Outubro de 2010, já deambulava há cinco dias por entre os Picos da Europa – Astúrias e nem uma colmeia ou vestígio apícola que me permitisse uma reportagem para o montedomel.
Intrigava-me o facto de estar numa zona apícola por excelência e nem uma abelha via sobre nas flores. Pouco me preocupava o facto, tinha na “mira” a Feria Apícola de Cantábria e aí decerto havia de encontrar o que procurava.
Estava na altura num miradouro, a apreciar os elevados picos rochosos, quando vejo passar uma carrinha com um vistoso toldo amarelo, onde se lia entre abelhas e favos desenhados: “Aula de la Miel”. Claro que não fiquei indiferente, mas por causa da surpresa nem consegui ver a localidade ou outra referência acerca do apicultor.
Horas depois, quando interpelava alguém sobre a existência de “colmeneros” na região, ouvi de novo falar na “Aula de la Miel”, ficava perto, em Alles. Depressa rumei a esta pequena aldeia, um itinerário pitoresco entre montes muito altos, um rio caprichoso com trutas e salmões, cabras e vacas na margem e sobretudo imensa vegetação.
Foi à vista de uma placa de trânsito (turística) que anunciava a proximidade da “Aula de la Miel” que me ocorreu uma interessante constatação. Por essa Europa fora é comum os apicultores não venderem apenas o mel, como também tornarem a respectiva actividade numa atracção turística. E ganham dinheiro com isso!
Assim se passava na Miellerie du Massif des Hurtières, nos Alpes Franceses.
Nestes locais, além da aquisição de produtos apícolas, o cliente “compra” também o saber e as curiosidades relativas a essa arte. Trata-se também de um fenómeno cada vez mais comum nas pequenas explorações agrícolas: uma espécie de certificação participada, onde o consumidor tem acesso às instalações onde assiste ao processamento do produto. Uma forma original de promover e garantir a qualidade e a autenticidade.
Na “Aula de la Miel” há inclusivamente um aproveitamento turístico da actividade apícola, vocacionada para crianças, jovens, idosos e outros interessados na matéria. Infelizmente eu visitei-os na época de descanso, ou melhor: na época mais apertada da actividade apícola, quando não recebem visitas turísticas… conforme me disse o proprietário.
... DOS MEUS APONTAMENTOS DE VIAGEM:
Continuamos pelo estreito vale, onde só circulávamos nós e a água do rio, quando vimos um bode a correr numa encosta de grande declive e pedras soltas da outra margem. Era um bonito exemplar, castanho e de pelo comprido, devia ter o rebanho ali perto (…) mais à frente um grupo de cabras saltitava por um trilho na margem de um regato.
Passamos a uma localidade chamada Niserias aos 1667 km, onde um cruzamento nos fez virar à esquerda para Alles. Uma placa turística informava-nos que a “Aula de la Miel” era nessa direcção.
Chegamos a Alles às 14:05 horas, 1671 km, uma pequena aldeia de montanha, meia dúzia de casas e uma Igreja, uma vista privilegiada sobre os montes em redor e muito mato a cobrir as encostas.
Depressa encontramos a “Aula de la Miel”, uma parede de pedra e um telheiro sobre a entrada, com uma placa de madeira pintada onde se podia ler “Aula de la Miel”. Um aviso em papel aconselhava o visitante a tocar a campainha ou ligar para um número de telefone para aceder ao interior. Como a porta estava aberta resolvemos entrar para o terreno em declive por uma descida curta em ziguezague que nos levou à melaria.
Chamou-me a atenção um pequeno apiário com colmeias tradicionais em madeira, troncos escavados e típicos da região. Estavam despovoados, mas a sua visão, mesmo sem abelhas, já valia a pena. Percebi logo que face à indisponibilidade de cortiça na região, os apicultores de outrora se desenrascavam construindo as colmeias a partir de troncos de árvore ou pranchas de madeira.
Achei curioso o facto de muitos dos troncos – colmeia apresentarem remendos em chapa metálica, apesar de quem os construía evitar sempre rachar o tronco, conforme li mais tarde num livro sobre a apicultura local.
Também se viam nas paredes das colmeias os orifícios onde encaixavam as trancas para segurar os favos, à semelhança dos nossos cortiços. A cobrir cada uma havia telhas de barro, para protecção contra o Sol e a chuva.
Ao lado outra fiada de colmeias, estas móveis e do modelo Langstrooth que padeciam da mesma ausência: sem abelhas. Decerto que serviriam apenas para os visitantes apreciarem um apiário “sem riscos”.
Um pequeno azulejo colocado à entrada, na parede exterior, cujo tema era um apicultor entre as colmeias, informava que: “aqui vive: un apicultor”.
Entramos na loja, uma sala com grandes prateleiras onde se encontravam peluches, t-shirts, bonecos, tudo relacionado com as abelhas e a apicultura. O mel era comercializado em potes, mas muito simples e bonitos.
À conversa com o apicultor sobre os tipos de mel que produzia, disse-me que estes dependiam da altitude a que se encontrava cada apiário, variando pois com a data de cresta e com a floração de cada local. Logo pensei que tinha encontrado outro adepto da transumância, mas… nada mais errado. Ele não deslocava as colmeias serra acima ao longo da Primavera – Verão, à medida que as temperaturas o permitiam, como vi nos Alpes, mas antes deixava cada apiário no mesmo local durante todo o ano.
