31 agosto, 2014

Calendarização da Alimentação Artificial

Desde que tenho “memórias apícolas” que os apicultores referem uma mortalidade de cerca de 5% nas colónias durante o Inverno. Este número pode oscilar três ou quatro pontos percentuais, sendo mesmo assim considerada normal.

Nos últimos seis ou sete anos a perda invernal de efectivos subiu consideravelmente nalgumas regiões, tendo atingido os 50% e até mais, se bem que ultimamente ande abaixo dos 20%.


A lista negra:

- Varroa (tem as costas largas, aguenta com qualquer culpa)
- Nosemose (suponho que foi mais uma “nosemose cerebral” e estratégica)
- Um virús israelita (sim, também matam abelhas)
- Alterações Climáticas (cuidado, esta é um perigo sério)
- Quimiotóxicos (estes também)
- Transgénicos (piores que os dois anteriores)
- Radiação electromagnética (negócio demasiado chorudo para matar seja o que for)
- Politica Apícola (essa até ponho a mãos no lume pela inocência… com luvas de amianto)

Os factos:

Nesses anos foram inúmeros os relatos de apicultores cujos efectivos sofreram baixas superiores a 50%, alguns profissionais chegaram a perder várias centenas de colónias, o que á cotação actual representa prejuízos muito avultados.
Em 2008, do meu efectivo de 90 colónias perdi exactamente 45 durante o Inverno. Se por um lado foi muito desagradável a experiência, por outro facilitou-me bastante as contas para saber a percentagem de mortalidade.
Alguns amigos sugeriram que seria varroose mal medicada.
Curiosamente tinha feito acurada busca a esses ácaros antes desse Inverno e não encontrei nenhum. Na época seguinte (um ano depois) tinha as colmeias completamente infestadas de varroa que eliminei com facilidade e sem prejuízo de nenhuma colónia.
Há cerca de oito ou nove anos recuperei uma dezena de colmeias com um grau de infestação de varroa de 56,4%. Limitei-me a usar uma dose ligeiramente reforçada de acaricida e tratei-as sem qualquer perda de efectivos.
Ou seja, pelas minhas experiências, estas e outras, a varroa é um bicho com um feitiozinho terrível, mas não justifica tal mortalidade de colónias, até porque os tratamentos disponíveis continuam a garantir bons resultados, recuperando até casos aparentemente perdidos.

No fim do Verão de 2009, em Montemor o Novo, tive a seguinte conversa com o conhecido técnico António G. Pajuelo, que podem consultar no link:
e que bastante me elucidou para as possíveis causas da elevada mortalidade invernal de colónias.

Nova lista negra mais actual:

- Alterações climáticas com período estival cada vez mais quente e seco.
- Mais e maiores fogos florestais durante o Verão.
- Maiores áreas de floração destruídas pela seca e pelos incêndios no fim do Verão.
- Pressão das seguradoras sobre os agricultores para que façam desmatações massivas.
- Grandes concentrações de colmeias motivadas pelos projectos Proder sem que hajam preocupações com o ordenamento por parte das entidades oficiais.

Segundo A. G. Pajuelo, o momento crucial que poderá ditar o sucesso/insucesso das colónias de abelhas durante o Inverno, é precisamente o fim do Verão. Nomeadamente a floração disponível (néctar e pólen) para que a rainha seja estimulada para a postura e para que essas abelhas novas e saudáveis sejam em número suficiente para resistirem aos quatro ou cinco meses de invernia.

Caso contrário, sem floração e sem postura, as abelhas destinadas a atravessar o longo período de Inverno seriam as abelhas adultas que passaram o Verão a trabalhar, exaustas e já com a vida no fim, levando inevitavelmente ao colapso da colónia.
Face ao exposto e mercê da minha má experiência de 2008 resolvi colocar tais conselhos em prática.

Continuação da Experiência:

Na última semana de cada mês de Agosto ou primeira semana de Setembro tenho por hábito inspecionar as colmeias, onde anoto sobretudo:

a) – Número de quadros ocupados por abelhas.
b) – Número de quadros ocupados por criação, que convém ser igual ou superior a cinco.
c) – Quadros com reservas de mel e pólen.
d) – Sinais de varroose e ou outra moléstia.

Raro é o ano que tal análise me dê resultados satisfatórios, normalmente o número de quadros de criação é igual ou inferior a cinco.

Devo dizer que todos os anos desloco as colmeias dos apiários de Primavera para locais com floração de Verão, próximos de água e á sombra. Apesar das condições referidas e de quase sempre ter produção de mel de Verão, invariavelmente as colónias de abelhas encontram-se fracas de criação à entrada do Outono.
Suponho que este fenómeno seja semelhante em boa parte do território nacional, mais agravado ainda em locais sem floração de Verão e Outono.

