29 junho, 2009

Cresta: Primavera 2009

A Cresta...
É um dos momentos mais aguardados do ano apícola, o culminar de um ciclo.
Só è superado pelo acto da venda do mel, aliás... pelo momento em que se recebe o cheque, aliás... quando nos confirmam que o cheque tem fundo...
Pessoalmente é das etapas que menos aprecio na apicultura, a cresta ainda passa, mas a venda de mel nunca me seduziu muito, apesar de necessária.

Como faço as coisas ?
O trabalho começa habitualmente na semana anterior, em que numa última visita aos apiários verifico o estado de maturação do mel.
Começo muito cedo, no relógio e no calendário, cerca das 06:00 horas da manhã nos últimos dias de Maio ou primeiros de Junho. A floração do Rosmaninho já cessou há cerca de um mês e não existem mais fontes de néctar nestes locais.

No dia anterior ao da cresta começo por lavar o estrado da carrinha de caixa aberta, chego até a colocar um plástico onde assentam as alças. Levo inclusivamente um lençol de linho com que cubro as alças sobre a carrinha, à medida que aí as vamos colocando. Caso contrário levaria mais abelhas do que mel para a melaria.

Nunca utilizo fumo durante a cresta, a escova para separar as abelhas dos quadros de mel é substituída por um ramo de Estevas ou outro arbusto. Quando começa a estar muito melado, rapidamente o troco por outro.

Levo sempre duas alças vazias.
Uma serve para colocar os quadros com mel da primeira alça a ser crestada. Como esta fica vazia serve para albergar os quadros da próxima, e assim sucessivamente. A segunda alça só será necessária se houver criação sobre os ninhos, ou seja, nos quadros de mel das alças.

Uma das “discussões” mais comuns nos apicultores da região prende-se precisamente com a maturação do mel e a data de cresta. Boa parte dos apicultores continua a crestar em função de datas, independentemente da maturação do mel.
Dizem inclusivamente que só a partir de Julho é que o mel está pronto, outros ainda dizem que só no quarto minguante de Agosto, quando não há criação. Ora tal afirmação deixou de fazer sentido para quem usa colmeias móveis, uma vez que os espaços da criação e da produção de mel são distintos.
Por causa da manutenção de várias alças de mel sobre o ninho, este ano um apicultor sofreu sérias perdas nos dias de maior calor: a cera derreteu nas alças de cima e o mel escorreu pela colmeia abaixo...

De facto, o mel de Rosmaninho em finais de Maio, princípios de Junho não está totalmente operculado, mas a quantidade de alvéolos abertos é mínima, nada que coloque em risco o armazenamento do mel.
Até costumo fazer um truque: sacudo com algum vigor (mas sem quebrar) um quadro de mel menos operculado sobre o tampo de uma colmeia e verifico se caíram gotas de néctar. Se tal suceder, o teor de humidade é muito elevado: não se pode crestar, se o mel permanecer nos favos está tudo bem.

O processo da cresta...
Começo sempre por colocar a alça vazia sobre o tampo da segunda colmeia da fila, abro a primeira e começo a transferir os quadros.
Quando a alça está cheia, levo-a de imediato para a carrinha e cubro-a com o lençol para não atrair abelhas. Com o levanta quadros destaco a alça que ficou vazia, coloco-a sobre o tampo da colmeia seguinte e assim sucessivamente até à última alça do apiário.

Por vezes surge o problema, a meio da cresta encontramos uma alça com criação.
Nesta fase há que tomar decisões, se o(s) quadro(s) de criação tiverem poucas larvas e muito mel, normalmente ignoro a criação e recolho os quadros como se tivessem apenas mel. Se tiver apenas ovos e mel, o investimento é pequeno para as abelhas e prossigo da mesma forma, mas quando se tratam de grandes “manchas” de larvas já grandes ou operculadas, opto por deixar esse quadro na alça original.
Agora falta-me uma alça para continuar a receber os quadros de mel... foi por isso que trouxe uma suplente.
Todas as colmeias após a cresta ficaram “rasas” pelo ninho, salvo a que tinha criação que ficou com uma alça com vários quadros de criação.
Continuando a cresta, se me surgirem novos casos de criação nas alças não volto a repetir o processo, apenas “limpo” as abelhas do(s) respectivo(s) quadro(s) e levo-o(s) para a alça mais atrás que ficou com criação. Se ainda lá couberem claro, senão tenho de recorrer a nova alça vazia.
Não vejo grande problema em juntar os quadros de alça com criação de várias colmeias sobre o mesmo ninho, as dadoras pouco perdem e a receptora beneficia bastante com este acréscimo de população. Por outro lado também se poupam alças sobre os ninhos.

