28 novembro, 2010

Histórias do Arco da… Vespa!

Encontrei esta colónia no meu jardim, numa velha colmeia de fibrocimento que pouco mais utilidade tem que albergar as electroválvulas do sistema de rega, e vespas, obviamente.

Aquele punhado de insectos frágeis e agora indefesos com as baixas temperaturas comoveu-me. Ali estavam, pouco se moviam, “conscientes” que cada uma carrega a tremenda responsabilidade de sobreviver ao Inverno e fundar uma colónia na próxima Primavera.

De vez em quando visito-as, quando há Sol levanto a tampa e fico tão-somente a admirá-las…
Faço o que qualquer apicultor melhor sabe fazer: ofereço-lhes mel, talvez ajude, um reforço energético e nutricional para a estação fria. Aproxima-se o Natal, quadra em que a nossa sensibilidade nos prega destas partidas…

Deliciem-se com este excerto retirado de “O Homem e os Insectos”, uma das minhas Bíblias, magnificamente escrita por Eduardo Sousa d’ Almeida, editado pela Livraria Sá da Costa em Julho de 1946, o número seis da colecção A Terra e o Homem.
Um dos melhores relatos que já vi sobre a vida dos insectos sociais. Atentem nos curiosos e até perturbadores paralelismos com as abelhas…

Capítulo III
Moscas, Vespas e Formigas
2) Vespas, as ladras (Ordem dos Himenópteros)
A) Vespas sociais



“Têm reputação bem pouco invejável; agressoras e ladras, são consideradas indesejáveis em toda a parte onde aparecem.
Vivem em sociedades numerosas, em ninhos construídos com uma espécie de cartão, nos troncos ocos, no solo ou nos buracos das paredes.
(…)
Acusam-nas de serem atrevidas ladras, a quem tudo serve; nos pomares os frutos que primeiro amadurecem, os mais doces, são para elas, nas vinhas roem os bagos e deixam transvazar o suco, o que favorece a podridão, e se as zelosas abelhas aparecem a colher o líquido que se perdia, logo são acusadas de andar a estragar os cachos.”


De facto, em 1946, o carácter parcial de certas opiniões fazia escola na arte de “colar os rótulos” mais comprometedores a quem não interessava ao sistema, e vice versa…

"Têm grande avidez pela carne e, para a obter, não duvidam invadir as casas e roubá-la às cozinhas e salas de jantar, chegando o seu descaramento a virem disputar no prato o pedaço que nos dispomos a comer.
(…)
Todas as espécies que vivem em Portugal são muito parecidas umas com as outras, (…) encouraçadas numa forte armadura preta e amarela.
(…)
As colónias de vespas, ou vespeiros, são, ao contrário do que se dá com as abelhas, colónias temporárias. Fundadas na Primavera, desaparecem na entrada do Inverno, subsistindo apenas algumas fêmeas que, na Primavera seguinte, vão formar novas colónias. De meados de Fevereiro a princípios de Março saem as fêmeas sobreviventes dos refúgios onde passaram recolhidas, numa espécie de letargo, o Inverno. Voam para todos os lados, à procura de um bom local para fundar a colónia.
Muitas vezes vemo-las, nos dias bonitos de Primavera, voarem de encontro aos vidros das janelas procurando entrar em casa. Mas a maioria contenta-se com um buraco no terreno, feito por algum rato, a anfractuosidade de um rochedo, o interior do tronco oco de uma velha árvore e mesmo o beiral dum telhado ou o buraco duma parede arruinada.
(…)
Encontrado local a seu gosto, as fundadoras começam a trabalhar cheias de ardoroso entusiasmo. Procuram os velhos troncos, as tábuas das vedações e tapumes com a superfície como que aveludada devido à acção das intempéries.
É muito curioso observá-las então cheias de zelo, a correrem sobre a superfície da madeira dando uma série de golpes com as possantes mandíbulas, de modo a destacar uma longa e fina fita, que vão enrolando na boca, pouco a pouco, formando uma pequena bola cinzenta. Voam então em direcção ao local do futuro ninho, desenrolam a fita, impregnam-na cuidadosamente com a saliva, depois amassam e tornam a amassar, até formar uma substância mole e plástica semelhante à pasta de papel.
(…)
De manhã até à tarde nada as faz distrair do trabalho; realizam dezenas de viagens, com a carga na boca, por cima de valados e caminhos.
Construída a sólida base, esta apresenta-se em forma de coluna que depois se alarga em largo disco, ou vai alastrando sobre um plano no qual já se esboçam as primeiras células de forma hexagonal, mas sem aquele rigor geométrico que se observa na construção das abelhas."


Outra vez “as filhas da mãe” e as “filhas da outra”…
Pessoalmente não vejo grande diferença entre os hexágonos de cera das abelhas e os hexágonos de celulose das vespas, salvo no material de construção…
Será que as Fábulas de La Fontaine, com a classificação dos animais em bons e maus foram o primeiro grande atentado ambiental??? Fica a dúvida…