Opto então por seguir o seguinte Calendário de Alimentação Artificial:

Setembro: 2 Sessões de Alimento Artificial Estimulante.
Outubro: 1 Sessão de Alimento Artificial de Manutenção.
Novembro: 1 Sessão de Alimento Artificial de Manutenção.
Dezembro: 1 ou 2 Sessões de Alimento Artificial de Manutenção.
Janeiro: 1 Sessão de Alimento Artificial de Manutenção.
Fevereiro: 2 Sessões de Alimento Artificial Estimulante.

Em que:

Alimento Artificial Estimulante: Alimento de consistência líquida ou quase líquida, semelhante ao néctar natural das flores, destinado a estimular a rainha para a postura, levando ao aumento da colónia de abelhas.

Composição por colmeia:
350g de açúcar + 100g de mel + 50g de (pólen ou levedura de cerveja) + água, sal e limão.

Esta composição não é rígida, quanto maior for o ratio açúcar/mel mais barato é o alimento, mas não convém ser exageradamente grande pois o mel torna o xarope muito mais apetecível para as abelhas. Já a proteína (pólen e levedura de cerveja) também podia/devia ser aumentada para 100g/colmeia, mas este é o componente mais caro…

Procedimento:
Coloca-se a totalidade do açúcar num recipiente suficientemente grande e com uma quantidade de água igual ao peso do açúcar mais o peso do mel (aprox. 450g/colmeia). A mistura é fervida até à dissolução do açúcar, tenho por hábito colocar uma colher de sopa de sal para adicionar electrólitos.

Retira-se o xarope do fogão, deixa-se arrefecer um pouco e adiciona-se a totalidade do mel. Só mais tarde e quando a temperatura da mistura ronda os 30 a 40º C (quando colocamos o dedo e não nos queimamos) é que se adiciona a levedura de cerveja e ou o pólen. Finalmente podemos também colocar o sumo de meio limão para evitar (ou retardar) a fermentação do xarope e distribui-se pelos alimentadores nas colmeias.

Alimento Artificial de Manutenção:
Alimento de consistência pastosa, quase sólida, que não estimula a rainha para a postura, é utilizado sobretudo no período de temperaturas mais baixas e serve para alimentar/manter a população existente.

Composição e Procedimento:
A composição é rigorosamente igual ao estimulante, apenas se utiliza muito menos água para o alimento ficar mais pastoso. Normalmente utilizo uma quantidade de água equivalente a 20% do peso do açúcar + mel.

Os custos por colmeia (em 2014):

Açúcar: 1,00€/kg, 350g = 0,35€/colmeia
Mel: 3,50€/kg, 100g = 0,35€/colmeia
Pólen: 7,00€/kg, 50g = 0,35€/colmeia
Levedura de Cerveja: 3,00€/kg, 50g = 0,15€/colmeia

Total (com Pólen): 1,05€/colmeia
Total (com Levedura de Cerveja): 0,85€/colmeia

Não contei com o gás, o combustível, o tempo, etc, mas estes factores não vão encarecer demasiado o alimento.

Humedecer o pólen ou a levedura de cerveja antes de os colocar na mistura ajuda à homogeneização e evita a formação de grumos.

Supondo que optamos pela Levedura de Cerveja, com resultados iguais ao pólen e mais barata e assumindo um custo total de 1,00€/colmeia, com o calendário de tratamentos que proponho lá atrás, temos um custo global por colmeia de 8,00€ ou 9,00€ num ano. Valor que me parece pouco relevante, o equivalente a 2,5 kg de mel aos preços de 2014.

Podemos diminuir os custos da Alimentação Artificial com outra calendarização:

Setembro: 2 Sessões de Alimento Artificial Estimulante.
Outubro: 1 Sessão de Alimento Artificial de Manutenção.
Dezembro: 1 Sessão de Alimento Artificial de Manutenção.
Janeiro: 1 Sessão de Alimento Artificial de Manutenção.
Fevereiro: 1 Sessão de Alimento Artificial Estimulante.

Desta forma o custo global era de 6,00€/colmeia, mais arriscado mas ainda assim funcional.
Pessoalmente já utilizei esta fórmula com bons resultados e outra com doze sessões de alimentação o que me pareceu algo exagerado. Se não desdobrarmos as colónias antes da Primavera teremos de fazer um rigoroso controlo de enxameação.

Ainda acerca da Calendarização:

Setembro: As duas sessões de alimentação estimulante nesta data justificam-se pelas razões atrás apontadas: se por um lado é a data estratégica para a rainha aumentar a postura e assim haver quantidade suficiente de abelhas novas e saudáveis para passar o Inverno, por outro, a ausência de floração associada a grandes efectivos de abelhas leva a situações de fome e não renovação das populações de abelhas.
Tal afirmação há uns anos atrás era um contras-senso, uma vez que sempre se desaconselharam os apicultores a estimular as abelhas antes do Inverno e pelas razões mais que óbvias.