Há muito tempo que não recorro a este método, de facto já há anos que não me aparece criação nas alças. Curiosamente, este ano foram muitas as colmeias onde este fenómeno se deu, mas à data de cresta as alças só tinham mel, a criação regredira.

Fica mais um conselho para quem não prescinde do fumigador na cresta, poderá usá-lo mas com muito cuidado para não deixar cheiro de fumo no mel. O ideal será apontar o fumo de uma forma oblíqua e não directamente sobre os quadros das alças.

À chegada à melaria costumo descarregar rapidamente as alças para um local fresco e seco, não vão as alças expostas atrair mais abelhas. Já me aconteceu isso um ano e por pouco os vizinhos não fizeram um abaixo-assinado para me arranjarem um novo endereço...

28 junho, 2009

Homenagem da "Ferradela"

Imagens enviadas pelo amigo Mário, do blogue a "Ferradela", resultaram de uma tarde de inspiração artística, de uma amizade que une os dois blogues tal como às pessoas por trás deles...

... só mesmo a imaginação do Mário para colocar um "tapete" destes na entrada...

25 junho, 2009

O melhor apiário do mundo...

P'lo título parece mais uma daquelas “estórias” de apicultores idosos, mas esta é mesmo verdade.
O apiário ideal, entre muitas coisas, devia ter rodas...
Sempre que nos referimos às regras de instalação de um apiário, e as definimos, percebemos que uma boa localização para o Inverno/Primavera, nunca ou dificilmente será uma boa localização para o Verão.
Se na estação fria as abelhas precisam de um local soalheiro, no Verão decerto apreciarão a sombra e a proximidade de água. Inclusivamente, até do ponto de vista económico as colmeias ficarão mais produtivas, uma vez que as abelhas que seriam necessárias para baixar a temperatura, podem ser mobilizadas para outras tarefas.
Até aqui nada de novo, resta encontrar um local com tais características. Nem que seja para fazer transumância por... transumância, melhores condições terão reflexos na sanidade apícola, mas se lhe pudermos adicionar uma nova florada: melhor ainda.

Quando faço os assentamentos de Verão, procuro sempre boas sombras e proximidade de água (junto ao Girassol) para deixar as colmeias. Já devo ter escrito isto umas dúzias de vezes, mas reparem como eu ao dizer “boas sombras” oculto uma das minhas maiores ignorâncias: qual a dinâmica da sombra de uma árvore sob a sua copa???

O movimento do Sol (eu sei que é a Terra que se move) faz com que a sombra também gire, mas sempre de uma forma tão sinuosa que nunca lhe adivinho o percurso. Isso faz com que as colmeias que imaginamos à sombra passem umas boas horas sob o Sol directo, às vezes nas piores horas.

Que inveja daqueles pastores que sabem exactamente em que local a sombra de determinada árvore se encontra de hora a hora. Pudera, eles passam horas aí sentados...
Antes resolvia o problema com várias visitas ao futuro apiário, a várias horas do dia, marcações com paus e pedras, e só então me decidia a levar as colmeias. Com o passar dos anos, refinei o método e comecei a fazer os apiários de Verão no centro de bosquetes de várias árvores... O que resultava muito melhor.
Nestas circunstâncias, por mais que a sombra se movesse, as colmeias estavam sempre protegidas do Sol.