"Logo que estão construídas um certo número de células, as fundadoras começam a pôr e colocam um ovo em cada alvéolo.
(…)
No fim de cinco dias, nascem umas pequenas e débeis larvas. Então as mães deixam de ser construtoras e passam a ser amas e provisoras, pois as larvas têm grande apetite e pedem imperiosamente alimentos.
As mães vão caçar pequenos insectos tenros, de que aproveitam as partes moles que malaxam juntamente com os sucos dos frutos e o néctar de algumas flores, fazendo uma espécie de marmelada que distribuem a cada larva (…).
Umas após outras, as larvas atingem a idade adulta e as mães vão fechando os alvéolos com uma tampa abaulada; noutras são as próprias larvas que tecem uma calote de seda que fecha perfeitamente a entrada das células. No fim de poucos dias aparecem as novas vespas. São todas obreiras, isto é, fêmeas estéreis destinadas aos trabalhos da colónia. São notavelmente mais pequenas do que a mãe fundadora, que elas vão substituir nos trabalhos de construção e cuidar das larvas (…).
Desde que o número de obreiras seja suficiente (…) a mãe limita a sua ocupação à postura, e pões tanto mais quanto melhor alimentada é pelas filhas dedicadas, que lhe reservam os melhores manjares.
Chegado o Verão um certo número de obreiras põe, mas dos seus ovos só saem machos. De algumas células maiores e de larvas melhor alimentadas aparecem fêmeas. Então o vespeiro é centro de uma actividade febril; centenares de indivíduos saem e entram.
(…)

Porém, esta regularidade quase matemática no trabalho, este ardor posto na execução de todas as tarefas, vai diminuindo e cedendo como que a um sentimento vago de inquietação. As obreiras tão cuidadosas com a criação, descuidam-se, abandonam a as creches e é em vão que as larvas imploram as suas rações. As amas passam agitadas, indiferentes às solicitações das suas crias.
De repente, como que atacadas por loucura furiosa, atiram-se aos alvéolos, arrancam as larvas, raivosamente rompem os alvéolos das células e arrebatam as ninfas prestes a transformarem-se.
Brutalmente arrastam as pobres vítimas para fora, ferem-nas com o seu punhal envenenado e deixam-nas morrer miseravelmente no chão. É um verdadeiro massacre dos inocentes.
(…)
Porque é que as vespas praticam semelhante acto que nos parece resultado de loucura colectiva? É o seu instinto que lhe fez prever que o fim inevitável da sociedade se aproximava. Que em breve as subsistências faltarão com os primeiros frios, que toda a colónia morrerá e que, por consequência, é inútil alimentar mais bocas já condenadas a uma morte precoce. Com efeito, por todo o Outono os machos começam a morrer, depois as mães fundadoras e pouco a pouco as obreiras vão desaparecendo.
Ficam sobreviventes algumas fêmeas fecundadas que se dispersam e vão procurar abrigos para passar o Inverno.”


Aparte os comentários que fiz, tenho o maior carinho e consideração pelos ensinamentos do Eng.º Eduardo Sousa d’ Almeida, autor que também escreveu sobre a apicultura (Um Povo Miúdo – As Abelhas) e que muito gosto de ler.

11 comentários:

Mário disse...

Amigo Pífano, eu a essas vespas bem que lhes oferecia um calor, extremo, para as ajudar a passar melhor o inverno, era como se fora pipocas :)

Abraço
Ferradela

Alien disse...

...ou não estivesse eu à espera de algo do género! :-D

Abraços
Pifano

Francisco disse...

Uma boa maneira de lidar com o inimigo.

Abraço

Francisco Rogão

Abelhas do Sabugi - PB disse...

Parabéns pelo seu blog meu amigo, moro no Sertao da Paraiba, Brasil.
E em minha região possui uma infinidade de vespas, uma boa parte delas produtoras de mel, as que produzem mel são pequenas, semelhantes a abelhas. chamadas popularmente de Enxus.
O seu Mel é suave e muito saboroso.
Mas infelizmente não existe nenhuma informação sobre esses insetos que na minha região tem o seu meu muito apreciado. Mais uma vez parabéns e boa sorte!
Att:
Isaac Soares de Medeiros
http://abelhasdosabugi.blogspot.com/

Alien disse...

Olá Isaac,

Obrigado pelo seu comentário, acho que depois da sua informação toda a gente por aqui ficou muito curiosa e interessada em conhecer essas vespas que produzem mel!!!

Abraço
Joaquim Pifano

Mário disse...

É bem verdade, eu em casa tenho um frasco de mel de vespa, é bem da forma como é descrito, é bom e suculento, em breve ponho um post sobre ele no blog.
abraços
Ferradela

Abelhas do Sabugi - PB disse...

Amigo Joaquim,

depois de muita luta consegui o nome cientifico da especie que te falei, conhecida em minha regiao como enxu verdadeiro. (brachygastra Mellifica )

em breve estarei postando sobre essa e outras especies de vespas que ocorrem em minha regiao,no interior da paraiba - Brasil.
No blog.
Fique com Deus e Boa sorte!

Att: Isaac soares de Medeiros
http://www.abelhasdosabugi.blogspot.com/

Douglas de Almeida disse...

Parabéns pela doce iniciativa! Vespas são seres fantásticos, importantíssimos perante o ecossistema e poderosos sob o ponto de vista organizacional!
Aqui no Brasil temos dessas lindas e defensivas vespas a produzir mel, ao norte são enxus, mais ao sul, são marimbondos!

A Natureza ama e protege aquele que pratica a compaixão com os insetos, nossos irmãozinhos menores, tão desprezados!

Alien disse...

Olá Douglas,

Confesso que tenho uma verdadeira paixão por vespas. Estou inclusivamente a aguardar uma reportagem do Brasil, acerca das vespas produtoras de mel, as ENXUS que referiu.

Um abraço
Joaquim Pifano

Anónimo disse...

Amigo, por favor:

No toldo da janela do meu quarto, tem uma casa de vespas, começou com duas agora têm 4 sendo que elas estão começando a entrar em meu quarto. Tenho medo de ser picada o que eu posso fazer?

Alien disse...

Olá :)

Se a colónia tem só 4 vespas e elas não são bem vindas, o ideal será mesmo utilizar um insecticida para as eliminar...