Na minha terra chamam-lhes “abelheiras” e ocorrem um pouco por todo o lado. Troncos de árvores, buracos nas rochas e nas paredes, casas desabitadas e até em telheiros pouco protegidos, todo o “buraco” lhes serve de abrigo.
Eram um martírio para os tiradores de cortiça, mas o brio profissional, o manageiro e a virilidade impediam-nos de evitar as árvores “povoadas”. No fim, o mártir era sempre o sobreiro, pois no “rancho” havia sempre um “abelheiro” disposto a resgatar a “abelheira”, nem que fosse à força.
Era uma prática secreta, ilegal e quase ritualizada. Uma vez terminada a campanha da cortiça regressavam ao local munidos de uma machada, um alguidar e um cortiço. O tronco ou a pernada eram despedaçados até os favos ficarem expostos, a seguir vinha a pilhagem: abelhas para o cortiço e mel para o alguidar. As primeiras raramente sobreviviam, ainda assim mais que os sobreiros no fim da operação.
As minhas “abelheiras” preferidas são as que se instalam em casas “habitadas”, e depois, as chamadas telefónicas que os “anfitriões” me fazem a relatar a ocorrência. Ouvem-se os maiores disparates.
Uma vez, ligou-me uma senhora muito aflita, pois estava-lhe a “nascer uma colmeia dentro de casa”, parecia algo de sobrenatural, ainda estive tentado a perguntar-lhe de que modelo de colmeia se tratava...
O ano passado fui chamado a uma casa de campo onde se instalaram duas colónias, cada qual em sua cadeira em lados opostos de uma mesa. Quando retirei o toldo que as cobria só me faltou ver o baralho de cartas, pois a posição em que os “bichos” se instalaram não lembrava outra coisa...
Quando os favos se encontram bem individualizados e num sítio descoberto e acessível, é muito fácil desalojá-las e transferir o enxame para uma colmeia. O método é simples e fácil de executar até por principiantes.
Convém munir-mo-nos de uma colmeia cujos quadros são preparados para o efeito, além do equipamento habitual. Normalmente uso o método que passo a descrever e que me foi ensinado pelos apicultores da região:
1.º Preparação da Colmeia
Na colmeia que vai receber a colónia “selvagem” colocam-se 2 ou 3 quadros de cera moldada, ou puxada, se a tiver. Os restantes quadros são modificados de forma a poderem receber os favos, ou seja, retiram-se-lhes os arames que originalmente serviriam para soldar as lâminas de cera, restando apenas o caixilho de madeira. A fixação é feita depois com fios de algodão.
Há quem opte por um procedimento diferente, com vantagens e desvantagens: preparam-se antecipadamente os quadros com arames presos na travessa de cima (atados a pregos) e com a outra extremidade solta.
Para se prender o favo ao quadro, enrola-se-lhe o arame à volta e ata-se a extremidade solta noutros pregos colocados no lado oposto do mesmo travessão. Boa parte do trabalho já vai feita, e é muito mais fácil enrolar o arame ao prego do que dar nós em fios de algodão, com as luvas meladas.
Até poderá ser mais resistente e seguro, mas pessoalmente não gosto de o fazer, o fio de algodão acaba por ser retirado pelas abelhas logo que o favo seja soldado ao quadro. Poderá haver argumentos contra, alegando a fragilidade do fio, mas convém lembrar que estes quadros não vão à centrifuga.
2.º Desalojar os favos e abelhas selvagens
Se o local for suficientemente exposto e acessível, conseguem-se retirar facilmente os favos sem os destruir. Deve-se usar sempre o fumigador para “acalmar” as abelhas, facilitando o trabalho e diminuindo as baixas.
Com uma faca normal, ou uma crestadeira, cortam-se os favos junto à superfície onde estão fixos. É uma etapa que requer muito cuidado, apesar da aparente facilidade. A conformação espacial/estrutural dos favos confere-lhes grande resistência enquanto estão na posição vertical. Quando se “descolam” do substrato onde se fixaram, ou lhes cortam os pilares de cera que os “soldam” aos outros favos, adquirem grande fragilidade, principalmente quando se colocam na horizontal.
O Sr. António Bartolomeu a cortar um favo de enormes dimensões. Normalmente só se aproveitam os favos com criação e pólen. Os favos com mel são fragmentados e prensados para aproveitar a cera e o mel, este último obviamente é devolvido às abelhas num alimentador.