Este ano implementei uma novidade. Ou melhor, encalhei com ela acidentalmente.
Encontrava-me a circundar um imenso campo de girassol, o circuito quase completo e nem uma árvorezinha onde deixar as colmeias.
Foi quando se me deparou um pequeno bosque, em forma de meia Lua, que entrava pelo girassol. O bosque tinha tal densidade de Freixos e Silvas (balsas), que me era impossível entrar. Foi à custa da roçadora que consegui “esculpir” o novo assentamento para as colmeias.
Digo “esculpir” porque o resultado final foi um autêntico salão verde para as abelhas, aberto na vegetação. Penso que até da chuva elas estarão protegidas. Tive inclusivamente que podar uma ou duas árvores e silvas para abrir portas e janelas de acesso ao girassol.
Não creio que venham a ter calor nesse local, e quanto ao Sol directo nem vale a pena preocupar-me com isso.

Os 30 hectares girassol, nesse local, são regados através de um curioso sistema de aspersores montados permanentemente.

Melhor ainda,
Do outro lado da estrada, mais dois pivots, cada um com 35 ha de girassol em diferentes fases vegetativas. O que permite às abelhas um acesso muito fácil às três folhas, uma vez que o percurso não é muito superior a um quilómetro.
A principio ponderei bastante sobre o facto de as abelhas terem de cruzar uma estrada para aceder ao restante girassol. Quando tal acontece são muitas as que morrem à passagem dos carros. No entanto, até para esse problema o local tinha solução: a estrada é ladeada por duas fileiras de Oliveiras que obrigam as abelhas a ganhar altura (muito sobre os carros) para poderem atravessar.
Lateralmente aos campos de girassol: duas soberbas albufeiras, uma de cada lado da estrada.

De facto parece ser mesmo o “melhor apiário de Verão” que alguma vez tive, resta agora ver as produções no final.
Espero não concluir daqui a uns meses que de facto a sombra e a água são determinantes, como já se sabia, mas a ventilação do local também tem o que se lhe diga...

17 junho, 2009

MELIPONICULTURA no BRASIL

Voltei a visitar o Blogue http://www.meliponariodosertao.blogspot.com , aliás, já o visito com um vício e interesse crescentes. De forma que as visitas me suscitaram uma curiosidade tal, a ponto de pedir ao amigo Kalhil França que me respondesse a uma série de questões que de alguma forma nos elucidassem acerca do “mundo das Abelhas Sem Ferrão” ou (ASF).

Quais as espécies de ASF que se podem criar num meliponario? As diferenças / vantagens / desvantagens de cada espécie.

Os meliponídeos são bem diferentes da Apis, cada espécie se adapta melhor em certa região, como o Brasil possui dimensões continentais, nós temos muitas espécies de ASF, mas cada uma é específica de certo lugar, isso é até um problema pois muitas matas estão sendo destruídas sem nenhum controle, existe uma abelha chamada Uruçu, uma das melhores ASF em termos comerciais, melhor até que minhas Jandaíras pois produzem cerca de 8 a 12 litros de mel ano. Contudo são típicas de mata atlântica, são excelente polinizadoras e essa mesma mata atlântica já vem a séculos sendo dizimadas, restando uns poucos resquícios dessas matas, com isso as abelhas ficam restritas a esses lugares restantes, alguns exemplares foram introduzidos no Sertão, mas elas não se dão bem por aqui, pois precisam de mata úmida para uma melhor sobrevida, e aqui no sertão não é assim.

(ninhos de Uruçu, grande produtora de pólen e mel)

A Uruçu (melipona scutellaris) possui muitas subespécies em muitos lugares do Brasil, mas a mais famosa e manejada em todo o país é a scutellaris, popularmente conhecida com Uruçu verdadeira, São bastante populosas, chegam em colónias fortes a ter cerca de 3.000 abelhas, em termos proporcionais produzem mais que a Apis.

Não são agressivas, mas devido ao tamanho (tem o mesmo tamanho que a Apis) possuem quelíceras forte e as beliscadas doem, em colónias fortes eu uso uma capuz de apicultura.

