frasco!!!

Ainda não estava refeito da surpresa quando ele me contou e mostrou a forma como as suas abelhas faziam tais habilidades:

Uma prancheta modificada, com nove buracos, onde coubessem as bocas dos frascos que ficavam assim seguros nessa posição. Após esta montagem era colocada uma alça vazia sobre o conjunto para protecção dos frascos.
Sem lâminas de cera disponíveis ou outro espaço para a construção de favos, as abelhas acediam ao interior de cada frasco e era aí que construíam os favos, enchendo-os posteriormente com mel...

Finda a produção, a cresta resume-se à recolha dos frascos sobre as ditas pranchetas modificadas, basta colocar a tampa, o rótulo e... vender ou oferecer aos amigos...

Na foto anterior, o Vicente exibe um dos ditos frascos de mel e o cartaz que legendava tal fenómeno quando ele o apresentou no Congresso de Apicultura realizado nos Açores em 2004.

08 agosto, 2009

A Grande Colheita

Em resposta ao pedido que fiz em 18/07/2009, o nosso amigo e já bem conhecido Kalhil Pereira França, resolveu contribuir com mais um fantástico relato sobre a sua “apicultura” de abelhas sem ferrão, nomeadamente numa descrição muito humana sobre o dia da cresta.
O sentimento patente nesta reportagem consegue angariar mais novos apicultores/meliponicultores do que um tratado cientifico sobre o assunto, vão por mim e desfrutem esta “estadia virtual” num dos locais mais bonitos do mundo...


A Grande Colheita
Eram 05:00h quando já estávamos todos de pé, arrumada as malas no carro nos dirigirmos, ainda no alvorecer da manhã, em direção a Taboleiro Grande - RN. Hoje era o dia tão esperado da grande colheita, há dias vinha adiando por causa das chuvas a colheita do mel do Meliponário rural.
Mas passada o tempo das grandes enchentes, foi só o tempo melhorar para ver a florada ressurgir no Sertão, há flores por todos os lados, mesmo as colônias do Meliponário urbano, onde em tese a florada é menor, estão com excelentes reservas de pólen e mel.
Pisamos fundo e encaramos a BR que liga Mossoró a Taboleiro Grande, devido ao tempo ruim dos últimos meses, a estrada não ajuda e temos que dirigir com cuidado devido à presença de muitos buracos, depois de duas longas horas de viagem chegamos ao lugar de nossas raízes.

Primeira parada foi casa da tia Júlia para tomarmos aquele café reforçado à base de muito cuscuz, café com leite, ovos, coalhada e o famoso queijo do sertão, tudo fresquinho, como só a Dona Júlia sabe fazer.

Todo mundo de barriga cheia partimos a pé, pois a estrada ainda não passa carro, até a zona rural da pequena cidade, Taboleiro Grande só tem de grande o nome, é terra de gente humilde, trabalhadora e acima de tudo guerreira, viver aqui é ver o tempo passar devagar, sem presa, sem destempero e agonia.

A tranqüilidade é tamanha que os populares não usam trancar suas portas, carros e motos dormem na rua, pois todos sabem que não haverá ladrões a roubarem. No mais, segundo me contam os únicos dois policiais da cidade, uma galinha vez por outro desaparece misteriosamente do galinheiro de alguém ou mesmo é preciso levar algum bêbado mais afobado para casa.

Percorremos a estradinha e atestamos a beleza da florada, tudo flora, desde o Mandacaru até a Jurema, o mata pasto está coberto de flor, do mesmo modo que a cabeça de galo, até as plantinhas mais miúdas explodem de vida e beleza, no sertão é assim, quando chove tudo floresce, ressurge, renasce... A vegetação parece saber que ela só tem aquele momento para se multiplicar, florar, alimentar aqueles que têm fome.


O colibri canta, passeia de galho em galho sobre grandes pés de Juazeiro, as borboletas perambulam entre os estames das flores, o João de barro se apressa a montar a sua casa, ele como nós sabe que é tempo de fartura, tempo de namorar, casar e perpetuar a espécie. Como é belo o Sertão, sempre faceiro aos nossos olhos, pena não percebermos quase sempre.

No caminho o cheiro gostoso da mata verde penetra nosso peito, a cada passo o cheiro muda de acordo com planta que flora, o mais intenso é o pé de mufumbo. Quanto mais andamos mais sinto perto a presença Deus junto a nós, na correria diária da cidade grande muita vezes esquecemos que ele está presente em cada flor dessas, em cada paisagem que vemos, em cada animal que passei pelos campos e principalmente, dentro de nós mesmos.

