31 julho, 2008

Vamos cantar com as abelhas ?


Imagem: Abelhas "apoisadas" à entrada do cortiço

Como o sector tem tido poucos encantos, e anda tudo embrulhado nos meandros desse labirinto que é o programa apícola, vou deixar-vos uma história curiosa que transcrevi da obra “Um Povo Miúdo – As Abelhas” do conhecido Agrónomo Eduardo Sousa de Almeida e editado há 50 anos, em Novembro de 1958.

RITUAL DOS ABELHEIROS

“ (...) Usam um cerimonial de estranhas práticas, em que se adivinham interessantes tradições muito antigas, à mistura com superstições e muita ignorância.
Ainda hoje, e principalmente nas províncias do Norte do país, a apanha de um enxame faz-se segundo os ritos de uma velha tradição em que há muito pitoresco, que apesar do progresso, se tem mantido.
Logo que o abelheiro verifique que as abelhas de um dos seus cortiços estão prestes a enxamear, (...) corre a “temperar” um cortiço vazio e limpo. Este “tempero” consiste em esfregar o interior com uma erva aromática, tomilho, funcho ou erva cidreira, e borrifá-lo com vinho branco e mel, ou defumá-lo com alecrim ou incenso queimado.”

Só aqui já havia pano para mangas ...

“Ao mesmo tempo (...) expede avisos para mobilizar auxiliares. Em geral não lhe faltam voluntários recrutados entre os garotos da vizinhança.
(...) de todos os pontos do povoado aparecem auxiliares munidos dos instrumentos de ocasião, panelas e tachos velhos, latas de gasolina, foices, barras de ferro, (...) tudo o que é susceptível de fazer barulho quando batido por pau ou pedra.
Reunido o pessoal, mestre abelheiro dispõe as gentes com a importância de um general a colocar as suas forças em véspera de batalha campal.
(...) no ar levanta-se uma nuvem escura e movediça (...) o mestre abelheiro grita:
- Toca, Toca, agora com força!
Começa então a mais extraordinária cacofonia que jamais ouvidos humanos suportaram.

Pousa! Pousa! Pousa!
Pousa ! Abelha – Mestra!
Pousa! Pousa! Pousa!


(...) mestre abelheiro dá saltos de braços erguidos, vai atirando-lhe mão-cheias de terra, ao mesmo tempo que grita, rubro, quase sem fôlego:

Apoisa! Apoisa! Apoisa!
Oh! Mãe, apoisa!
Apoisa! Apoisa! Apoisa!
Apoisa, ó, Mãe!


Todo o rancho corre atrás dele repetindo o estribilho (...) _ Mais força rapazes! Ele vai pousar!

Apoisa! Ó Mãe! Apoisa!
_ Alto! Agora só com a boca e devagarinho. Vá, todos certos! Certos! Certos!

Atenção, ainda estamos falar de apicultura...

Casa Nova, Abelha-Mestra!
Apoisa! Apoisa! Apoisa!

(...) o enxame vai pousando e formando um enorme cacho castanho, (...) _ Alto lá! Caluda! Agora todos quietos e calados!
Mestre abelheiro corre a pegar no cortiço (...) começa a bater nas paredes exteriores com os nós dos dedos enquanto cantarola a seguinte melopeia:

Casa Nova, Abelha-Mestra!
Casa Nova, Abelha-Mestra!
Casa Nova, Casa Nova!
Casa Nova, Abelha Mestra!


As abelhas a princípio hesitam, (...) Algumas entram, (...) até que passa a Mestra e então é que uma multidão entra apressadamente na casa nova.”

3 comentários:

Abelha Preguiçosa disse...

Boa noite!
Penso que foi esse o livro que requisitei na biblioteca há já algum tempo!
Esse refrão do "pousa! pousa!" não será só Português porque já vi um video sobre Apicultura fixista Asturiana onde um mestre abelheiro (Belarmino), fazia o mesmo.
Neste caso a diferença era que o homem erguia no ar um cesto, previamente esfregado com cidreira, na zona de mais reboliço das abelhas, e esperava que o enxame entrasse sozinho enquanto ia cantando esse refrão.
O cesto estava fixo numa estaca e o homem ali se mantinha agarrado à estaca, cantando e assobiando até que as abelhas se acomodassem no cesto.
Depois era colocado o tronco, onde as abelhas iriam viver, no chão com um pano branco à frente e o enxame era despejado no pano e encaminhado para a nova casa.
Tudo acompanhado de batimentos e assobios.
E Isto tudo sem máscara!
Eu também tenho a mania de assobiar enquanto faço alguma coisa e bem vejo como elas ficam se assobio muito perto de um quadro! :)

Este ano dei conta da saída de um enxame e na zona onde andavam mais abelhas coloquei um cortiço preso entre dois carvalhos... Não foi preciso muito tempo para começarem a entrar sozinhas!

Elas querem é um lugar para viver!
Um abraço
Ricardo

Alien disse...

Olá Ricardo,

Creio que o barulho as desorienta obrigando-as a "apoisar", pelo menos foi assim que me disseram...

abraços

Pifano

Anónimo disse...


Uma práctica antiga pelos vistos!

Gravura: Apicultura no séc. XVI

http://en.wikipedia.org/wiki/Beekeeping#/media/File:Jan-van-der-Straet_Bauerlicher-Bienenstand.png