(Rainha fisiogástrica de Jandaíra sobre os discos, ritual de postura)

(Caixa Modelo Nordestina, com colónia de Jandaíra)

A Jandaíra (melipona subnitida) é uma das espécies mais criadas no Nordeste brasileiro, juntamente com a Uruçu (melipona scutellaris), eu tenho cerca de 300 caixas só de Jandaíra, estão espalhadas em 4 regiões distintas no município de Taboleiro Grande-RN. Se você achou que tenho muita caixa, fique sabendo que existe um criador que é meu amigo, o Ezequiel, tem só de Jandaíra cerca de 2000 colónias, é isso mesmo, duas mil!!! Chega a produzir em épocas de boa safra uma tonelada e meia de mel de Jandaíra, agora multiplique isso por R$ 60,00 por cada kg. Pra você ter uma ideia da riqueza que essa abelha proporciona, a chave que abre o meliponário dele é feita de ouro, tudo lá é de ouro, até a peneira que ele colhe o mel, também é de ouro 18. Um dia eu também chego lá.

(Abelha Jandaíra,entrada na natureza, a sentinela sempre a postos para vigiar)

São típicas de minha região e são as melhores nos manejos, principalmente por serem rústicas demais, não precisam de muitos cuidados e são extremamente resistentes a regiões adversas como a minha, contudo não se dão bem em regiões de clima frio. Como tinha lhe dito acima, cada abelha responde melhor a seu habitat natural.
São abelhas que possuem população que varia entre 700 a 1000 abelhas, são agressivas, em colónias fortes defendem com vigor a colónia quando manejada, atacam beliscando o intruso.

(Discos de cria de mandaçaia, preparação para desbobramento)

Uma outra abelha muito criada nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, são as Mandaçaias (melipona quadrifaciata, essa é abelha é muito interessante pois ela possui quatro subespécies: a melipona quadrifaciata quadriafaciata (mandaçaia verdadeira), a Melipona quadrifaciata anthidioides, a Melipona mandaçaia (essa é menor e típica da caatinga do Estado da Bahia), a quarta é um cruzamento entre as duas primeiras.

(Quadrifaciata anthidioides (listras intermitentes), quadrifaciata quadrifaciata (contínuas))

A mandaçaia possui população que varia de 400 a 600 abelhas, produzem cerca de 600 ml a 700 ml de mel ano, são as mais dóceis, são bobas, quando abrimos a caixa as vezes elas ficam nos rondando mas na maioria das vezes procuram se esconder entre os discos de cria, dá até pena da forma que elas se defendem.

Uma característica marcante dessa abelha e a formação de lamelas para encobrir os discos de cria, veja que você não vê os discos de cria que foram cobertos por completo dois dias depois.

(colónia recém criada de mandaçaia, discos cobertos)

Existem muitas outras meliponas, mas não posso falar de todas pois escreveria um livro, mas apenas para ilustrar temos a Guaraipo, típica do sul, temos a Rajada (melipona asivale) é a menor das meliponas, temos muitas outras... Falei apenas das mais famosas e mais criadas.

Na Tribo dos meliponídeos, temos ainda as Trigonas, são abelhas menores, bem pequenas, algumas são tão pequenas que seu ninho tem as dimensões de uma caixa de fósforo, as Ttrigonas mais famosas são Iraís (essa faz um canudo bem grande na entrada), Jataís (a mais famosa), moça branca (tem esse nome por que a ponta de suas asas são brancas), Irapúa (essa produz um mel horrível, não pode ser criada racionalmente e é daninha, ela destroe as flores pois não colhe o néctar por cima, ela tora a base da flor e suga, ela é esperta mais esse comportamento acaba sendo prejudicial as plantas pois inviabiliza os frutos), Cupira (essa habita ninho de cupim abandonados, daí seu nome, o mel também não é bom) Marmelada (essa é criada com facilidade, o mel pode ser consumido, o mel é bem concentrado), Iratim (abelha Limão) essa última mereçe um tópico a parte, tem muitas outras, outra interessante é Caga-fogo, essa quando manejada na natureza se defende expelindo no intruso uma secreção ácida que queima a pele, provoca um ardor danado, temos ainda a abelha Cachorro (também conhecida com boca de sapo) é aquela que vc chamou de Jandaíra e eu fiz a correção, tem um comportamento interessante, ela quando manejada se defende aos montes, saem quase que todas da caixa ao mesmo tempo, procuram enlouquecer o invasor com muitas beliscadas ao mesmo tempo.