Atravessarmos mais uma vez o Rio Apodi que corta a propriedade e vamos ao longe vendo aquela casinha no alto do morro, mesmo longe conseguimos ver o casal de velhinhos em pé a nos esperar, acenamos com os braços e eles repetem o gesto, acalentam o coração, mesmo ainda distantes, pareço sentir o cheirinho dos cabelos brancos daqueles velhinhos.

Após superar a última ladeira e o último chechero de pedras, vejo meus avôs com o sorriso que mais parece não caber na boca. Aquele abraço forte, demorado, sinto o tempo parar nesse instante de alegria e alvoroço, meu coração mal cabe no peito de tanta alegria, quem vê assim pode pensar que faz uns 10 anos que não os via, mas só fazia duas semanas, rsrs. Temos o dever de conviver com os nossos velhos, temos que aproveitar ao máximo todos esses momentos, pois eles não voltam nunca mais, de resto, nos ficarão as lembranças dos bons momentos juntos, momentos esses inesquecíveis.

Passado o calor inicial da recepção, vamos aos apertos: - Você cabra, esqueceu de amarrar os cortiços que abriu semana retrasada viu, quase que caíram!!!! – Eu sei vovô, eu sei...Me desculpa....rsrsrsrsrs.

Depois de levar os puxões de orelha merecidos, fui tomar caldo de cana com limão moído na hora, depois de tanto caminhar esse caldo caiu do céu, pois a sede era imensa.

Botamos o papo em dia: A vaca pariu; os pintinhos de sua avó nasceram; duas Jandaíras enxamearam; os limoeiros estão carregados; o jumento fugiu e pra terminar, a raposa comeu dois patinhos novos de seu tio Wilson, tem papo melhor que esse!!! Não tem mesmo!!!

Às 9:30h inicio a arrumação da sala de colheita, separo o material, sugador, facas, garfos, garrafinhas, máscaras e luvas cirúrgicas, tudo limpinho e esterilizado para garantir a qualidade do mel, a higiene é importantíssimo para garantir a vida útil (e comercial) do mel, se colhido de outra maneira, facilmente se contamina e não pode ser estocado.

Começo a abrir as colônias selecionadas e aos poucos vou colhendo com ajuda de muitos olhares curiosos (e gulosos), todos estão a esperar pela minha autorização para roubarem alguma garrafinha de mel Jandaíra para saborearem. No início não deixo ninguém mexer, principalmente pela agonia de tentar terminar o mais rápido possível, pois no decorrer do trabalho as abelhas vão ficando irritadas e cada vez mais estressadas, mas depois vou autorizando alguns furtos.
É festa no Sertão, cada caixa que abro vem àquela pergunta de sempre: Essa ta gorda??? Está gente, essa também ta cheia de mel.

O mais difícil não é colher, é tentar enganar as abelhas campeiras colocando uma caixa vazia no lugar de sua casa para poder colher o mel. A cada troca levamos aquela surra, e que surra, quem pensa que toda essa operação não dá trabalho se engana, as Jandaíras não tem ferrão, mas em compensação tem uma força na mandíbula que cada mordida mais parece um alicate de unha beliscando. O ajudante se lascou, rsrsrsrs...

Terminado o trabalho o mel é separado na geladeira para decantar, devido à coleta ser com um sugador, o mel fica cheio de espuma e é preciso que ele descanse para que só depois a gente engarrafe.
Após o almoço e uma bela soneca na rede arrumamos tudo de novo e pegamos a estradinha de volta, do mesmo modo da chegada, recebo aqueles abraços carinhosos e me despeço prometendo não demorar.

Ao descer a ladeira da Casa Grande olho para trás e os vejo em pé, acenando juntamente com o resto da grande família, tios, primos, noras, genros, agregados etc. O coração aperta, mas tenho que partir, mais vez a cidade grande me espera, pois amanhã é segunda-feira e começa tudo de novo. Trabalho, trabalho e mais trabalho...

Já na saída, paro para apreciar a vista da entrada de Taboleiro Grande, no fundo a Serra da cidade de Porta Alegre que a noite podemos ver as luzes em cima, parece proteger a pequena cidade de Taboleiro Grande. Mesmo cansado, ainda deu tempo para registrar esse belo fim de tarde no meu Sertão do Rio Grande do Norte

Mossoró-RN-Brasil, 26 de julho de 2009.

Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão
www.meliponariodosertao.blogspot.com