“Fui para a Patagónia”
Foi com um telegrama assim, dramático
e lacónico, que Bruce Chatwin mandou o resto do mundo à fava e se refugiou por
uns tempos nas planuras sem fim dessa região do globo. Também nós fomos para a
Patagónia de Chatwin, sobretudo para a Patagónia de Luís Sepúlveda e diga-se
que nunca tínhamos ido tão longe na vida…
Esta viagem começou a ser
desenhada há mais tempo, mas em 2013 reparei que um dos seguidores do
Montedomel era um apicultor chileno, da Patagónia, e isso acabou por ser a
faúlha que incendiou a nossa decisão de partir para o Fim do Mundo. Trocamos
uns mails com Bruno Fierro (Colmenares Fierro de Purranque) e
ficamos a aguardar pela oportunidade de ir, oportunidade que se proporcionou em
finais do ano passado.
O percurso começou em Buenos
Aires na Argentina e terminou em Santiago do Chile, pelo caminho cruzamos e visitamos
lugares míticos entre os Paralelos 42 e 55, como Puerto Madryn, Trelew, Rio
Gallegos, El Calafate, Glaciar de Perito Moreno, Puerto Natales, Torres del
Paine, Punta Arenas no Estreito de Magalhães, Ushuaia na Terra do Fogo, Puerto
Montt, Ancud e Castro na Ilha de Chiloé, Osorno e Purranque. Avançamos pela
América do Sul até haver terra firme, estivemos pertíssimo do Polo Austral, mas
a ausência de transportes públicos até lá demoveu-nos de ir mais longe…
Alguns dos meus desenhos nos Cadernos de Viagem...
Foi uma viagem de grandes
números: cerca de 30.000 Km entre a saída e a chegada a casa, dos quais 8.600
Km de autocarro pelas pampas, colinas e vales da Patagónia, 8.140 Km só nos
percursos entre as principais cidades.
Nos principais percursos de
autocarro consumimos cerca de 120 horas, o equivalente a cinco dias
distribuídos entre várias viagens de 12 e de 20 horas, e uma delas de 34 horas,
entre outras menores… foi duro, extremamente duro, mas valeu cada segundo gasto
e cada metro percorrido.
Chegamos a Osorno ao 20º dia de
viagem e depois de tantos quilómetros e noites pouco e mal dormidas, a vontade
de cumprir com mais uma “Apireportagem”
era mínima. Apesar de serem apenas duas pequenas deslocações de cerca de 40 km
cada, implicava fazer o reset das ideias nómadas que me iam na cabeça e voltar
a instalar o software apícola para esse efeito…
Mas as “Apireportagens” que começaram em Outubro de 2009 no Camping de
Cerdeira no Gerês, quando o Sr. Pires nos ensinou a fazer as Corpelas para os
Cortiços, tornaram-se uma tradição nas nossas viagens e a Patagónia não iria
ser uma excepção.
Por volta das 14:00 horas locais chegamos
à pacata localidade austral de Purranque, um aglomerado simétrico e colorido de
pequenas casas em madeira e metal, mas muito ordenadas e jardinadas. Tinha
enviado um mail ao Bruno Fierro na noite anterior a confirmar a nossa visita,
mail que ele não recebeu conforme mo disse mais tarde. O último mail que
recebera tinha sido enviado uns meses antes e esta falta da minha responsabilidade,
mais não se deveu que às tremendas dificuldades logísticas que uma viagem com
estas características costuma trazer: nós não conseguíamos prever com mais de
24 horas onde e em que dia chegaríamos a cada lugar, nem tão pouco se
chegaríamos…
Mas estas andanças sempre se
baseiam no factor sorte, pelo que nos preparávamos para ingerir umas ubíquas e
nutritivas costeletas com puré de batata, num restaurante da Plaza de Armas,
quando fazendo uso das mesmas capacidades que permitem a dois anões reconhecerem-se
mutuamente numa multidão, eu também reconheci o apicultor Bruno Fierro, de
relance e a passar na rua, ou não fosse ele vestido com um macacão branco e
polainitos…
Cumprimentamo-nos e conseguimos
marcar uma hora ao fim do dia para trocar umas impressões e eu tirar umas
fotografias a um apiário de criação de rainhas que ele tinha junto à sua casa.
Foi o possível e foi uma sorte, que eu bastante agradeço ao Bruno, pois ele
andava ocupado com dois clientes a visitar apiários no campo e nós tínhamos já
marcada uma longa deslocação para essa noite.
