17 fevereiro, 2016

2ª Sessão de Esclarecimento - Ferreira do Alentejo

A QUERCUS em parceria com a ADERAVIS e com o apoio do grupo Jerónimo Martins, do Município de Ferreira do Alentejo e do Grupo de Amigos Apicultores APIFERREIRA, vão realizar a segunda Sessão de Esclarecimento desta vez em Ferreira do Alentejo subordinado ao tema: Polinizadores, Apicultura e Espécies Exóticas
O evento decorrerá às 14:30 horas do dia 28 de Fevereiro de 2016, Domingo, no Centro Cultural Manuel da Fonseca.

É objectivo da organização alertar a opinião pública, as autoridades competentes e os agricultores/apicultores em particular, para os perigos que a introdução de espécies exóticas pode ter no equilíbrio dos ecossistemas. É neste quadro que actualmente se encontra a apicultura, com as abelhas diariamente ameaçadas por novos predadores como a Vespa velutina e novas doenças que tanto afectam as explorações apícolas, ressentindo-se estes efeitos quer na biodiversidade quer na economia e na produção de boa parte dos alimentos que nos chegam à mesa.

Por estas razões a QUERCUS e a ADERAVIS convidam todos os apicultores, técnicos, dirigentes associativos e demais interessados e amigos das abelhas a participarem neste ciclo de colóquios e debates…

A participação é gratuita e não necessita de inscrição prévia!

PROGRAMA:

14:30 – Sessão de Abertura - Quercus, ADERAVIS, Município de Ferreira do Alentejo, Grupo de Amigos Apicultores APIFERREIRA.

15:00 – Eng.º Luís Lourenço - ADERAVIS, Novas Ameaças às Abelhas, onde será abordada a problemática das novas moléstias que poderão chegar ao território nacional como a Aethina thumida e o ácaro Tropilaelaps. Outros assuntos como os polémicos OGM’s e os pesticidas à base de neonicotinóides caberão também neste tema.

15:30 – Eng.º Osvaldo Silva - APIGUADIANA, Polinização e Biodiversidade, um dos mais importantes e simultaneamente menos conhecidos e utilizados serviços prestados pelas abelhas. Os benefícios para a apicultura, agricultura e para o ambiente de uma prática que se deseja cada vez mais divulgada entre os apicultores.

16:00 – Intervalo

16:15 – Eng.º Tiago Moreira - APICAVE, A Vespa velutina, Um dos temas fulcrais deste ciclo de debates, um assunto que há muito circula nos meios de comunicação, suscita tantos receios e sobre o qual ainda restam muitas dúvidas. Ainda não é um problema no Alentejo, mas pela forma e velocidade com que esta espécie exótica invasora se tem dispersado a partir do Norte de Portugal, poderá chegar a curto prazo a esta região.

16:45 – Debate

17:30 – Sessão de Encerramento

11 fevereiro, 2016

Patagónia, Apicultura do Fim do Mundo

Fui para a Patagónia

Foi com um telegrama assim, dramático e lacónico, que Bruce Chatwin mandou o resto do mundo à fava e se refugiou por uns tempos nas planuras sem fim dessa região do globo. Também nós fomos para a Patagónia de Chatwin, sobretudo para a Patagónia de Luís Sepúlveda e diga-se que nunca tínhamos ido tão longe na vida…

Esta viagem começou a ser desenhada há mais tempo, mas em 2013 reparei que um dos seguidores do Montedomel era um apicultor chileno, da Patagónia, e isso acabou por ser a faúlha que incendiou a nossa decisão de partir para o Fim do Mundo. Trocamos uns mails com Bruno Fierro (Colmenares Fierro de Purranque) e ficamos a aguardar pela oportunidade de ir, oportunidade que se proporcionou em finais do ano passado.

O percurso começou em Buenos Aires na Argentina e terminou em Santiago do Chile, pelo caminho cruzamos e visitamos lugares míticos entre os Paralelos 42 e 55, como Puerto Madryn, Trelew, Rio Gallegos, El Calafate, Glaciar de Perito Moreno, Puerto Natales, Torres del Paine, Punta Arenas no Estreito de Magalhães, Ushuaia na Terra do Fogo, Puerto Montt, Ancud e Castro na Ilha de Chiloé, Osorno e Purranque. Avançamos pela América do Sul até haver terra firme, estivemos pertíssimo do Polo Austral, mas a ausência de transportes públicos até lá demoveu-nos de ir mais longe…

Alguns dos meus desenhos nos Cadernos de Viagem...

