Vamos crestar os ninhos?
Dito assim de chofre soa a
estranho, um autêntico paradoxo, não só pelo risco do mel com resíduos de
medicamentos, como pelo facto de saquearmos as reservas estratégicas da
colónia.
No entanto não é nada disso que
vamos tratar nesta experimentação, nem o mel dos ninhos se destinará à
alimentação humana nem tão pouco as abelhas vão ficar desprovidas de reservas.
OS FACTOS…
Todos os anos na Primavera
aumentamos os efectivos desdobrando as colónias pré-existentes. O processo
utilizado (numa descrição simplista) é o habitual: dividir os dez quadros da
colmeia original por duas colmeias e completando os espaços vazios com lâminas
de cera moldada.
Na colmeia que fica com a rainha, regra geral, os cinco quadros de
cera moldada são “puxados” numa ou duas semanas e preenchidos regularmente com
criação e algumas reservas, mas sobretudo com criação.
Já na colmeia que fica órfã, independentemente de lhe adicionarmos ou
não um alvéolo real ou mesmo uma rainha virgem, há um intervalo de tempo sem
qualquer postura que pode ir de quinze dias até quase aos dois meses (como
estranhamente se verificou este ano), mas a média de tempo normalmente ronda as
cinco ou seis semanas.
Durante esse período, nas
colmeias com estas características, os quadros de cera moldada são puxados e
preenchidos com néctar cuja rapidez depende da quantidade de abelhas aí
colocadas, bem como da disponibilidade de néctar no campo.
Como normalmente provimos a
colmeia órfã com muitas abelhas adultas e criação, e fazemos os desdobramentos
na Primavera, o enchimento da totalidade dos quadros com néctar é muito rápido.
Dependendo dos anos, nas colmeias que ficaram com rainha,
sobretudo nas que não foram desdobradas,
pode verificar-se (e normalmente verifica-se) alguma incidência do fenómeno da
enxameação. Pela mesma ordem de ideias, verificadas na prática, também estas
colónias passam por um período de quatro ou cinco semanas sem que haja qualquer
postura, o que leva a que as obreiras ocupem todos os quadros e alvéolos
disponíveis com néctar, dado que:
a) Há imensa floração nesta data
b) Não há rainha em postura para competir com as obreiras na
utilização dos alvéolos.
c) Toda a criação acabou por emergir dos alvéolos, disponibilizando
novo espaço e libertando as amas e abelhas mais maduras para colectarem maior
quantidade de néctar, até porque o seu consumo diminuiu bastante na colmeia
pelas mesmas razões.
O PROBLEMA…
Mais tarde ou mais cedo, se as
coisas não correrem mal, as rainhas acabam por emergir dos alvéolos reais,
fazem o voo nupcial e iniciam a almejada postura. Mas iniciam-na com muita
dificuldade visto que o espaço disponível é pouco (ou nenhum).
Excesso de reservas de mel e pólen nos ninhos, dificultando ou impossibilitando a postura da rainha.
Algum tempo antes de isso
acontecer é habitual as abelhas desbloquearem os alvéolos removendo o mel
armazenado numa área em forma de “disco” com cerca de dez centímetros de
diâmetro, na zona central do quadro. Muitos apicultores já se habituaram
inclusivamente a “prever” o início da postura da nova rainha, sem remexerem os
quadros todos (o que é contraindicado nessa fase), mediante a observação desses
“discos” de alvéolos vazios e com um aspecto polido e brilhante.
Apesar desse esforço das obreiras
em disponibilizarem espaço para a postura da rainha, muitas vezes tenho
observado em inspecções às colmeias no fim da Primavera, normalmente no
pós-cresta, uma área mínima de criação, associada a ninhos extremamente pesados
pelas imensas quantidades de mel armazenado.
Como temos por hábito (e por
possibilidade) a deslocação das colmeias para a floração de Verão, surgem-nos
dois problemas:
a) Ninhos (Lusitanos) demasiado pesados para o transporte, o que
sempre se ressente na “estrutura” do apicultor…
b) Colmeias deficientemente povoadas quer pelo período sem rainha,
quer pela dificuldade de postura por falta de espaço, numa fase em que a população
é extremamente necessária para as florações que se aproximam.
c)
O terceiro problema (numa série de dois) nunca augura nada de bom… mas ele
poderá existir, fica à vossa consideração e critério. Mas não lhe chamemos para
já um problema, será antes uma dúvida sobre a qual gostava que refletissem:
Será que as rainhas novas
impossibilitadas de fazerem uma postura regular e abundante, por causa da
indisponibilidade de espaço, não poderão ser erradamente “consideradas” pelas obreiras como
“rainhas deficientes” e como tal sujeitas a eliminação ou substituição?