Quando chegamos ao apiário do
Bruno, nunca mais me esqueço, andava ele com os seus clientes Jorge e Joana,
jovens apicultores de Rio Negro, a inspeccionar os alvéolos reais numa enorme
colmeia criadeira de rainhas. De máquina fotográfica em punho, a minha primeira
preocupação foi inquirir sobre que raça de abelhas se tratava: híbridos de
Abelha Negra Europeia com Ligústica e Carnica. Estávamos na América do Sul onde
esta pergunta não é descabida, uns anos antes estive muito bem equipado a abrir
colmeias com Abelhas Africanizadas em Manaus e foi o cabo dos trabalhos,
enquanto hoje apenas envergava um fato de treino e um casaco polar…
Fiz um figurão, completamente
desprotegido enquanto os apicultores abriam e fechavam colmeias, mas nunca
cheguei a ser incomodado pelas abelhas que até me pareceram dóceis. Percorremos
o colorido apiário de núcleos Langstrooth até ao fundo do quintal onde
recentemente foi instalado um pequeno laboratório onde trabalham o Bruno e quatro
investigadores/técnicos apícolas, pertencentes a outras tantas associações, num
projecto em parceria com a Universidade de Los Lagos.
Já no gabinete de Bruno Fierro
encetamos uma curta e informal conversa, onde lhe pedi que nos caracterizasse a
Apicultura Patagónica, não esquecendo as duras e adversas condições climáticas
que sempre afectam a região e que tanto dificultam a prática da apicultura.
O Bruno iniciou a sua actividade
como apicultor em meados da década de 1990, sem qualquer referência apícola na
família, referindo que a principal dificuldade para quem começa a ser apicultor
na Patagónia é a inexistência de informação, nomeadamente livros sobre o tema,
que se possam adaptar às características peculiares desta região. Região com
Invernos longos e difíceis, temperaturas muito baixas associadas à queda de
neve, ventos fortes durante quase todo o ano e outros factores que limitam a
actividade. Passou por isso bastante tempo para conhecer os ciclos naturais da
região, para adaptar a sua exploração a essas condições, mas ironicamente
refere que essas mesmas condições climáticas estão a mudar drasticamente nos
últimos anos, dificultando ou inviabilizando o que até então tinha dado como
estável.
Este fenómeno tem afectado
sobretudo a criação de rainhas, levando a taxas de sucesso muito baixas quando
comparadas aos resultados de há uns anos atrás. Ultimamente, o período em que é
suposto as rainhas saírem no voo nupcial para a fecundação natural tem
coincidido com chuvas fortes e temperaturas baixas.
A Colmenares Fierro dedica-se
sobretudo a cinco sub-produtos dentro da actividade apícola:
1 - Fabrico e Comercialização de Colmeias, actividade que os tornou
conhecidos dentro do sector em toda a Patagónia.
2 - Produção e Comercialização de Colónias de Abelhas, material
genético seleccionado, como complemento da Criação de Rainhas.
3 - Serviços de Polinização, trabalhando apenas com uma empresa
agrícola de produção de Mirtilo, o que lhes ocupa parte das colmeias durante
dois meses, tempo que dura a floração.
4 – Serviços de Capacitação e Assessorias, estão agora a dar
assessoria a um projecto da Universidade de Los Lagos, financiado pelo Governo
Regional. Este projecto tem duas grandes linhas: Fomentar a Apicultura Orgânica
(em Modo de Produção Biológico) e Seleccionar as linhagens genéticas melhor
adaptadas ao clima do Sul do Chile, a partir de colónias de abelhas da região.
5 – Produção e Venda de Mel.
O Calendário Apícola do Sul do
Chile:
O ano apícola na região de Los
Lagos acaba e logo começa quase na mesma data, no mês de Abril, no fim do Verão
patagónico, data em que aplicam os tratamentos contra a Varroose a que se segue
um período de acomodação da colónias à invernada.
Tal como nós temos o “Verão de S.
Martinho”, no Sul do Chile têm o “Verão de S. João”, em finais de Junho, que
aproveitam para fazer a inspecção de Inverno às colmeias. É por esta data que
nas abelhas melhor adaptadas à região as rainhas iniciam a postura, o mais
tardar no início de Julho, e as não adaptadas só o fazem mais tarde. Quando a
Primavera é íntegra, surgem os primeiros dias de Sol durante o mês de Agosto,
verificando-se os primeiros fluxos de néctar, as colónias de abelhas iniciam
então a actividade nesta fase, assim o clima o permita, frisou.
É só durante o mês de Setembro, coincidindo
com as Festas Pátrias, que nas colónias mais desenvolvidas se começam a colocar
as primeiras alças. Em Outubro já começa a designada febre de enxameação. Na
exploração de Bruno Fierro esta característica comportamental tem sido
gradualmente eliminada do pool genético das suas abelhas, uma vez que é
considerada uma má característica. Em Novembro acentua-se o controlo de
enxameação, visto ser neste mês que saem a maior parte dos enxames, torna-se
por isso muito cansativo e desgastante para o apicultor.
Em Dezembro e ainda às voltas com
o controlo da enxameação, começa a produção de mel de Canola (miel de Raps),
comum e muito procurado na região, cujo fluxo de néctar bastante fomenta a
tendência para as colónias enxamearem. No entanto tratando-se de um mel muito
valorizado é por isso importante a passagem das colmeias por esta floração,
sobretudo para os apicultores de média a grande dimensão.