Foi uma viagem de grandes números: cerca de 30.000 Km entre a saída e a chegada a casa, dos quais 8.600 Km de autocarro pelas pampas, colinas e vales da Patagónia, 8.140 Km só nos percursos entre as principais cidades.

Nos principais percursos de autocarro consumimos cerca de 120 horas, o equivalente a cinco dias distribuídos entre várias viagens de 12 e de 20 horas, e uma delas de 34 horas, entre outras menores… foi duro, extremamente duro, mas valeu cada segundo gasto e cada metro percorrido.

Chegamos a Osorno ao 20º dia de viagem e depois de tantos quilómetros e noites pouco e mal dormidas, a vontade de cumprir com mais uma “Apireportagem” era mínima. Apesar de serem apenas duas pequenas deslocações de cerca de 40 km cada, implicava fazer o reset das ideias nómadas que me iam na cabeça e voltar a instalar o software apícola para esse efeito… 
Mas as “Apireportagens” que começaram em Outubro de 2009 no Camping de Cerdeira no Gerês, quando o Sr. Pires nos ensinou a fazer as Corpelas para os Cortiços, tornaram-se uma tradição nas nossas viagens e a Patagónia não iria ser uma excepção.

Por volta das 14:00 horas locais chegamos à pacata localidade austral de Purranque, um aglomerado simétrico e colorido de pequenas casas em madeira e metal, mas muito ordenadas e jardinadas. Tinha enviado um mail ao Bruno Fierro na noite anterior a confirmar a nossa visita, mail que ele não recebeu conforme mo disse mais tarde. O último mail que recebera tinha sido enviado uns meses antes e esta falta da minha responsabilidade, mais não se deveu que às tremendas dificuldades logísticas que uma viagem com estas características costuma trazer: nós não conseguíamos prever com mais de 24 horas onde e em que dia chegaríamos a cada lugar, nem tão pouco se chegaríamos…

Mas estas andanças sempre se baseiam no factor sorte, pelo que nos preparávamos para ingerir umas ubíquas e nutritivas costeletas com puré de batata, num restaurante da Plaza de Armas, quando fazendo uso das mesmas capacidades que permitem a dois anões reconhecerem-se mutuamente numa multidão, eu também reconheci o apicultor Bruno Fierro, de relance e a passar na rua, ou não fosse ele vestido com um macacão branco e polainitos…

Cumprimentamo-nos e conseguimos marcar uma hora ao fim do dia para trocar umas impressões e eu tirar umas fotografias a um apiário de criação de rainhas que ele tinha junto à sua casa. Foi o possível e foi uma sorte, que eu bastante agradeço ao Bruno, pois ele andava ocupado com dois clientes a visitar apiários no campo e nós tínhamos já marcada uma longa deslocação para essa noite.

Quando chegamos ao apiário do Bruno, nunca mais me esqueço, andava ele com os seus clientes Jorge e Joana, jovens apicultores de Rio Negro, a inspeccionar os alvéolos reais numa enorme colmeia criadeira de rainhas. De máquina fotográfica em punho, a minha primeira preocupação foi inquirir sobre que raça de abelhas se tratava: híbridos de Abelha Negra Europeia com Ligústica e Carnica. Estávamos na América do Sul onde esta pergunta não é descabida, uns anos antes estive muito bem equipado a abrir colmeias com Abelhas Africanizadas em Manaus e foi o cabo dos trabalhos, enquanto hoje apenas envergava um fato de treino e um casaco polar…

Fiz um figurão, completamente desprotegido enquanto os apicultores abriam e fechavam colmeias, mas nunca cheguei a ser incomodado pelas abelhas que até me pareceram dóceis. Percorremos o colorido apiário de núcleos Langstrooth até ao fundo do quintal onde recentemente foi instalado um pequeno laboratório onde trabalham o Bruno e quatro investigadores/técnicos apícolas, pertencentes a outras tantas associações, num projecto em parceria com a Universidade de Los Lagos.

