30 março, 2009

Dois conselhos para vender mel...

O último apicultor que tive na família, terá sido sensivelmente há 200 anos.
No fim do Verão de 1998 fiz a minha primeira cresta, dentro de um alguidar. Fiquei pacientemente a ver escorrer o mel de nove quadros de uma alça (corpo igual ao ninho). Creio que enchi oito ou nove frascos da “Tofina” com a minha primeira produção.
Entre a minha casa, família e alguns amigos, terei despachado seis ou sete. Vendi os dois que sobraram... Vendi toda a produção numa assentada: 2.000$00! Ainda pensei numa offshore qualquer, mas acho que investi tudo em luvas novas.
No segundo ano, já ultrapassei a mítica barreira dos 100kg, ainda pensei que por minha causa iria haver uma baixa nos preços.
Consegui vender uns 50 ou 60kg, às tias, vizinhas, amigos e outro pessoal conhecido. Fiquei à espera que os clientes anónimos me batessem à porta e comprassem o resto. Mas ninguém veio...
De facto, os meus pais não foram nem são apicultores, nem os meus avós, bisavós, etc, ninguém me associava a um produtor de tal substância. Nem sequer conheceram o meu primo Martinho que terá vivido em mil oitocentos e pouco, a minha última referência apícola...
Ao terceiro ano as pessoas, além de mim, passaram a palavra, contaram uns aos outros que eu vendia mel. Ainda assim, as vendas eram difíceis, os clientes de mel são muito fiéis ao produtor. Até às embalagens, os frascos da “Tofina” eram reciclados até à exaustão.

Surge então a oportunidade de ouro: um mau ano de mel!
Os apicultores locais, com pequenos efectivos, uma vez esgotados os stocks insuficientes para toda a clientela, nada fazem para satisfazer a restante. “Mel? Só para o ano, a estação foi má e já o vendi todo...” Muitas vezes ouvi esta conversa. Face a este panorama, os clientes faziam o circuito dos apicultores para ver se abasteciam antes do tempo das gripes.
Foi assim que consegui os primeiros clientes além – família, pois eu tinha mel. Quando acabei as reservas comprei mais a um grande produtor, mas nunca disse que não a um cliente. Sempre pensei que no ano seguinte a maioria voltasse ao antigo produtor, mas foram poucos os que o fizeram.
A justificação é simples, boa parte da clientela são pessoas que vivem em Lisboa, noutros centros urbanos ou emigrantes. Quando vêm passar o fim de semana ou as férias à terra, todo o tempo é pouco para estarem com a família ou os amigos. Convém que o período dedicado à compra de “mimos” como o mel, queijos, vinhos, enchidos, etc, lhes tome o mínimo tempo possível, e acreditem que uns míseros dez minutos já pesam na decisão. Desta feita preferem ir a um local onde têm a certeza que compram do que arriscarem no fornecedor habitual.

É extremamente importante a existência de um stock permanente de mel. Se não houver produção compra-se a um apicultor de confiança, com mel de características semelhantes, e informa-se a clientela. Mesmo que o lucro seja reduzido, é de todo mais importante que perder um cliente.
Pessoalmente, desanimo bastante quando vou comprar seja o que for e não o consigo por ruptura de stocks. Dá muito má imagem de quem vende.

Lembro-me de ter ainda quinze ou dezasseis anos e ter ido comprar mel lá para casa. Tinha a perfeita noção que à data em que o fui comprar já não devia haver, quase nunca havia e era sempre racionado. Chegado a casa do apicultor deparei-me com cerca de 20 frascos, foi um espanto, nunca tinha visto tanto mel junto. À pergunta se podia levar mais que um, respondeu-me que levasse os que quisesse, estavam lá era para vender...

O segundo conselho refere-se ao criar hábitos de consumo nos possíveis futuros clientes.
Durante uma formação de apicultura, no intervalo, fomos tomar café a um bar ali próximo. Um dos formandos lembrou-se de pedir mel para adoçar a bica. A resposta já era esperada: não havia, e o argumento enferrujado: “não há porque ninguém pede, por isso não tenho!”. Ninguém o pedia porque ele não estava lá, ninguém o via... e ficamos sem saber se o ovo ou a galinha...
Se houvesse um frasco de mel sobre o balcão decerto alguém quereria experimentar, a ASAE por exemplo... (esta saiu sem querer).
Resolvemos montar uma experiência, no dia seguinte fomos a um novo bar, o último já sabia da “coisa” e o resultado era viciado. Durante uns dias, cada formando, à vez, pediria para adoçar o café com mel. Finalmente, o dono do café, sabendo-nos apicultores pediu ao grupo se alguém lhe podia vender tal produto.
Não acompanhamos o desenvolvimento da experiência, mas seria interessante saber se a “ocasião teria feito um novo ladrão”...