(A cima, do lado esquerdo a entrada das Tubibas, do lado direito, canudo de entrada das Iraís, embaixo entrada das Jataís, nas trigonas há muitas abelhas na entrada do ninho)

A Tubiba é uma abelha muito legal, quase não produz mel, no máximo 200ml/ano, em compensação produz muito polém, chega a produzir cerca de 8 kilos só de pólem, lembre-se que estamos falando de uma abelha pequena, cerca de 4 milímetros, como população em torno de 5 mil indíviduos, são extremamente defensivas, essa abelha é pequena, mas não há como trabalhar com elas sem a roupa de proteção completa para apis, rapaz você não tem noção de quanto ela é defensiva, são pretinhas e possuem uma boca muito forte, as beliscadas não chegam a doer mais devido a quantidade de abelhas em cima de você, é preciso protecção, é mais criada no Maranhão e no Estado do Piauí.

Dentre essas menores a mais famosa, e que dá em todo o Brasil é a Jataí, a Jataí é bem pequena, mede aproximadamente 3 milímetros, seu ninho tem aproximadamente entre 2.000 a 3.000 indivíduos, seu mel é muito consumido no Sul do país, tem sabor muito peculiar, meio azedinho, é um pouco ácido, é um dos méis de ASF mais potentes, possui teor bactericida cerca de 15 vezes mais forte que o mel comum da apis. Essa abelha produz o melhor geoprópolis, pois 90% é puramente resina natural, para você ter uma comparação nas meliponas em geral esse nível beira os 30%. É tida como a abelha de comportamento mais higiénico. Muito comum no sul do país, se adapta a quase todo tipo de clima. Com certeza ela se daria muito bem aí em Portugal.

( Ninho de Jataís, lamelas cobrem os discos de cria, muitos potes de pólem e néctar)

Agora deixe eu lhe falar de uma abelha especial, essa é tida pela maioria dos meliponicultores como nossa inimiga, é a abelha Iratim, também conhecida como abelha limão, essa abelha ela não colhe nada da natureza, ela é uma abelha pilhadora, vive de atacar as outras abelhas para saquear o mel, resinas e pólem, seu mel é horrível, não pode ser consumido por nós, é muito populosa, chega a ter entre 3 a 4 mil indivíduos, precisam ser assim pois como vivem de pilhagem, em cada ataque que fazem muitas morrem durante as batalhas para roubar.

(Abelhas Iratins (abelha limão) atacando colónia de mandaçaia)

Elas atacam qualquer ASF, são pequenas, medem mais ou menos cerca de 5 milímetros, essa abelha perdeu as corbíbulas no decorrer de sua evolução, pois deixaram de usar para passarem a roubar. São chamadas de abelha limão por que quando atacam elas exalam uma cheiro cítrico de limão para bloquear os ferômonios de defesa de suas vítimas. Possui um sistema articuloso de ataque. A entrada de sua colónia mais parece um obra de arte, possui diversos túneis falsos para enganar intrusos.

Bem essas são as mais famosas, mas temos muitas outras...

O mesmo criador tem mais que uma espécie?

Pode, como lhe falei eu mesmo tenho 9 espécies, mas tenho ênfase na Jandaíra por ser a da minha região, mas tenho Mandaçaias (todas as subespécies), tenho Rajadas, Uruçus, Iraís, Tubibas, tenho Jataís, tenho Moça Branca, etc.

(meliponários em vários lugares do Brasil)

O Ezequiel, meu amigo lá de Jardim Serído-RN, possui 16 espécie, ele é um dos maiores criadores do Brasil, é também um grande conhecedor da ASF.

Qual a estrutura social das ASF? Rainha, obreiras, machos, etc...