Por esta ou por outras razões,
talvez até por serem rainhas de emergência devido ao método de desdobramento
utilizado, rainhas biologicamente imperfeitas, com ovários menos desenvolvidos,
será por isso que são frequentemente substituídas?
No entanto, também observo tais
substituições nas colmeias (não desdobradas) que enxamearam e essas não serão
decerto “rainhas de emergência”, fica a dúvida.
Em todo o caso resolvemos agir
proactivamente no sentido de resolver os três problemas anteriores de uma
assentada:
UMA HIPÓTESE DE MANEIO…
Será que crestando os ninhos antes
da floração de Verão, a rainha irá aproveitar o espaço para ampliar
suficientemente a área de postura e com isso aumentar muito a população para a
nova colheita? Tal como ainda “dar provas” da sua vitalidade e impedir que a
substituam?
Ou as obreiras vão mandar o nosso
trabalho extra “por água abaixo” e voltam a bloquear o ninho com néctar?
Quadros do ninho a que se extraiu o mel, prontos a serem reintroduzidos nas colmeias.
a) O primeiro desafio será ganho por nós sem qualquer dúvida:
diminuiremos significativamente o peso dos ninhos para a transumância!
b) Dependendo das regiões e das florações, a rainha poderá ou não
ter estímulo para encher de ovos os quadros de cera puxada que desta feita lhe
disponibilizamos. Se não “sentir” esse estímulo sempre podemos fazer batota e
adicionar alimento estimulante…
c) O facto de as obreiras voltarem, ou não, a bloquear os quadros
de cera puxada com néctar dependerá da flora disponível. Por aqui sempre temos
cerca de um mês a seis semanas de intervalo entre a cresta de Primavera e a
Melada de Azinho ou a floração do Cardo de Abelha…
ATENÇÃO: Reparem que eu sublinhei na hipótese acima a expressão: “antes
da floração de Verão”:
O método proposto na presente
experimentação sobre a Cresta dos Ninhos
poderá ser deveras arriscado nalgumas regiões. Tal só deverá ser praticado se,
e apenas se, tivermos a garantia de uma floração abundante para breve!
Em todo o caso, se a experiência
correr mal, sempre temos armazenado o mel que “saqueamos” aos ninhos e que lhe podemos
devolver em caso de fome…
O PROCEDIMENTO…
O habitual em qualquer cresta,
apenas nos temos de preparar para manusear e transportar quadros quatro ou
cinco vezes mais pesados que os das alças…
O acto da cresta é determinante
em todo o processo, nomeadamente a decisão de quantos e quais os quadros a
retirar sem com isso afectar demasiado a fisiologia da colónia.
Na imagem de cima: retirar o excesso de quadros com reservas e rearranjo dos quadros de criação na posição central da colmeia.
Na imagem de baixo: preenchimento dos espaços vazios (entre a criação e as reservas) com quadros de cera puxada, ou seja, a que se extraiu o mel...
Devemos deixar pelo menos dois
quadros de reservas. Até podíamos reduzir este número mas poderá ser arriscado
nalgumas regiões.
Aproveitamos o rearranjo de
quadros no ninho para juntar todos os que têm criação ao centro e deixar os
quadros com reservas nas extremidades.
Os espaços vazios, que ficarão
após a cresta do ninho, entre a criação e as reservas, serão o mais breve
possível ocupados pelos quadros de cera puxada, uma vez extraído o mel.
Podíamos optar também por intercalar alguns quadros de cera puxada entre os de criação, aproveitando a “esfera de calor” para que a rainha aumente ainda mais a área de postura, mas acho o pormenor pouco relevante, que fique ao critério de quem queira experimentar.
Podíamos optar também por intercalar alguns quadros de cera puxada entre os de criação, aproveitando a “esfera de calor” para que a rainha aumente ainda mais a área de postura, mas acho o pormenor pouco relevante, que fique ao critério de quem queira experimentar.
