09 março, 2009

Mel de Melada de Azinho

Alentejo terra brava
toda coberta de pão...”


Quem se passeie pelos campos e estradas de terra batida no Alentejo, ao fim de uma tarde de Verão, ou é um “apreciador” ou decerto irá estranhar a paisagem inóspita.
A vegetação esparsa, as azinheiras com os “braços abertos parecendo pedir clemência...”, já não sei quem disse ou escreveu isto. Até os últimos raios solares encontram “razões” para refulgirem em todas as superfícies, multiplicando a luz alaranjada numa atmosfera surreal.
Mas eu gosto...
Ainda assim, as abelhas conseguem retirar néctar desta vegetação escanzelada e fantasmagórica durante o Verão. Refiro-me à Melada de Azinho, um mel escuro, mas de aroma e sabores muito agradáveis, que lembram o dos frutos secos.

A. Gomez Pajuelo, em “A Análise Sensorial nas Provas de Mel”, 1996, classifica-a nos chamados méis escuros, juntamente com o mel de Ericaceas e o de Castanheiro. Referindo que o seu aroma por via nasal directa é característico e intenso, e por via retronasal tem um aroma malteado: típico de méis não florais. Refere ainda que quanto à cor apresenta um castanho muito escuro, quase negro e uma cristalização rápida, com cristais ligeiramente grossos.
Não querendo contradizer quem sabe mais que eu do assunto, tinha (tenho?) a nítida sensação de a Melada de Azinho ser muito difícil de cristalizar, ou nem sequer o chegar a fazer, mas...
Já vi amostras de Melada, em zonas típicas de Melada, com mais de dez anos e apresentando apenas um precipitado no fundo da embalagem, mas nunca cristalizada.
De qualquer forma, a obtenção de uma Melada dita “pura” é quase obra do acaso. Durante o Verão, no Alentejo, ocorrem diversos néctares em simultâneo e que poderão mascarar as características daquele mel consoante os locais, são eles o Girassol, o Cardo de Abelha, as Silvas, o Poejo, o Tomilho, o Orégão e algum Eucaliptus rostrata.
Importa é que o resultado final seja um mel de grande qualidade e sobretudo um prazer para os sentidos.

Sempre que me refiro à Melada de Azinho, ocorrem-me uma série de anedotas sobre os Alentejanos. Lembram-se daquela em que para mudar uma lâmpada são necessários dez Alentejanos? Um para segurar a lâmpada e os outros nove para rodarem a casa?
Ou aquela sobre o que fazem dez Alentejanos frente a um Lisboeta? Enfim...
As abelhas alentejanas, tal como as pessoas do Alentejo, também parecem fazer as suas tarefas de uma forma muito própria, ou não precisassem elas da intervenção de outro “bicho” para produzirem a Melada de Azinho. Refiro-me a uns curiosos insectos vulgarmente designados por “pulgões” ou “piolho” dos vegetais, mais correctamente os Afídeos:

Segundo um manual de protecção de espécies florestais, os Afídeos:
São insectos sugadores que se alimentam do suco celular das plantas. Pertencem às ordens Hemíptera e Homoptera.
Os ataques destes insectos em povoamentos adultos não se têm mostrado significativos. Normalmente os predadores ajudam a manter o equilíbrio. Os Afídeos e os insectos de famílias afins causam necroses, morte e queda prematura das folhas, mas, por enquanto, sem impacte económico
.

Neste manual, encontrei referências a seis espécies da ordem Homoptera, sendo que apenas uma delas produz melada, o Thelaxes suberi (Del Guercio) - (Homoptera, Drepanosiphidae) e tem como plantas hospedeiras o Sobreiro e a Azinheira. Pela prolificidade de espécies e formas de Afídeos que existem na Natureza, acredito que para a produção da Melada de Azinho intervenham igualmente outras espécies além da citada. De qualquer forma trata-se de um assunto pouco documentado e por isso muito difícil de obter informações.
As espécies de Afídeos mencionadas neste livro foram extraídas das citações de Ilharco (1959).

Da “Enciclopédia Ilustrada de Apicultura”, de Roger Morse e Ted Hooper, 1986, retirei que os Afídeos se alimentam da seiva das plantas e expelem grandes quantidades de melada (açúcares) que se acumula sobre a folhagem. Essa melada é posteriormente recolhida pelas abelhas e armazenada como mel. A mesma fonte refere ainda que as razões pelas quais os Afídeos procedem desta forma não é muito conhecida, pensa-se que procuram na seiva substâncias azotadas e sais minerais, expulsando o excesso de açúcares de que obviamente a seiva é constituída. A Melada contém cerca de 90% dos açúcares e 50% das proteínas da seiva original, pelo que o tubo digestivo do Afídeo deverá funcionar como um filtro que retém grande parte das substâncias azotadas, eliminando o açúcar em demasia.