3.º Colocar o favo sobre uma superfície lisa (uma mesa) coberta com um plástico
A maior parte dos trabalhos são realizados sobre uma mesa coberta com plástico. Não convém esquecer que se está a trabalhar com mel e “às tantas” temos o local todo melado.
4.º Cortar o favo pelas medidas internas do quadro.
É outro passo determinante. Consiste em colocar um quadro sem arames sobre o favo, e com a ajuda de uma faca afiada, cortar a cera de modo a que o bloco obtido encaixe perfeitamente nesse quadro.
A dificuldade reside na decisão sobre que parte do favo cortar. Normalmente há a tentação de colocar o comprimento do quadro no sentido longitudinal do favo, quando este é pequeno, o que é errado. Os alvéolos (hexagonais) devem permanecer na posição natural (em que se encontravam) ou seja, com os vértices dos hexágonos para cima e para baixo, nunca para os lados.
Além da posição dos hexágonos (alvéolos), convém mais uma vez imitar a Natureza: dentro da medida do possível, deve-se conseguir cortar um pedaço de favo com criação na zona central, rodeada de pólen e o mel nas extremidades. Os quadros com reservas de pólen (pão de abelha) também vão ser muito úteis à “nova” colónia.
5.º Preparar o quadro para receber o favo
Nesta etapa, colocam-se três ou quatro fios de algodão cruzados sob o quadro. Deve ter-se atenção ao comprimento do fio, para poder dar a volta ao quadro e atar no outro lado.
Prefiro usar fios de algodão, pois são mais fáceis de remover pelas abelhas logo que o favo esteja soldado ao quadro.
6.º Montar e atar o favo no quadro
O principal cuidado a ser verificado é a colocação do favo na posição correcta, tal como estava no local original. O fio de algodão deve estar em tensão e ser bem apertado, ou o favo poderá oscilar e sair da posição no quadro, o que é difícil de conseguir com as luvas meladas. Eu costumo fazê-lo sem as luvas...
A criação em "pimenteiro" que se observa na imagem anterior poderá dever-se à Varroose. Os enxames selvagens,na Natureza, invariavelmente acabam vítimas desta enfermidade. Com muito cuidado, após os quadros serem colocados na respectiva colmeia, há todo o interesse em aplicar um acaricida.
A colmeia já deve estar posicionada no local onde vai passar uma ou duas semanas, até os favos estarem soldados aos quadros, e a deslocação para local definitivo seja possível. Obviamente que o primeiro local referido deve ser o mais próximo possível do sítio onde estava o enxame, para que as abelhas encontrem facilmente a nova casa.
O mel retirado dos restantes favos é aproveitado para alimentar as abelhas.
Os mesmos esquemas anteriores, agora com a montagem de um favo de criação:
Clique nas imagens para ampliar
Finalmente, a historieta do costume, “Abelhas com muita lata”:
Foi no Verão de 99 ou 2000, fim das aulas, quando um aluno meu também apicultor, me abordou acerca de uma estranha descoberta.
Tratava-se de uma lata enferrujada, que antes tivera óleo ou gasóleo e agora albergava um enxame de abelhas. Nada mais que 20 litros de mel, pólen, cera e abelhas.
Ensinou-me a localização da colónia: uma lixeira, onde mais podia ser? E ofereceu-me a lata... Pensei que houvesse ali marosca, ele nem era dessas coisas, mas a lata lá estava no sítio certo. Saí de lá com a lata na mala do carro e com um dedo inchado, pois era de noite e eu queria certificar-me que de facto “estava povoada”...
Para aproveitar as abelhas segui-mos um método curioso que me ensinou um apicultor local:
Começamos por montar uma colmeia com três ou quatro quadros de cera moldada, e que colocamos no local escolhido. Retiramos o tampo e alargamos o buraco da prancheta para um diâmetro de 20cm. Depois, com a ajuda de uma tesoura para metal, abrimos um enorme buraco na lata. Tapamos a “boca” original da lata e colocamo-la sobre a prancheta modificada, de forma que as duas aberturas coincidissem.
Calafetamos com barro a junção entre a lata e a prancheta, para as abelhas não escaparem, a única saída possível obrigava-as a passar por dentro da colmeia, conforme o esquema. O principio deste método é o de habituar as abelhas à nova casa.
Com a mesma tesoura, abrimos a lata e seguimos os passos que enuncio neste escrito, ainda “me encheram” uma alça de mel nesse Verão.