Não é demais recordar que os
espaços vazios deverão ser ocupados por quadros no período máximo de 48 horas,
caso contrário as abelhas erigirão favos naturais.
Na sequência de imagens acima podemos ver como os quadros recém crestados, lambuzados de mel, são apetecíveis para as abelhas que os ocupam imediatamente...
Uma vez extraído o mel aos
quadros do ninho é guardado em vasilhas próprias, neste caso utilizei garrafões
de plástico reciclados, e mais tarde (fim do Verão e ou Inverno) é devolvido às
colmeias sob a forma de alimento artificial, diluído em água ou concentrado com
açúcar, consoante queiramos estimular a postura ou apenas manter a população.
É importante identificar bem esse
vasilhame para evitar que tal mel, inadvertidamente, vá parar a embalagens de
mel… biológico…, ou a outros mercados para consumo humano. Tal como é também
importante, findo o processo, higienizar todo o equipamento da melaria
implicado na extracção deste mel.
OS RESULTADOS…
A maioria dos quadros de ninho
com reservas que sujeitei a este processo, sobretudo nas colónias mais
populosas, encontravam-se repletos de criação, o que foi bastante encorajador
visto que era esse o objectivo da experiência.
Veja-se o exemplo na imagem
seguinte, obtida duas semanas após a “cresta” dos ninhos:
AS CONCLUSÕES…
Parece-me bastante proveitoso
este tipo de maneio, na medida em que com um pouco de trabalho suplementar
conseguimos desbloquear os ninhos, ou pelo menos acelerar bastante esse desbloqueio,
proporcionando espaço de postura à rainha, aumentar a população e manter as
reservas mobilizadas em acção de as devolver à colónia quando forem
necessárias.
No entanto, convém observar e
ponderar sobre outros factores e aspectos a ter em conta por quem venha a optar
por um maneio semelhante:
1. Se bem que não seja o aspecto mais grave, isto é mais uma
artificialização a somar à longa lista que infelizmente já caracteriza o
sector…
2. Como já foi referido, e não é demais recordar, tal acção só se
justifica quando há a garantia de fortes entradas de néctar a curto prazo. Caso
contrário não só não vale a pena incrementar o aumento da população antes de
uma estação sem flores, tal como corremos o risco de enfraquecer
irreversivelmente as colónias.
3. Se por qualquer razão climática ou de maneio as colónias
apresentarem sete ou oito quadros de criação, também não se justifica tal
acção. No presente caso apenas o fizemos pelo facto de os ninhos estarem
bloqueados por excesso de reservas e isso constituir um impedimento à postura
da rainha.
4. A remoção do mel dos ninhos deverá ser feita antes da
transumância, não apenas lhes reduzimos o peso, com fortes benefícios para quem
com elas carrega, como ainda providenciamos mais espaço para que as abelhas se
acomodem durante o transporte, diminuindo o risco de esmagamentos.
5. A gestão correcta dos méis extraídos neste processo poderá
resultar numa economia em termos de alimentação artificial na estação fria,
podendo até significar a diferença entre o colapso e a sobrevivência de algumas
colónias.
6. Ficará a dúvida apresentada mais atrás, mas se esta acção
estimular a rainha para maiores posturas, poderá evitar a sua substituição pelas
obreiras e neste caso desnecessária…
7. Oportunidade para substituir alguns quadros com cera demasiado
velha e ou bloqueada de pólen.
8. Atenção ao acto de “crestar os ninhos”, nomeadamente a remoção
das abelhas que estão nos quadros, pois nesta cresta em particular é possível
que uma dessas abelhas seja a rainha…
9. Com tal medida também evitaremos ou diminuiremos bastante a postura da rainha nas alças.
9. Com tal medida também evitaremos ou diminuiremos bastante a postura da rainha nas alças.
10. (…)
Um forte abraço para todos aqueles que continuam a manter e a disseminar
abelhas pela Natureza!
Joaquim Pifano
6 comentários:
Parabéns Joaquim, pelo regresso em força!!
Aqui faço parecido,
Mas com o objetivo de ter um quadro extra de cria a meio do verão, afim de ter campeiras extra na entrada do fluxo de pólen da tágueda.
Apenas ressalvo que na minha opinião o mel dos ninhos é consumível por Humanos, desde que se respeitem as regras relativas ao uso dos acaricidas. E se mandar analizar as amostras penso que ficará com a mesma opinião.