Depressa se justificou dizendo que a transumância causava muito stress nas abelhas. E a filosofia de base da sua exploração era proporcionar todo o bem-estar possível às abelhas, garantir-lhe as melhores condições e o mel viria daí. Nada de forçar a produção, o mel seria um reflexo da saúde e bem-estar das colónias de abelhas.
Gostei da estratégia, nada mais verdadeiro, no entanto não posso deixar de discordar da avaliação que fez à prática da transumância…
Intrigado com o maneio que culminaria no bem estar das abelhas e consequentes reflexos na sanidade e na produtividade, pedi-lhe que me falasse no seu método.
Disse-me que o controlo efectivo da Varroose era determinante, a doença causa algumas baixas na região, pelo que importa estar atento. Adepto dos homologados à base de amitraz, pensa agora experimentar o Hive-clean associado a estrados sanitários.
Outras preocupações relacionavam-se com o clima peculiar da região: por vezes o bom tempo no início da Primavera levava à colocação apressada de alças. A partir desse momento convém estar atento para o caso de algum nevão ou baixa de temperatura súbita arrefecer as colmeias com o espaço acrescido. Isto acontece depois da floração de algumas urzes em Março, seguida de queda de neve em Abril.
A colocação das alças tem de acontecer no timing correcto. Se se colocam antes de haver população suficiente para as ocupar, também isso pode arrefecer a criação com os consequentes problemas sanitários.
Referiu-se ao SDC nas Astúrias como casos isolados de Varroose mal controlada, sobretudo nas pequenas explorações onde há menos cuidado na selecção dos acaricidas. Admitindo no entanto que tal anomalia também já causou bastantes baixas nos efectivos da região.
Falou também das micoses, provocadas pela humidade excessiva nalguns locais, o que é de todo compreensível atendendo à existência de vales profundos com poucas horas de luz diárias.
O resto do ano, após a Primavera, é um descanso no que respeita aos cuidados de bem-estar das abelhas. Surgem as florações de uma série de Ericáceas (Urzes) diferentes, os castanheiros e outras flores que não consegui traduzir.
Faz a cresta nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, consoante a maturação escalonada dos diferentes méis produzidos ao longo da altitude das encostas.
Agradam-lhe os preços a que este ano os méis ascenderam, rondando os 2,90€/Kg em média, no território espanhol. Apesar de vender a maior parte da sua produção na “Aula de la Miel”, aos visitantes e turistas que comparecem para o efeito.
Utiliza somente colmeias Langstrooth com alça Dadant, mais altas que as específicas para esse tipo de ninho.
Finda a conversa e a visita, despedimo-nos combinando encontramo-nos amanhã na Feira Apícola de Cantábria, em Torrelavega, onde iria participar com um stand expositor.
À saída reparei na carrinha com o toldo amarelo que nos despertara a atenção horas antes e longe daquele local.
Saímos de Alles às 14:45 horas, em direcção a Arenas de Cabrales.
No caminho, ia pensativo e até preocupado com a opinião que este apicultor profissional tinha da transumância, como prática stressante para as abelhas, uma vez que as obrigava a esforços suplementares… Estive para voltar atrás e confrontá-lo com a hipótese de ter uma vaca a dar leite durante dois meses em vez de oito, mas preferi deixá-lo com as suas convicções.
Como apologista que sou dessa prática senti-me algo contrariado. Uma modalidade que nos leva a ter as abelhas em floração contínua, sempre activas, eliminando as mais fracas e doentes, passando menos tempo na colmeia em contacto com as saudáveis e por isso menos riscos sanitários. Por outro lado também não há comparação possível entre as condições para a apicultura de montanha nas Astúrias e a que se pratica no Alentejo, onde a transumância não só se justifica como é determinante.
Esta visita valeu sobretudo pela comparação que já fiz lá atrás, com o apicultor dos Alpes, a forma como dois apicultores novos, vivendo exclusivamente da apicultura, resolvem “ir para lá” da produção e venda do mel. A forma como fizeram da apicultura uma actividade interactiva, vendendo aos clientes não apenas o mel mas também a própria “apicultura”, o segredo da abelha, tudo aquilo que os leigos não sabem e “pagam” para saber!
Não só colhem dividendos com tal actividade, como acabam por divulgar o sector e sensibilizar o resto da população para a importância das abelhas e da apicultura para a economia, o ambiente e a sociedade em geral. Para a maioria de nós, apicultores e demais aficionados, a “Aula de la Miel” trata-se de um “Ovo de Colombo”, porque não havemos todos nós e cada um de fazer o mesmo?
Uma coisa é certa, da iniciativa destes apicultores beneficiamos todos os outros… com a promoção do sector apícola.
(…)
www.auladelamiel.com
08 novembro, 2010
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4 comentários:
Desconfio que a justificação do stress nas abelhas durante a transumância, é mais uma desculpa pelo stress e trabalho que o apicultor teria se a fizesse...
Mais uma aula do mel de gentes que nos circundam.
Parabéns pela excelente forma como é partilhada essa informação.
Um Abraço sincero aos Apituristas.
Não sei se é bem a mesma espécie, mas as flores azuis (Echium) que aparecem na foto parecem-me as que também há aqui e das quais as minhas abelhas fizeram este ano grande parte do seu mel (em conjunto com o rosmaninho).
Se este ano não me enganei na minha observação de um favo, o seu mel é de um amarelo muito vivo!
Mas não sei até que ponto não seria também de rosmaninho.
O sabor não sei descrever bem... Sabe a mel.
Abraço
Que pena não vós ter acompanhado, para a proxima, quero mesmo ir.
Parabens aos dois
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