Temos então várias origens distintas para o mel:
Os nectários florais: Onde a planta “voluntariamente” disponibiliza néctar para as abelhas mediarem o processo de polinização.
Os nectários extra-florais: Onde as plantas, “também voluntariamente” expulsam néctares por razões fisiológicas, e que podem ser aproveitados pelas abelhas, ex: Girassol.
Seivas sugadas e expulsas por Afídeos: Estas de uma forma “involuntária”, pois trata-se de um parasita das plantas que “rouba” o néctar.

Quem nunca deixou o carro estacionado “à sombra da Azinheira”, ou de um Chorão ou outras árvores, encontrando mais tarde o tejadilho e pára brisas cobertos por uma substância pegajosa? Se o estacionamento durar dias ou semanas, é uma felicidade quando se ligam os limpa pára brisas e verificamos que as borrachas se arrancam e ficam coladas ao vidro... Quem nunca viu manchas de cor escura sob a copa de certas árvores, de uma substância que fica colada à sola dos sapatos?
Nos montados de Sobro e Azinho é muito fácil identificar as árvores que albergam Afídeos produtores de melada. Inicialmente observa-se nas ramadas mais baixas, um aspecto gorduroso e brilhante, por causa dos açúcares que caiem das partes mais altas (rebentos e folhas jovens), onde se encontram os ditos insectos. A vegetação sob a copa das árvores apresenta muitas vezes este aspecto.

Ao fim de um tempo, essa rama e a vegetação coberta de melada ficam muito escuras, devido aos fungos que crescem no açúcar.

Tudo isso é a Melada, “excrementos” açucarados de milhares de pulgões que parasitam os raminhos e folhas novas das árvores.
Outro dos sinais da existência de meladas é quando a bolota ainda verde se apresenta fendida. As populações rurais costumam dizer que a árvore está com muito “viço”, e “rebenta pelas costuras” em seiva, isto já sou eu que o digo...

Já assisti a documentários onde as formigas “guardam” os Afídeos da copa de uma árvore, como se de “gado” se tratasse. Protegem-nos do ataque de predadores e transportam-nos para ramos e folhas menos povoados, para que a produção de meladas seja superior. Para receberem a recompensa, as formigas estimulam a parte terminal dos pulgões com as antenas e eles expelem uma gota açucarada.

As abelhas limitam-se a recolher a melada caída sobre a folhagem das Azinheiras. Estes açúcares estão muito desidratados, a sua colecta é difícil, pelo que as abelhas só o fazem nas manhãs húmidas e enevoadas do Verão, quando tal substância se encontra mais liquefeita.
Infelizmente, a produção de mel de Melada é muito imprevisível, apesar de expressiva nos anos em que ocorre.

A ocorrência deste mel poderá estar dependente de:
 Das abelhas, como é óbvio.
 Ocorrência de outras florações mais ou menos atractivas.
 Existência/quantidade/variedade das populações de Afídeos.
 Condições climatéricas.
 Estado fisiológico da Azinheira?
 Etc...


A historieta do costume...
Andava eu a terminar o meu trabalho de fim de curso, sobre a Regeneração Natural do Montado, quando um dia resolvi contar à minha orientadora de estágio o modo de obtenção do mel de melada.
Pormenorizadamente, descrevi todo o processo desde a retirada da seiva pelo Afídeo, até à sua recolha e armazenamento como mel pela abelha. Foi então que ela, entre incrédula e escandalizada, me perguntou se os apicultores andavam a disseminar pragas de Afídeos pelas Azinheiras para produzirem tal tipo de mel. Enquanto me ria, ia pensando que a ideia nem era má de todo...

3 comentários:

almariada disse...

"Já vi amostras de Melada, em zonas típicas de Melada, com mais de dez anos e apresentando apenas um precipitado no fundo da embalagem, mas nunca cristalizada."

Comprei no domingo um frasco de mel de azinho cristalizado e outro não cristalizado. Como gosto mais do mel cristalizado espero que enquanto o for consumindo o outro cristalize... vamos ver o que acontece... depois digo-lhe! :)

Alien disse...

Olá Almariada,

De facto, quando o Mel de Melada não se encontra muito "contaminado" por outros néctares, apresenta um comportamento muito semelhante ao que referiu.
Fico então a aguardar pelo "comportamento" do dito mel...
Cumprimentos
JPifano

Anónimo disse...

было интересно прочесть, пасиб