Abelhas de competição??? Não! Alguém “aventou” a hipótese que a “culpa” era do combustível que antes havia na lata...
25 janeiro, 2009
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10 comentários:
vamos pois, aceito o convite :)
Olá Alien, muito obrigado pela a imformação que muito me ajudou. Eu sou leigo neste assunto, pois apouco tempo comprei um sítio e estou me interessando por este assunto, se vc tiver mais informaçoes por favor me envie, ficarei muito grato. Tirei do meu muro umas abelhinhas sem ferrão, que eu as conheço como "mosquitos" e as coloquei em um caixão, porém não sei exatamente qual o seu nome. Se vc souber me informar ficarei muito agradecido, atenciosamente José Lucilandio Barros (lucilandio@yahoo.com.br)Fortaleza-Ce.
Olá, de facto está muito interessante o seu artigo e claro, para quem entenda ou não minimamente do assunto, devo apenas notar que o título pode levar um ou outro leigo a retirar conclusões precipitadas, pois embora seja dito que a colónia é selvagem, evidentemente estamos a falar de abelhas domésticas.
Abelhas selvagens serão aquelas a que o sr. José Lucilandio Barros se refere como mosquitos, ou acha que estou enganado?
bom dia
A 1ª colmeia selvagem era enorme, foi dividida por quantos ninhos?
cumprimentos
Olá Pedro,
Apesar da grande dimensão dos favos
não era tão populosa assim, tratava-se de uma colónia que não era tratada e estava bastante contaminada de varroa.
Pelo que acabou por ocupar um unico ninho
abraços
Para Alien: Já capturei vários enxames e perdi alguns que se rebelaram e foram embora.Como mantê-los na caixa?
Olá Israel Celestino,
Uma das formas mais eficazes de prevenir o abandono da colmeia por parte de um enxame recém-capturado é colocar nessa colmeia um quadro de criação aberta, retirado de outra colónia.
Deverá também providenciar para essa colmeia um alimentador com um xarope estimulante.
espero ter ajudado,
Joaquim Pifano
Ok, muito obrigado Alien,irei seguir a sua dica. Manterei contatos.
Bom dia caro amigo apicultor
Este ano apanhei um enxame selvagem num cortiço, passados dois ou três dias agarrei no cortiço e mudei-o de local para perto do meu apiário. No fim de semana seguinte fiz a mudança do cortiço para uma colmeia móvel, no dia seguinte logo cedo fui lá ver se estava tudo normal, havia muitas abelhas a esvoaçar e algumas saiam e voltavam a entrar. A noite estavam todas dentro da caixa pois ouvia o seu barulho.
No dia seguinte continuou tudo normal. Dado ter que me ausentar, na semana seguinte logo que cheguei fui la ver e nem uma abelha, abandonaram a colmeia. Parece-me estranho ao fim de pelo menos dois dias de estarem na colmeia móvel terem abandonado, não consigo perceber o que se passou. Tem alguma dica que me possa ajudar?
Obrigado amigo
Matos
Caro Arnaldo Matos,
Antes de mais um pedido de desculpa pela demora na publicação/resposta do seu comentário.
Da minha experiência posso dizer-lhe que os enxames selvagens têm um comportamento deveras caprichoso, pior ainda quando já "escolheram" uma localização determinada e aí se instalam, como foi o caso do seu cortiço.
Podem ter corrido mal uma série de coisas:
- As abelhas escolheram esse local e por qualquer motivo não lhes agradou a nova colmeia.
- O local onde tinha a colmeia móvel poderá ser demasiado próximo do sítio onde capturou o enxame.
- As abelhas no cortiço podiam já ter favos desenvolvidos e ao retirá-las poderá ter morto a rainha causando assim instabilidade.
- Podia tratar-se de um enxame secundário (com uma ou habitualmente várias rainhas virgens)
onde uma dessas rainhas em confronto com outra(s) poderá ter saído, arrastado demasiadas abelhas e o resto foi com o enxame.
- (...)
O ideal, de futuro, quando capturar um enxame (seja em que condições for) é afastá-lo bastante do local onde o capturou (não tenham as abelhas decidido por algum local) e quando o colocar numa nova colmeia deverá colocar um quadro retirado doutra colmeia com criação aberta, (com larvas não operculadas) e colocar-lhe um alimentador com alimento estimulante (líquido) dias depois deve confirmar a presença da rainha (directamente por visualização, ou indirectamente pela postura).
espero ter ajudado
cumprimentos
Joaquim Pifano
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