A estrututura social é parecida com a APIS, todas as colónias tem uma rainha Fisiogástrica (A Guaraipo é uma exceção, essa pode ter até 4 rainha ativas, trabalhando em conjunto normalmente), algumas centenas de obreiras, algumas dezenas de machos, contudo, como tudo nas ASF são especiais, nós temos castas intermediárias, nós as chamamos de obreiras rainhas ou rainhas obreiras, são abelhas que fazem a escolta da rainha e podem realizar diversas tarefas da rainha sob suas ordens, podem até participar do ritual de postura colocando ovos ferteis, que vão gerar crias obreiras, essa casta é muito peculiar, elas na aparência são muito parecidas com as obreiras comuns, só alguns detalhes fazem a diferença, elas possuem o dorso coberto por escamas de cera (o Cappas as chama de abelhas pangolins) o Pangolim é um reptil africano escamado, por isso a comparação.
Tem um comportamento de posse sobre os discos de cria, algumas são inimigas da rainha, outras são amigas, muitas vezes podem até destronar a rainha, podem assumir a liderança da colónia e bloquear a rainha, impedindo a postura real, muitas vezes o meliponicultor tem que intervir.

Como se reproduzem as colónias de Abelhas Sem Ferrão (ASF)?

Isso depende se é Trigona ou se é Melipona, nas Trigonas o sistema é bem parecido com a da Apis, a formação da rainha é alimentar, quando a colónia está grande e precisa enxamear as obreiras rainhas fazem umas realeiras, igual a da apis, dessa realeiras nascerá uma princesa que deverá ser fecundada por um macho.

Se for Melipona, a coisa é diferente, não há realeiras, a rainha é criada via genética, a rainha põem ovos reais, o mais interessante que nós não sabemos qual ovo é um real ou não, pois todos tem o mesmo tamanho, mais isso não é problemas pois 15% dos ovos postos são ovos reais, ela faz isso instintivamente, como a formação não é alimentar é preciso que sempre possam estar nascendo princesas caso a rainha venha a morrer.

(retiramos os discos de cria mais claros para realizar uma divisão, são os mais velhos, com abelhas prestes a nascer, aproximadamente 10% são princesas)

Nas caixas racionais podemos dividir os enxames até 4 vezes por ano. A divisão é simples, existe um tópico no meu blog de como fazer isso.

Quais os principais cuidados para criar ASF? Cuidados ao instalar um meliponário...

No geral os cuidados são poucos, no manejo é preciso ter cuidado na manipulação dos discos de cria, são muito sensíveis, amassam com facilidade, uma caixa mal fechada pode proporcionar a entrada de formigas, sarasas, forídeos (esse merece um tópico a parte).
Devemos ficar atentos à quantidade alimento nas caixas, nunca deixando faltar alimento, sempre que necessário fornecer alimento artificial.

(Abelhas no alimentador, é um prato de mesa com xarope a base de açúcar e vitaminas e alguns palitos de madeiras para elas não se afogarem)

Durante a instalação, observamos o espaço entre caixas, isso depende muito de cada espécie, por exemplo tem espécies que podem ser criadas bem próximas uma das outras, exemplo, Jandaíras, Mandaçaias. Outras precisam de mais distância: Uruçu, Jataí...

O meliponario deve obrigatoriamente ser sombreado, sempre, elas são muito sensíveis ao sol, mesmo a Jandaíras que é típica de clima quente tem problemas se sofrer aquecimento, se ficar exposta ao sol direto.

Como são os diferentes tipos de colmeia? Compram-se? Constroem-se?

A colméias tem diferente tipos, vários modelos, mas existe já um padrão (modelo INPA e o modelo Nordestino), que você muda só as medidas, menor ou maior a depender do tamanho da abelha, até porque a estrutura dos ninhos é o mesmo, discos de cria separados, em uma região e os potes de alimento em outro lugar, todas as ASF fazem isso.

(Caixa Modelo INPA pronta para ser habitada por Melipona, 4 compartimentos, esse aí sou eu!!!)
(Caixa modelo INPA desmontada)

Existem modelos mais avançados, são caixas que usam resistências elétricas para possibilitar um melhor conforto térmico para abelhas de clima quente em regiões frias, tem feito revolução pois tem gente criando Jandaíras e Uruçu em regiões de onde bate -4ºC. (Sul do País)

(Caixa com sistema de aquecimento, modelo INPA, usada no Sul do Brasil)

Geralmente eu mando um marceneiro de minha confiança fazer, mas eu já fiz algumas no passado.