Outubro: A(s) sessão(ões) de alimento de manutenção (o mais sólidas possível) aconselhada(s) para este mês, justifica-se mais para desencorajar a rainha da postura do que propriamente para alimentar as abelhas. Até porque com as primeiras chuvas e com temperaturas ainda amenas há sempre algumas flores a despontar nesta data.

Novembro, Dezembro e Janeiro: Tratam-se de meses frios onde há toda a conveniência em alimentar as abelhas com xaropes pastosos e ricos em proteína.
Claro que há muitas regiões ricas em eucalipto, alecrim, algumas urzes entre outras florações, que dispensam um calendário de alimentação tão rigoroso.

Fevereiro (e até Março): A alimentação estimulante a partir do início ou meados de Fevereiro é já tradicional entre os nossos apicultores, sobretudo nas regiões de invernias rigorosas, para estimularem a rainha e dimensionarem a colónia para a época principal de produção. Quem seguir este calendário de alimentação (com a manutenção durante os meses frios) pode optar por uma única dose estimulante em Fevereiro pois é suficiente.

Extra Calendarização:

É comum (infelizmente), quando os meses de Março e Abril são muito chuvosos, depararmo-nos com algumas colónias mortas, quase sempre as mais fortes.
Tal facto costuma desconcertar os apicultores, visto as colónias menos desenvolvidas resistirem a dias contínuos de chuva e as mais populosas normalmente morrerem. Mas faz todo o sentido, nas colónias muito populosas onde os alvéolos que deviam conter as reservas estão ocupados por milhares de “bocas” famintas, após quatro ou cinco dias consecutivos de chuva podem colapsar muito facilmente.

Neste caso o apicultor deve estar atento e ao fim de dois ou três dias seguidos de chuva convém ministrar uma dose (ou mais) de alimento de manutenção muito sólido. Não só atrasa a postura da rainha como providencia a subsistência para a grande quantidade de larvas já nascidas.

Principais cuidados na ministração do alimento às colmeias:

- Utilização de alimentadores internos para evitar a pilhagem, normalmente colocados entre o tampo e a prancheta. Também se pode utilizar entre os quadros ou sobre o topo dos quadros, normalmente evito estes últimos para não abrir a colmeia na estação fria.

- A alimentação é ministrada ao entardecer ou à noite, quando as abelhas deixam de circular, também para evitar a pilhagem.

- Colocar palha, folhas secas ou outro material qualquer sobre o alimento para evitar que as abelhas se afoguem no xarope (seja líquido ou sólido)

- A dose de alimento deve ser proporcional à população da colónia (número de quadros ocupados por abelhas), cerca de 500 a 700g para dez quadros e 300g para cinco quadros.
Na próxima sessão de alimentação aferir as quantidades consoante as abelhas tenham mobilizado ou não o alimento e a velocidade com que o fizeram. Para isso deve inspecionar os alimentadores dois ou três dias depois.

Outros factos, ou Conclusões…

Desde que optei por este formato de maneio apícola, no Inverno de 2009, que as minhas perdas de efectivos na estação fria são francamente inferiores a 5%.

Claro que além dos suplementos nutricionais mantenho e acentuo os cuidados com a sanidade e com a escolha de locais óptimos para a instalação de apiários entre outras preocupações.

Desde essa data que durante os meses de Fevereiro e Março desdobro as minhas colónias atingindo sensivelmente o dobro dos efectivos que posso e pretendo manter, sem com isso alterar muito a produção de mel.

Por essas e outras razões, há quatro ou cinco anos que “dispenso” cerca de metade do efectivo a apicultores interessados, para repor o número de colmeias original e cada vez que o faço exijo que o beneficiado seleccione as melhores colónias após aturada inspecção para evitar complicações futuras.

Ou seja, há quatro ou cinco anos que faço uma selecção negativa das minhas colmeias. Retendo só e apenas as piores, nomeadamente aquelas cuja população não ocupe a totalidade dos quadros à data da transacção ou que apresentem menos quadros com criação.

Tal perspectiva preocupou-me, por esse andar dentro de alguns anos era suposto ter as piores colónias ou mesmo ficar sem abelhas.

Mas os factos não demonstraram isso. Seguindo o maneio alimentar que ora apresento, e complementando-o com transumância na estação quente, sempre me deparo com colónias fortíssimas e a fervilhar de abelhas logo na primeira inspecção primaveril.

É quase certo que o factor limitante que tantas baixas provocou nas colónias de abelhas tivesse sido efectivamente a disponibilidade de nutrientes.

Providenciando às abelhas abrigos e sanidade adequada, controlando os predadores e os parasitas, proporcionando-lhes quantitativa e qualitativamente hidratos de carbono e proteínas, elas resolverão todos os seus problemas.

Será exagero colocar em causa a selecção de rainhas à luz do que aqui foi dito?

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