29 julho, 2016

Vamos Crestar os Ninhos ???

 
Vamos crestar os ninhos?

Dito assim de chofre soa a estranho, um autêntico paradoxo, não só pelo risco do mel com resíduos de medicamentos, como pelo facto de saquearmos as reservas estratégicas da colónia.
No entanto não é nada disso que vamos tratar nesta experimentação, nem o mel dos ninhos se destinará à alimentação humana nem tão pouco as abelhas vão ficar desprovidas de reservas.

OS FACTOS…

Todos os anos na Primavera aumentamos os efectivos desdobrando as colónias pré-existentes. O processo utilizado (numa descrição simplista) é o habitual: dividir os dez quadros da colmeia original por duas colmeias e completando os espaços vazios com lâminas de cera moldada.

Na colmeia que fica com a rainha, regra geral, os cinco quadros de cera moldada são “puxados” numa ou duas semanas e preenchidos regularmente com criação e algumas reservas, mas sobretudo com criação.

na colmeia que fica órfã, independentemente de lhe adicionarmos ou não um alvéolo real ou mesmo uma rainha virgem, há um intervalo de tempo sem qualquer postura que pode ir de quinze dias até quase aos dois meses (como estranhamente se verificou este ano), mas a média de tempo normalmente ronda as cinco ou seis semanas.

Durante esse período, nas colmeias com estas características, os quadros de cera moldada são puxados e preenchidos com néctar cuja rapidez depende da quantidade de abelhas aí colocadas, bem como da disponibilidade de néctar no campo.

Como normalmente provimos a colmeia órfã com muitas abelhas adultas e criação, e fazemos os desdobramentos na Primavera, o enchimento da totalidade dos quadros com néctar é muito rápido.

Dependendo dos anos, nas colmeias que ficaram com rainha, sobretudo nas que não foram desdobradas, pode verificar-se (e normalmente verifica-se) alguma incidência do fenómeno da enxameação. Pela mesma ordem de ideias, verificadas na prática, também estas colónias passam por um período de quatro ou cinco semanas sem que haja qualquer postura, o que leva a que as obreiras ocupem todos os quadros e alvéolos disponíveis com néctar, dado que:

a) Há imensa floração nesta data

b) Não há rainha em postura para competir com as obreiras na utilização dos alvéolos.

c) Toda a criação acabou por emergir dos alvéolos, disponibilizando novo espaço e libertando as amas e abelhas mais maduras para colectarem maior quantidade de néctar, até porque o seu consumo diminuiu bastante na colmeia pelas mesmas razões.

O PROBLEMA…

Mais tarde ou mais cedo, se as coisas não correrem mal, as rainhas acabam por emergir dos alvéolos reais, fazem o voo nupcial e iniciam a almejada postura. Mas iniciam-na com muita dificuldade visto que o espaço disponível é pouco (ou nenhum).

Excesso de reservas de mel e pólen nos ninhos, dificultando ou impossibilitando a postura da rainha.

Algum tempo antes de isso acontecer é habitual as abelhas desbloquearem os alvéolos removendo o mel armazenado numa área em forma de “disco” com cerca de dez centímetros de diâmetro, na zona central do quadro. Muitos apicultores já se habituaram inclusivamente a “prever” o início da postura da nova rainha, sem remexerem os quadros todos (o que é contraindicado nessa fase), mediante a observação desses “discos” de alvéolos vazios e com um aspecto polido e brilhante.

Apesar desse esforço das obreiras em disponibilizarem espaço para a postura da rainha, muitas vezes tenho observado em inspecções às colmeias no fim da Primavera, normalmente no pós-cresta, uma área mínima de criação, associada a ninhos extremamente pesados pelas imensas quantidades de mel armazenado.