Uma grande diferença das ASF da Apis e a entrada da colónia, nas ASF, existe um túnel de acesso ao interior do ninho que só passa uma abelha de cada vez, na entrada da caixa fica uma abelha parada (vigia), controla quem entra e quem sai, é muito engraçado, ela impede que as abelhas mais novas (que não sabem voar) saiam.

Que flores utilizam para produzir mel? Que outros produtos se podem extrair alem do mel?
Devido a diversidade de abelhas, utilizam muitas flores, mas não procuram as plantas exóticas, a Jandaíra por exemplo é altamente seletiva, mesmo na sua região não colhe em todas as plantas, só para você ter uma noção, aqui existe um arbusto espinhento que chamamos de Jurema, temos a Jurema branca e a Jurema preta, mas as Jandaíras só colhem na branca (elas são racistas, rsrs), é muito interessante por que as duas são bem parecidas, já cheguei a ver um fato interessante, no sítio tem dois pés de Jurema um do lado do outro, um branco e o outro preto, no inverno todas florescem com muito vigor, mas elas só vão na branca.

(Época de chuvas e florada)

(A mesma Foto de Cima, época de seca, no sertão do RN, quando é tempo seca é seca mesmo, observe que o lago acima secou na foto abaixo!)
(Vegetação arbustiva e espinhosa, quando chega o inverno esse mesmo deserto se transforma em uma explosão de vida, tudo floresce, época de fartura!!!)

(Sertão na SECA, visão da casa dos meus avós)

( O mesmo lugar no período chuvoso, no Sertão quando chove tudo floresce e renasce)

(Chuvas no Sertão)

O mel de Jandaíra é o mais comercial, mais até que o da uruçu, é delicioso, nem se compara com o mel da apis, tem sabor peculiar, na minha região tem sabor de amêndoas, tem teor bactericida muito elevado, chega a ser 10 vezes mais forte que o da apis, é medicinal e é usado muitas vezes puro sobre feridas e queimaduras.

(olhe a beleza da cor do mel, é um dourado intenso, vivido, de sabor encantador)


(Mel de Jandaíra já engarrafado e rotulado, pronto para venda)
(essa garrafinha custa R$ 20,00, mais ou menos uns 7 euros)

Como se faz a extracção do mel?

Como ele é armazenado em potes, usamos um sugador odontológico se for de grande quantidade, ou mesmo uma seringa descartavel quando é nos méis das Trigonas, não se usa o sugador nas Trigonas por que ele produz muitas bolhas nesse mel.

(alguns amigos colhendo mel de Uruçu amarela (mandory) com seringa)

Produzem todo o ano ou só em determinados meses?

Depende da espécie, mas a grande maioria produz em épocas específicas, as Jandaíras estão produzindo agora, vai de Abril a Julho. Por aqui é época de florada intensa, depois desse período, só no ano que vem, depois que passa Agosto eu tenho que alimentar nas caixas que extrai o mel.

Que doenças afectam as ASF? Como combatem essas doenças?

Não existem doenças catalogadas cientificamente, o mais próximo que posso comparar são somente os forídeos, forídeos são mosquinhas que entram nas colónias mais fracas (sem guardas) ou nas colónias que foram manejadas de maneira errada (retirada de mel de maneira errada, rompimento excessivo de potes de polém, fechamento mal feito da caixa, etc.

O combate a essa mosca quando ela consegue entrar é fácil, é a base de vinagre de maçã, fazemos umas iscas para capturá-los, a isca é simples, é um copo fechado com um ou dois furos, que só passam o forídeo, colocamos dentro da caixa, ele entra atraído pelo cheiro e não consegue sair mais, acaba morrendo afogado, quando a infestação é grande, trocamos a caixa das abelhas para nos livrar dos ovos postos nos potes de pólem e mel.