No meu caso não alimento nunca com mel, pois axo um risco ao qual apenas exponho o apiário que lambe as alças.
Basta 1Q de cera puxada e um pouco de estimulação que desencadeia uma reacção em cadeia com a raínha a enche-lo de ovos, depois a cria aberta pede comida, as amas libertam mais espaço ao consumirem reservas de pólen e mel e levando a um ciclo de expansão que se perpetua desde que a estimulação não páre depressa demais. Gosto imenso de após a cresta e tratamento dar 3 a 4 alimentações abertas ao apiário, pois elimina totalmente a vontade de pilhagens, o movimento mesmo na hora do calor provoca um forte incentivo à postura, serve de comida e bebida e sendo apenas 150 a 200ml/ colmeia não permite o bloqueio do ninho.
Abraço!!
Afonso
Olá Afonso,
Antes de mais estou com imensa curiosidade para saber do desenvolvimento
das tuas "torres" desde a minha última visita, já têm mais alças???
Relativamente aos resíduos de medicamentos no mel/cera dos ninhos é um assunto
com "pano para mangas"... conheço situações em que após os tratamentos (retirada das
bandas acaricidas) o apicultor faz desdobramentos, coloca as lâminas de cera
moldada a completar os ninhos e meses depois até cresta esses quadros alegando
que nunca estiveram em contacto com o medicamento.
Não deixam de ter razão, mas... há todas aquelas correntes de pensamento que
afirmam que há transferências de mel/néctar entre os vários quadros do ninho,
tal como até entre o ninho e as alças... precisamente para disponibilidade
de espaço de postura e... sabe-se lá se é assim... só marcando o mel.
Pessoalmente prefiro não arriscar.
Mas como dizes, e muito bem, depende muito do tipo de ataque que se fizer à varroa,
tal como dos prazos entre aplicação do medicamento e colheitas.
Por outro lado, independentemente do serem quadros do ninho ou das alças,
cada vez mais me preocupam os resíduos que não da responsabilidade do apicultor, nomeadamente os pesticidas aplicados em culturas e outra vegetação.
abraço
Pifano
Joaquim excelente regresso. Estou tentado a fazer este metodo mesmo estando no serra da estrela naquelas colmeias que estao a abarrotar de mel nos ninhos e que as abelhas nao subiram para as meias alcas.
Continua este excelente trabalho/projeto.
Abc
Ricardo Jesus
Olá Ricardo,
Agora fiquei com curiosidade em saber que floração
vão ter na Serra da Estrela durante o Verão?
Caso não seja uma floração consistente opta por retirares
apenas um ou dois quadros/ninho, ou experimenta em poucas
colmeias. Se houver uma resposta positiva por parte da
rainha é de continuar!
Grande abraço e dá notícias dos resultados!!!
Pifano
É verdade, um título realmente assustador. Mas sabendo de onde ele vinha, é seguro que está "cresta" seria muito mais que isso. Começamos a ler e rapidamente confirmamos a nossa desconfiança. É apenas mais um ensinamento de quem nos últimos anos tanto nos tem ensinado.
Em relação às rainhas virgens, realmente está campanha foram muito tímidas, demoraram muito mais tempo que é normal a fecundarem.
Abraço
Excelente post.
" ...Pessoalmente prefiro não arriscar..."
Pois ... eu também não. Há vários estudos feitos e sugiro um do Miguel Maia, de 2010 feito com tetraciclinas.
Quanto aos acaricidas, mais de 10 anos depois do bromopropilato ter sido descontinuado , continuam a detectar-se resíduos nas ceras.
Quanto a não se detectarem nas análises, depende apenas do método utilizado. Todos os métodos têm os seus limites e há seguramente resíduos, que podem estar abaixo do limiar de detecção do método.
Aliás , muito esclarecedora foi a resposta que tive do laboratório da Estação Agronómica Nacional de Oeiras aí por 1980, quando suspeitei de intoxicação por pesticidas num apiário, e que transcrevo : " Não se detectam vestígios de organofosforados nem de organoclorados na amostra enviada NAS NOSSAS CONDIÇÕES DE TRABALHO " ... o que não quer dizer que com um método mais sensível, não se detectassem...
Abraços,
Abelhasah.
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