Como temos por hábito (e por possibilidade) a deslocação das colmeias para a floração de Verão, surgem-nos dois problemas:

a) Ninhos (Lusitanos) demasiado pesados para o transporte, o que sempre se ressente na “estrutura” do apicultor…

b) Colmeias deficientemente povoadas quer pelo período sem rainha, quer pela dificuldade de postura por falta de espaço, numa fase em que a população é extremamente necessária para as florações que se aproximam.

 c) O terceiro problema (numa série de dois) nunca augura nada de bom… mas ele poderá existir, fica à vossa consideração e critério. Mas não lhe chamemos para já um problema, será antes uma dúvida sobre a qual gostava que refletissem:

Será que as rainhas novas impossibilitadas de fazerem uma postura regular e abundante, por causa da indisponibilidade de espaço, não poderão ser erradamente “consideradas” pelas obreiras como “rainhas deficientes” e como tal sujeitas a eliminação ou substituição?

Por esta ou por outras razões, talvez até por serem rainhas de emergência devido ao método de desdobramento utilizado, rainhas biologicamente imperfeitas, com ovários menos desenvolvidos, será por isso que são frequentemente substituídas?

No entanto, também observo tais substituições nas colmeias (não desdobradas) que enxamearam e essas não serão decerto “rainhas de emergência”, fica a dúvida.

Em todo o caso resolvemos agir proactivamente no sentido de resolver os três problemas anteriores de uma assentada:

UMA HIPÓTESE DE MANEIO…

Será que crestando os ninhos antes da floração de Verão, a rainha irá aproveitar o espaço para ampliar suficientemente a área de postura e com isso aumentar muito a população para a nova colheita? Tal como ainda “dar provas” da sua vitalidade e impedir que a substituam?
Ou as obreiras vão mandar o nosso trabalho extra “por água abaixo” e voltam a bloquear o ninho com néctar?

Quadros do ninho a que se extraiu o mel, prontos a serem reintroduzidos nas colmeias.

a) O primeiro desafio será ganho por nós sem qualquer dúvida: diminuiremos significativamente o peso dos ninhos para a transumância!

b) Dependendo das regiões e das florações, a rainha poderá ou não ter estímulo para encher de ovos os quadros de cera puxada que desta feita lhe disponibilizamos. Se não “sentir” esse estímulo sempre podemos fazer batota e adicionar alimento estimulante…

c) O facto de as obreiras voltarem, ou não, a bloquear os quadros de cera puxada com néctar dependerá da flora disponível. Por aqui sempre temos cerca de um mês a seis semanas de intervalo entre a cresta de Primavera e a Melada de Azinho ou a floração do Cardo de Abelha…

ATENÇÃO: Reparem que eu sublinhei na hipótese acima a expressão: “antes da floração de Verão”:
O método proposto na presente experimentação sobre a Cresta dos Ninhos poderá ser deveras arriscado nalgumas regiões. Tal só deverá ser praticado se, e apenas se, tivermos a garantia de uma floração abundante para breve!

Em todo o caso, se a experiência correr mal, sempre temos armazenado o mel que “saqueamos” aos ninhos e que lhe podemos devolver em caso de fome…

O PROCEDIMENTO…

O habitual em qualquer cresta, apenas nos temos de preparar para manusear e transportar quadros quatro ou cinco vezes mais pesados que os das alças…

O acto da cresta é determinante em todo o processo, nomeadamente a decisão de quantos e quais os quadros a retirar sem com isso afectar demasiado a fisiologia da colónia.

Na imagem de cima: retirar o excesso de quadros com reservas e rearranjo dos quadros de criação na posição central da colmeia.
Na imagem de baixo: preenchimento dos espaços vazios (entre a criação e as reservas) com quadros de cera puxada, ou seja, a que se extraiu o mel...

Devemos deixar pelo menos dois quadros de reservas. Até podíamos reduzir este número mas poderá ser arriscado nalgumas regiões.

Aproveitamos o rearranjo de quadros no ninho para juntar todos os que têm criação ao centro e deixar os quadros com reservas nas extremidades.

