Todos os dias ouvimos falar no perigo de a Varroa se tornar resistente aos medicamentos utilizados contra ela. Tal como também ouvimos falar na possibilidade das abelhas se tornarem resistentes ao ataque do dito ácaro.
De que forma se poderão dar tais alterações nas abelhas e nas varroas?
Como podem evoluir estes organismos de forma a poderem defender-se respectivamente de um parasita e de um veneno?
Em que medida o ser humano pode intervir no sentido de direccionar a evolução no sentido que lhe interessa?
Em qualquer população de seres vivos, obviamente da mesma espécie, eles não são todos iguais. Para cada característica que se considere em cada um, há diferenças, algumas muito subtis, mas há sempre uma gradação de tais diferenças.
Se considerarmos a característica ou parâmetro “altura” numa determinada população de seres humanos, verificamos que existem desde muito baixos (1,50m ou menos) até aos muito altos (2,0m) ou mais, passando por todos os tamanhos intermédios.
Se agruparmos essas “alturas” em classes de dez centímetros por exemplo, verificamos que há grupos muito mais numerosos que outros. Os grupos com alturas intermédias (1,60m a 1,70m) terão muito mais indivíduos (maior frequência) que o grupo (1,90m a 2,00m). Este grupo de indivíduos muito altos tem uma frequência semelhante ao grupo dos muito baixos (1,50m a 1,60m).
No entanto, nessa população também existem indivíduos mais baixos que 1,50m e mais altos que 2,00m , só que em frequências muito baixas.
Se representarmos graficamente essa distribuição de classes de altura em função da frequência de cada uma, surge-nos uma curva como a seguinte:
Gráfico 1
É uma curva em forma de sino, chamada “distribuição normal” ou “distribuição de GAUSS”.
Tal gráfico é válido para a maioria das características quantificáveis de qualquer população de seres vivos, como a altura dos seres vivos, o peso, a tendência para engordar, a agressividade, resistência à Varroose, comprimento dos dedos, etc...
A distribuição normal, ou de GAUSSE, foi desenvolvida pelo matemático francês Abraham de Moivre em 1773, e permite-nos estudar estatisticamente um sem número de fenómenos naturais.
Se voltarmos ao exemplo inicial (altura dos seres humanos) deparamo-nos exactamente com o mesmo resultado:
Gráfico 2
As características intermédias é que definem determinada população (homens com 1,70/1,75m) pois são as mais frequentes, já as características extremas (mais raras) também existem, mas em menores frequências (são a excepção que confirma a regra...).
Mas de que forma é que tais distribuições de características nos seres vivos explicam a sua evolução?
Em 1809 o naturalista francês Lamarck propôs a teoria dos caracteres adquiridos, em que se demonstrava num curioso exemplo, como uma população original de girafas de pescoço curto evoluíra nas actuais girafas de pescoço longo.
Segundo ele, como a população de girafas aumentava muito, mais que os recursos, a vegetação rasteira e arbustos começou a escassear pela pressão causada por tantos seres vivos que se alimentavam dela.
Dessa forma, as girafas originais, de tanto esticarem o pescoço para chegarem à copa das árvores, ficavam com o pescoço mais comprido e passavam essa característica à sua descendência. Os seus filhos, de pescoço mais longo, voltariam a passar pelas mesmas dificuldades, faziam os mesmos esforços e voltavam a transmitir essas características aos seus próprios filhos. Ao fim de muitos anos e muitas gerações surgiram (gradualmente) as girafas de pescoço longo, tal como as conhecemos actualmente.
Mais tarde e graças à Teoria da Evolução das Espécies do inglês Charles Darwin, provou-se que Lamarck estava errado. As características adquiridas por um ser vivo ao longo da vida não se transmitem à descendência.
Tal explicação encontra-se mais uma vez na “Distribuição Normal ou de GAUSSE”:
Gráfico 3
Numa determinada altura, em que a vegetação abundava desde as herbáceas rasteiras até às árvores de grande porte, existia uma população de girafas caracterizadas por possuírem pescoços curtos.
Nessa população e segundo a curva de distribuições, havia uma larga maioria de girafas de pescoço curto, outras (mais raras) de pescoço muito curto e outras ainda (também raras) de pescoço longo. Quando a população aumentou muito a vegetação rasteira começou a escassear, pois a maioria das girafas tinha um pescoço curto. Desta feita, as girafas de pescoço longo teriam mais hipóteses de sobrevivência, sendo por isso beneficiadas (ou seleccionadas) pela selecção natural. Elas e os seus descendentes estavam melhor adaptadas (pois chegavam às árvores altas: alimentavam-se) e reproduziam-se mais.
Ao fim de muitos anos (milhares?/milhões?) a população de girafas passou a ter um pescoço longo, a pressão da selecção natural deu-se no sentido de um pescoço mais longo, a curva de GAUSSE deslocou-se no sentido crescente dessa característica.
Gráfico 4
Claro que se actualmente fizermos um estudo de distribuição de classes de altura do pescoço das girafas, voltamos a deparar-nos com a mesma curva de distribuições: uma mais baixas, outras mais altas e outras muito mais altas ainda, é a regra...
Importa saber que é nessa “salada” de diferenças que a Selecção Natural actua, ou seja, escolhe os indivíduos melhor adaptados através da destruição dos menos aptos.
... tanta conversa e ainda não falamos de abelhas !!!
É agora..., vamos então escolher uma característica das abelhas (que nos interessa) e sujeitá-la ao dito gráfico da distribuição Normal ou de Gauss:
Gráfico 5
Não sei se este trabalho está feito, mas independentemente de estar ou não, e sabendo da resistência média das abelhas ao ácaro Varroa (pouca a nula) pude construir o gráfico anterior.