Este mel pode ser aproveitado
como primeira colheita, que chega a ser muito importante com produtividades de
20 a 30 kg e por vezes 50 kg, quando o clima o permite e nas melhores colónias.
Já os apicultores do Norte apenas a utilizam para dimensionar as colmeias, para
depois as levarem para as fontes de néctar nativas, nos bosques de montanha.
Quem não utiliza a floração da
Canola sempre pode optar pela da Amora (Silvas) que foram trazidas pelos
colonizadores europeus, alemães, para delimitar as propriedades e que se
converteram numa praga, felizmente com boas produções de néctar. Segue-se
também a “alfafa chilota”, mais comum em terrenos húmidos e também uma
importante fonte de néctar da qual se chegam a colher méis monoflorais.
Abelhas num jardim em Santiago do Chile.
Em Janeiro colhem-se os méis
multiflorais, genericamente conhecidos como méis de Primavera. É importante
para os apicultores fazerem esta cresta no início do ano uma vez que isso lhes
permite libertar as alças para a floração principal de Verão: a dos bosques
nativos onde predomina o mel de Ulmeiro, creio que o mel melhor cotado e que
chega aos 50 a 60 kg/colmeia. Estas florações estão disponíveis quer na
cordilheira da costa, no litoral, ou na Cordilheira dos Andes, na fronteira com
a Argentina.
Daqui se conclui que com um bom
maneio, em colónias selecionadas e com clima favorável se podem chegar a médias
próximas dos 90 a 100 kg/colmeia o que é melhor que excelente. Mas nem tudo são
rosas, a floração do Ulmeiro é muito caprichosa, há anos em que está em plena
floração e as flores pura e simplesmente têm os nectários secos, outras vezes
são as geadas que queimam por completo a floração e toda a produção desse ano
fica comprometida.
Para esta floração concorrem
também apicultores do centro e do Norte do país, chegando a percorrer cerca de
1.200 Km para o efeito. Por isso, regiões onde antes havia duas ou três mil
colmeias chegam agora a ter 20.000 e 50.000, reflectindo-se essa pressão na
produtividade local.
Mas a floração de Ulmeiro, apesar
de ser a mais importante não é a única do bosque nativo, também me falou no
monofloral de Aveleira, pouco explorado por falta de conhecimentos e outras há
que são importantes mas que não consegui reter o nome nativo.
Como principais problemas referiu
a ausência de legislação apícola de uma forma geral e o ordenamento em
particular. Também a falta de técnicos apícolas com formação universitária, uma
vez que os curricula agrícolas não
contemplam a apicultura.
Disse-nos que a Varroose está a
ganhar terreno, muito por culpa dos apicultores que continuam a utilizar as
mesinhas caseiras para a combater. Referiu os produtos orgânicos como eficazes
no combate a esta moléstia, especialmente o Apilife Var.
No campo da comercialização de
mel, uma Universidade Chilena da região de Temuco demonstrou que para um
apicultor vender mel com facilidade fá-lo até à tonelada, na exploração e nas
feiras, para lá da primeira tonelada começam os problemas de comercialização.
No mercado grossista, no ano passado chegaram a um preço record de cerca de
3,00€/Kg, este ano o preço quase roçou os 2,00€/Kg…
E foi assim, no meu sofrível
castelhano ainda encontrei palavras para agradecer e mais uma vez pedir
desculpa pela visita relâmpago, mas ainda tínhamos um troço de doze horas de
autocarro daí a instantes, até Santiago do Chile…
Obrigado e um grande abraço aos
irmãos Fierro pela forma simpática com que nos receberam e pela agradável
conversa apícola que nos proporcionaram, esperamos um dia regressar a Purranque
com mais disponibilidade!
Seguem-se algumas imagens da Patagónia chilena e argentina...
Farol do Fim do Mundo e Parque Natural Torres del Paine
Lago em Ushuaia, Glaciar de Perito Moreno e Lago Argentino
Leões Marinhos e Corvos Marinhos no Canal Beagle, Pinguim de Magalhães na Isla Magdalena (Estreito de Magalhães) e Guanaco no P. N. Torres del Paine
Ushuaia, Terra do Fogo, Argentina
4 comentários:
Muito Pifano sempre um apiturista sempre na linha da frente em ver outras apiculturas em lugares tão distintos Parabéns até breve
Francisco Rogão
Joaquim,
Que grande report apícola!!
Abraço,
Agreste
Grande Viagem, Parabéns pelo Artigo ;)
Cumprimentos
Delmar Rodrigues
Hola Joaquim.
Te saludo desde el Sur de CHILE para agradecer a nombre de mi Familia la enorme deferencia tuya y tu Esposa de venir a visitarnos desde tan lejos.
Sólo decir que sentimos mucho no haber tenido una mejor coordinación para haber retribuído todo el aprecio y afecto que UDS. se merecían por el enorme sacrificio realizado.
Un abrazo grande y cariños para su Esposa. Que esten muy bien y eternamente agradecidos por su gestión y la ublicación en su prestigioso Blog que nos enorgullece. Felicidades Amigo.
Bruno Fierro.
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