Já no gabinete de Bruno Fierro encetamos uma curta e informal conversa, onde lhe pedi que nos caracterizasse a Apicultura Patagónica, não esquecendo as duras e adversas condições climáticas que sempre afectam a região e que tanto dificultam a prática da apicultura.

O Bruno iniciou a sua actividade como apicultor em meados da década de 1990, sem qualquer referência apícola na família, referindo que a principal dificuldade para quem começa a ser apicultor na Patagónia é a inexistência de informação, nomeadamente livros sobre o tema, que se possam adaptar às características peculiares desta região. Região com Invernos longos e difíceis, temperaturas muito baixas associadas à queda de neve, ventos fortes durante quase todo o ano e outros factores que limitam a actividade. Passou por isso bastante tempo para conhecer os ciclos naturais da região, para adaptar a sua exploração a essas condições, mas ironicamente refere que essas mesmas condições climáticas estão a mudar drasticamente nos últimos anos, dificultando ou inviabilizando o que até então tinha dado como estável.

Este fenómeno tem afectado sobretudo a criação de rainhas, levando a taxas de sucesso muito baixas quando comparadas aos resultados de há uns anos atrás. Ultimamente, o período em que é suposto as rainhas saírem no voo nupcial para a fecundação natural tem coincidido com chuvas fortes e temperaturas baixas.

A Colmenares Fierro dedica-se sobretudo a cinco sub-produtos dentro da actividade apícola:

1 - Fabrico e Comercialização de Colmeias, actividade que os tornou conhecidos dentro do sector em toda a Patagónia.

2 - Produção e Comercialização de Colónias de Abelhas, material genético seleccionado, como complemento da Criação de Rainhas.
3 - Serviços de Polinização, trabalhando apenas com uma empresa agrícola de produção de Mirtilo, o que lhes ocupa parte das colmeias durante dois meses, tempo que dura a floração.

4 – Serviços de Capacitação e Assessorias, estão agora a dar assessoria a um projecto da Universidade de Los Lagos, financiado pelo Governo Regional. Este projecto tem duas grandes linhas: Fomentar a Apicultura Orgânica (em Modo de Produção Biológico) e Seleccionar as linhagens genéticas melhor adaptadas ao clima do Sul do Chile, a partir de colónias de abelhas da região.

5 – Produção e Venda de Mel.

O Calendário Apícola do Sul do Chile:
O ano apícola na região de Los Lagos acaba e logo começa quase na mesma data, no mês de Abril, no fim do Verão patagónico, data em que aplicam os tratamentos contra a Varroose a que se segue um período de acomodação da colónias à invernada.

Tal como nós temos o “Verão de S. Martinho”, no Sul do Chile têm o “Verão de S. João”, em finais de Junho, que aproveitam para fazer a inspecção de Inverno às colmeias. É por esta data que nas abelhas melhor adaptadas à região as rainhas iniciam a postura, o mais tardar no início de Julho, e as não adaptadas só o fazem mais tarde. Quando a Primavera é íntegra, surgem os primeiros dias de Sol durante o mês de Agosto, verificando-se os primeiros fluxos de néctar, as colónias de abelhas iniciam então a actividade nesta fase, assim o clima o permita, frisou.

É só durante o mês de Setembro, coincidindo com as Festas Pátrias, que nas colónias mais desenvolvidas se começam a colocar as primeiras alças. Em Outubro já começa a designada febre de enxameação. Na exploração de Bruno Fierro esta característica comportamental tem sido gradualmente eliminada do pool genético das suas abelhas, uma vez que é considerada uma má característica. Em Novembro acentua-se o controlo de enxameação, visto ser neste mês que saem a maior parte dos enxames, torna-se por isso muito cansativo e desgastante para o apicultor.

Em Dezembro e ainda às voltas com o controlo da enxameação, começa a produção de mel de Canola (miel de Raps), comum e muito procurado na região, cujo fluxo de néctar bastante fomenta a tendência para as colónias enxamearem. No entanto tratando-se de um mel muito valorizado é por isso importante a passagem das colmeias por esta floração, sobretudo para os apicultores de média a grande dimensão.