A larga maioria das colónias de abelhas são sensíveis ao ataque da Varroa. Sabemos disso na nossa prática diária, se não fizermos os tratamentos acaricidas perdemos todas as colónias da nossa exploração.
Também não sei se alguém já fez a experiência (espero que não, e se morar perto de mim pior ainda) de não tratar as colmeias. Se o fizessem, haviam de perceber que num apiário de 50 colmeias a larga maioria morreria em menos de um ano, mas haviam de haver algumas (muito poucas) que duravam mais uns meses.
Estas últimas situam-se mais à direita no gráfico que as primeiras. Não estou de modo algum a dizer que são resistentes à varroa, essas são mesmo muito raras, e a sua probabilidade numa exploração de 50 colmeias è decerto nula, mas pode ocorrer. Elas estarão nalgum lado, e de acordo com tal teoria ocorrem numa frequência muito reduzida mas existirão decerto. Talvez se tomarmos como amostra uma região, aí sim já poderemos encontrar algumas colónias resistentes.
Veja-se a região de Primorski, na Rússia, onde segundo Alejandro Garcia existem abelhas com o comportamento SMR. (VARROOSE, O PRINCÍPIO DO FIM ??? - Montedomel – 09/06/2009).
Nessa óptica e deixando de tratar as colmeias, ao fim de alguns anos (muitos) a pressão causada pelos ácaros levaria a que a maior parte das abelhas se extinguisse, sobrevivendo apenas as colónias da extremidade direita do gráfico. A curva Normal ou de GAUSS ia-se assim deslocando no sentido das colónias mais resistentes.
Gráfico 6
Findo o processo, a curva do gráfico nº 5 seria alterada para:
Gráfico 7
No gráfico nº 7, a classe mais frequente (dita normal), de resistência à Varroose seria a das colónias de abelhas “muito resistentes”, já as menos resistentes e sensíveis ficariam reduzidas a uma minoria na extremidade esquerda do gráfico.
Entretenho-me a pensar nas “raridades” que ficariam mesmo na pontinha direita do dito gráfico, tais abelhas deviam ser autênticas “vampiras” para as varroas...
Poderemos perguntar porque razão as abelhas com tais características (muito resistentes) não manifestaram ainda o seu vigor (resistência) contra a Varroose?
A resposta é muito simples, elas ocorrem em quantidades mínimas, autênticas raridades (veja-se a sua frequência no gráfico nº 5), e no estado actual das coisas não têm qualquer vantagem selectiva sobre as outras abelhas, uma vez que todas as colónias são medicadas com acaricidas. Anulado o ácaro com produtos químicos, anula-se a pressão da selecção natural.
Poder-se-ia (e pode-se) extrapolar esta regra para o ser humano: se não houvessem médicos e medicamentos, decerto haveriam muito menos doenças e doentes... Tais medidas eram boas para a espécie mas más para o indivíduo. A Segunda Guerra Mundial deu-se por causa de uma tentativa semelhante...
Mas, não há bela sem senão...
Estas regras também se aplicam ao ácaro Varroa destructor, relativamente à sua distribuição Gaussiana por classes de resistência aos medicamentos acaricidas:
Gráfico 8
Se a grande maioria das varroas “ainda” é sensível aos medicamentos, uma boa parte já apresenta algum grau de resistência. Por outro lado, na extremidade direita do gráfico existem as tais “raridades” muito resistentes.
Com as doses massivas de químicos que se adicionam às colmeias, independentemente do grau de infecção, formulações caseiras, desrespeito pela duração dos tratamentos e outros malabarismos que se fazem com os acaricidas, estamos a direccionar a selecção no sentido de varroas cada vez mais resistentes:
Gráfico 9
O contacto constante das varroas com os medicamentos leva à diminuição (ou extermínio) das mais sensíveis, deixando a colmeia livre para as mais resistentes, que sem competidores se começam a reproduzir mais e a deixar mais descendentes.
Daqui tiramos outra ilação curiosa: as varroas, no exemplo anterior, ganharam resistência a “um” medicamento, “uma” substância activa. O que já não é verdade para uma substância activa diferente, para a qual serão decerto sensíveis.
Gráfico 10
Face ao exposto, e ao fim de umas quantas sessões a usar uma determinada substância activa, o fluvalinato por exemplo, devíamos tratar umas quantas vezes com timol, seguindo-se depois o amitraz... Desta forma conseguíamos evitar ou diminuir bastante a incidência de resistências.
A mensagem principal deste post pretende uma reflexão sobre os conhecimentos da evolução dos seres vivos (natural e artificial), de modo a usá-los no combate à principal moléstia da Apis mellifera.
Uma das ideias em que mais insisti, parece apontar para o fim da adição de acaricidas às colmeias e com isso despoletarmos os mecanismos evolutivos direccionados para uma resistência crescente das abelhas ao parasita varroa. Esta “teoria” não é original, nem tão pouco é recente, desde o primeiro dia da “invasão” que se fala nela.
Mas valerá a pena correr o risco? Existirão mesmo as ditas colónias resistentes, diluídas nos milhões de colmeias dos apicultores? O seu número será significativo para dar continuidade à espécie Apis mellifera?
E se as coisas corressem mal? Como ficaríamos?
Se a decisão dependesse de mim, eu nunca arriscaria...
10 junho, 2009
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2 comentários:
é uma viagem as aulas de genética e melhoramento animal. espero que variedades resistentes de abelhas sejam descobertas logo.
espero que logo sejam descobertas variedades resistentes.
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