Que predadores afectam as ASF? Como os afugentam?

Os predadores são lagartixas, sapos, formigas doceiras (que querem roubar o mel), alguns pássaros, para afugentar usamos um óleo queimado na base de sustentação das caixas, para evitar a subida desse predadores, já contra os pássaros não há o que se fazer, mas eles comem somente algumas abelhas, não chegam a incomodar.

Como é o comercio do mel e outros produtos das ASF? Preços, embalagens, mercados...

O comércio ainda tem muito a melhorar, a produção ainda é muito baixa, principalmente como o potencial que o País tem, mas para quem produz isso é uma vantagem pois a procura é muito grande, para você ter uma ideia do que eu estou falando, minha produção desse ano já foi toda vendida já no ano passado, tenho clientes aguardando mel já para o próximo ano.

Os preços variam de acordo com a região, no sul e sudeste o kilo pode chegar a R$ 100, R$ 120,00, por aqui, chega a R$ 50,00, R$ 60,00. (1 euro vale 3 reais, faça a conversão).

Como é a convivência entre apicultores/meliponicultores Apis mellifera/ ASF's?

È boa, geralmente é assim, o marido é apicultor e a mulher é meliponicultora, atualmente eu estou assessorando uma ONG no Estado do Ceará, estamos trabalhando com um projeto de reintrodução da criação da Jandaíra em quatro comunidades, cada comunidade recebeu do meu meliponário 20 colónias e um curso básico de meliponicultor, o mais interessante é que 80% dos alunos são mulheres, rs.
Existem alguns entraves, muito se reclama, principalmente os ambientalistas que Apis mellifera estaria matando muito enxames de ASF (em épocas de escassez de alimento, a Apis invade colónias de ASF em busca de mel, é raro mais acontece, eu mesmo já perdi algumas colónias por isso, mas confesso que devido a erros meus, aberturas de caixa com derramamento de muito mel, o que atraí o comportamento pilhador da Apis.
Na verdade meu amigo, o grande inimigo é o próprio homem que destrói a mata nativa sem pena, veja a nossa Amazônia que vem sendo destruída a passos largos e ninguém por aqui faz nada.

Existe algum tipo de apoio governamental ao sector da meliponicultura? Qual? E como?

Não, não existe, raramente vemos alguma coisa a respeito, a meliponicultura ainda engatinha por aqui, até por que o que dá dinheiro para exportação e é muito mais comercial é o mel da Apis, recentemente, a poucos meses atrás, o governo federal criou uma lei que regulamentou a profissão de apicultor, esqueceram dos meliponicultores, e é por que as ASF são nativas...!!!

Preferem cuidar das exóticas a cuidarem das suas próprias riquezas, coisas do Brasil.

Talvez tenha esquecido algum aspecto importante...

Você sabia que as ASF do Brasil não fazem geleia real, é isso mesmo, não existe geleia real, o mel das ASF é tão poderoso que a rainha não precisa de um alimento especial, ela se alimenta do mesmo mel das obreiras comuns, a única diferença é que a rainha se alimenta de ovos alimentares de obreiras rainhas, são ovos inférteis postos única e exclusivamente para alimentação da rainha, esse ovos são compostos ricos em proteínas.

Uma abelha demora em média 44 dias para nascer, o dobro da Apis, o macho demora 42, a princesa demora 40 dias.

As células de cria são operculadas assim que a rainha põem o ovo, todo alimento para o desenvolvimento da larva é posto momentos antes da rainha realizar a postura, só sendo aberto pelas obreiras para o nascimento das abelha nova.

O tempo de vida de uma obreira melipona pode chegar até a 100 dias, os machos vivem um pouco mais 120, já a rainha pode viver até 5 anos.

O mel da ASF, devido a maior concentração de água, fermenta com facilidade, assim que é colhido deve ser posto na geladeira, esse é um dos grandes impasses para exportação, o Jandaíra ele aguenta ficar fora da geladeira, mas precisa passar por processo de maturação ou congelamento para conseguir mais tempo.

Espero ter ajudado amigo Joaquim!!!

att,

Kalhil Pereira