Este mel pode ser aproveitado como primeira colheita, que chega a ser muito importante com produtividades de 20 a 30 kg e por vezes 50 kg, quando o clima o permite e nas melhores colónias. Já os apicultores do Norte apenas a utilizam para dimensionar as colmeias, para depois as levarem para as fontes de néctar nativas, nos bosques de montanha.

Quem não utiliza a floração da Canola sempre pode optar pela da Amora (Silvas) que foram trazidas pelos colonizadores europeus, alemães, para delimitar as propriedades e que se converteram numa praga, felizmente com boas produções de néctar. Segue-se também a “alfafa chilota”, mais comum em terrenos húmidos e também uma importante fonte de néctar da qual se chegam a colher méis monoflorais.

Abelhas num jardim em Santiago do Chile.

Em Janeiro colhem-se os méis multiflorais, genericamente conhecidos como méis de Primavera. É importante para os apicultores fazerem esta cresta no início do ano uma vez que isso lhes permite libertar as alças para a floração principal de Verão: a dos bosques nativos onde predomina o mel de Ulmeiro, creio que o mel melhor cotado e que chega aos 50 a 60 kg/colmeia. Estas florações estão disponíveis quer na cordilheira da costa, no litoral, ou na Cordilheira dos Andes, na fronteira com a Argentina.

Daqui se conclui que com um bom maneio, em colónias selecionadas e com clima favorável se podem chegar a médias próximas dos 90 a 100 kg/colmeia o que é melhor que excelente. Mas nem tudo são rosas, a floração do Ulmeiro é muito caprichosa, há anos em que está em plena floração e as flores pura e simplesmente têm os nectários secos, outras vezes são as geadas que queimam por completo a floração e toda a produção desse ano fica comprometida.

Para esta floração concorrem também apicultores do centro e do Norte do país, chegando a percorrer cerca de 1.200 Km para o efeito. Por isso, regiões onde antes havia duas ou três mil colmeias chegam agora a ter 20.000 e 50.000, reflectindo-se essa pressão na produtividade local.

Mas a floração de Ulmeiro, apesar de ser a mais importante não é a única do bosque nativo, também me falou no monofloral de Aveleira, pouco explorado por falta de conhecimentos e outras há que são importantes mas que não consegui reter o nome nativo.

Como principais problemas referiu a ausência de legislação apícola de uma forma geral e o ordenamento em particular. Também a falta de técnicos apícolas com formação universitária, uma vez que os curricula agrícolas não contemplam a apicultura.

Disse-nos que a Varroose está a ganhar terreno, muito por culpa dos apicultores que continuam a utilizar as mesinhas caseiras para a combater. Referiu os produtos orgânicos como eficazes no combate a esta moléstia, especialmente o Apilife Var.

No campo da comercialização de mel, uma Universidade Chilena da região de Temuco demonstrou que para um apicultor vender mel com facilidade fá-lo até à tonelada, na exploração e nas feiras, para lá da primeira tonelada começam os problemas de comercialização. No mercado grossista, no ano passado chegaram a um preço record de cerca de 3,00€/Kg, este ano o preço quase roçou os 2,00€/Kg…

E foi assim, no meu sofrível castelhano ainda encontrei palavras para agradecer e mais uma vez pedir desculpa pela visita relâmpago, mas ainda tínhamos um troço de doze horas de autocarro daí a instantes, até Santiago do Chile…


Obrigado e um grande abraço aos irmãos Fierro pela forma simpática com que nos receberam e pela agradável conversa apícola que nos proporcionaram, esperamos um dia regressar a Purranque com mais disponibilidade!

Seguem-se algumas imagens da Patagónia chilena e argentina...

Farol do Fim do Mundo e Parque Natural Torres del Paine

Lago em Ushuaia, Glaciar de Perito Moreno e Lago Argentino

Leões Marinhos e Corvos Marinhos no Canal Beagle, Pinguim de Magalhães na Isla Magdalena (Estreito de Magalhães) e Guanaco no P. N. Torres del Paine

Ushuaia, Terra do Fogo, Argentina