9 comentários:

Alien disse...

Um pedido de desculpas pl'o atraso na actualização do blogue e comentários, mas vivo numa daquelas zonas do país em que apesar do IVA ser também de 20%, tal como outros "deveres", os "direitos" tal como o acesso à net e a qualidade da mesma ainda deixam muito a desejar...
JP

Mário disse...

Amigo Pifano, espero que tenha recebido a totalidade dos genes desse seu parente de longas datas.
Concordo perfeitamente com a fidelização dos clientes, se ainda não eram amigos ou conhecidos passam então a ser, pessoalmente também não gosto de ter o stock a zero, mas por outro lado gosto de ver os frascos desaparecer aos poucos, e o lucro(?) ai o lucro, ainda estou para ver o dia em que vou poder recuperar todo o pouco que investi e continuo a investir, não lhe chamo uma causa perdida, mas também não tenho grande pressa, vou brincando com as abelhas e isso é o que importa.
Bem vindo de novo, estranhei a prolongada ausência, mas de certo que haveria uma causa para tal.
Abraço
Ferradela

Anónimo disse...

Boa tarde,

Está aceito o seu pedido de desculpas, mas não se deixe levar porque, por nós, estava-mos aqui a toda a hora a falar, mas como isso é impossivel e temos a garantia que não nos vai deixar de regalar com os seus artigos,...

Se eu um dia vender mel,...
Terei -o em grandes quantidades e de várias proveniências florais, para nunca deixar um "freguês" meu sem mel.
Bons voos
Francisco

adelino ramos disse...

Ó amigo Pifano então e aquele repto que lhe lancei á tempos da bolsa de valores para o mel a granel isto para os pequenos apicultores, não se acha com coragem de a lançar? até que dava um jeitão .
um abraço
MELFONTENOVA

Alien disse...

Olá Adelino,
De facto não estou esquecido, creio apenas que ainda é cedo, mas já fiz alguns contactos nesse sentido.
Abraços
JPifano

Anónimo disse...

Gostei muito das dicas até porque estou começando a vender mel também. Aliás, alguém sabe de algum comprador em Minas Gerais?

Contato 33 9138 7977
33 3261 2237

Anónimo disse...

Estou fascinado com a qualidade deste último texto, refiro-me não propriamente às dicas, mas ao seu sentido de humor que aliado ao seu conhecimento fez com que tenha acionado o Monte do Mel nos favoritos. Assim é só clicar e tirar alguma dúvida quanto à minha colmeia.
Lorde.

FDias disse...

De facto dá um grande prazer ler os escritos do Eng. JPífano. Este blogue, Monte do Mel, está ao nível dos melhores manuais de apicultura, apenas num formato diferente. Apresenta uma escrita bastante rica em figuras de estilo, bem humorada, descritiva o suficiente para passar a mensagem e acompanhada de ricas e intuitivas ilustrações e fotografias. Para quem é novato no mundo apícola e no dia a dia não tem com quem falar de abelhas é uma delícia vir aqui um bocadinho. Posso deixar-lhe um desafio? Passar todo o blogue para papel editando um livro com o mesmo nome. Eu compro!

Alien disse...

Olá FDias,

Antes de mais um pedido de desculpa pela demora na publicação do seu comentário e os meus agradecimentos pela critica tão positiva ao Monte do Mel!

O desafio da publicação já me foi feito algumas vezes, inclusivamente por um editor, mas... nem sei se o formato com que aqui "desenhei" as coisas resultarão bem em livro.

Quando optei pelo formato "blogue" foi também com o intuito de todos poderem aceder, contribuir e partilhar tal informação de uma forma gratuita.

Tenho discutido bastante tal possibilidade com alguns apicultores amigos e não deixa de ser uma "possibilidade", a médio prazo, precisarei de algum tempo livre para rever tudo e o resultado nunca será um Manual de Apicultura com os assuntos arrumadinhos por temas, terá de ser algo diferente do convencional.

De qualquer forma garanto-lhe que o seu desafio já ficará a pesar bastante nessa decisão.

O meu obrigado uma vez mais,

abraço
Joaquim Pifano