Os espaços vazios, que ficarão após a cresta do ninho, entre a criação e as reservas, serão o mais breve possível ocupados pelos quadros de cera puxada, uma vez extraído o mel.
Podíamos optar também por intercalar alguns quadros de cera puxada entre os de criação, aproveitando a “esfera de calor” para que a rainha aumente ainda mais a área de postura, mas acho o pormenor pouco relevante, que fique ao critério de quem queira experimentar.

Não é demais recordar que os espaços vazios deverão ser ocupados por quadros no período máximo de 48 horas, caso contrário as abelhas erigirão favos naturais.

Na sequência de imagens acima podemos ver como os quadros recém crestados, lambuzados de mel, são apetecíveis para as abelhas que os ocupam imediatamente...

Uma vez extraído o mel aos quadros do ninho é guardado em vasilhas próprias, neste caso utilizei garrafões de plástico reciclados, e mais tarde (fim do Verão e ou Inverno) é devolvido às colmeias sob a forma de alimento artificial, diluído em água ou concentrado com açúcar, consoante queiramos estimular a postura ou apenas manter a população.

É importante identificar bem esse vasilhame para evitar que tal mel, inadvertidamente, vá parar a embalagens de mel… biológico…, ou a outros mercados para consumo humano. Tal como é também importante, findo o processo, higienizar todo o equipamento da melaria implicado na extracção deste mel.

OS RESULTADOS…

A maioria dos quadros de ninho com reservas que sujeitei a este processo, sobretudo nas colónias mais populosas, encontravam-se repletos de criação, o que foi bastante encorajador visto que era esse o objectivo da experiência.
Veja-se o exemplo na imagem seguinte, obtida duas semanas após a “cresta” dos ninhos:


AS CONCLUSÕES…

Parece-me bastante proveitoso este tipo de maneio, na medida em que com um pouco de trabalho suplementar conseguimos desbloquear os ninhos, ou pelo menos acelerar bastante esse desbloqueio, proporcionando espaço de postura à rainha, aumentar a população e manter as reservas mobilizadas em acção de as devolver à colónia quando forem necessárias.

No entanto, convém observar e ponderar sobre outros factores e aspectos a ter em conta por quem venha a optar por um maneio semelhante:

1. Se bem que não seja o aspecto mais grave, isto é mais uma artificialização a somar à longa lista que infelizmente já caracteriza o sector…

2. Como já foi referido, e não é demais recordar, tal acção só se justifica quando há a garantia de fortes entradas de néctar a curto prazo. Caso contrário não só não vale a pena incrementar o aumento da população antes de uma estação sem flores, tal como corremos o risco de enfraquecer irreversivelmente as colónias.

3. Se por qualquer razão climática ou de maneio as colónias apresentarem sete ou oito quadros de criação, também não se justifica tal acção. No presente caso apenas o fizemos pelo facto de os ninhos estarem bloqueados por excesso de reservas e isso constituir um impedimento à postura da rainha.

4. A remoção do mel dos ninhos deverá ser feita antes da transumância, não apenas lhes reduzimos o peso, com fortes benefícios para quem com elas carrega, como ainda providenciamos mais espaço para que as abelhas se acomodem durante o transporte, diminuindo o risco de esmagamentos.

5. A gestão correcta dos méis extraídos neste processo poderá resultar numa economia em termos de alimentação artificial na estação fria, podendo até significar a diferença entre o colapso e a sobrevivência de algumas colónias.

6. Ficará a dúvida apresentada mais atrás, mas se esta acção estimular a rainha para maiores posturas, poderá evitar a sua substituição pelas obreiras e neste caso desnecessária…

7. Oportunidade para substituir alguns quadros com cera demasiado velha e ou bloqueada de pólen.

8. Atenção ao acto de “crestar os ninhos”, nomeadamente a remoção das abelhas que estão nos quadros, pois nesta cresta em particular é possível que uma dessas abelhas seja a rainha…

9. Com tal medida também evitaremos ou diminuiremos bastante a postura da rainha nas alças.

10. (…)

Um forte abraço para todos aqueles que continuam a manter e a disseminar abelhas pela Natureza!
Joaquim Pifano