15 novembro, 2008

Os filhos da mãe e os filhos da namorada do pai


ou os macromicróbios do país de Cervantes

Esta história passou-se no Verão de há dois anos, durante uma incursão que fiz a Espanha. O objectivo era, e foi, adquirir frascos para o mel em Almendralejo.
Os últimos dias de Julho, nestas latitudes, costumam ser demasiado quentes e este não fugiu à regra. Saí bem cedo da cama, e juntamente com outros dois apicultores da associação fizemo-nos à estrada, nem tive tempo de tomar o pequeno almoço.
Só depois do carregamento dos “envases”, das negociações e da trapalhada do costume em que fingimos saber falar castelhano, e eles fingem que nos entendem, resolvi ir comer qualquer coisa. Entrei no primeiro café e deparei-me logo com uma surpresa: um móvel de alumínio em bruto, sem ser lacado, cheio de presuntos. Nesse momento lembrei-me que semanas antes um amigo tinha sido advertido pela ASAE por ter os garrafões da lixívia no chão da mercearia.
Apesar da Europa ser uma, “una”, unida, os espanhóis têm regras diferentes das nossas.
Esqueci o incidente e concentrei-me num pequeno cartaz que anunciava tostas com patê. Cheio de fome, resolvi experimentar o pitéu... primeiro chegou a tosta, um pão enorme e quentinho com bom aspecto, de seguida atiraram para cima do balcão, literalmente, uma lata de patê. Não aquela pequena cuvette, clássica, com dose individual, mas uma lata de 800g ou talvez mais.
Das duas três, ou deram-me uma dose proporcional ao meu tamanho ou adivinharam a fome que eu tinha. Retirei a tampa da lata e vi que no fundo havia um resto de patê com dois ou três centímetros de altura. Curiosamente a pasta não estava oxidada, essa fase terá ocorrido meses antes, nesta altura estava em pleno processo de fossilização, mas como o que não mata engorda...
Já vinha no caminho quando me ocorreu que regressava a um país onde substituíram os tradicionais galheteiros, machos, por umas garrafinhas de azeite efeminadas e com tampa inviolável, por razões higiénicas.
Que grandes e gordos deviam ser os micróbios espanhóis, que não cabiam numa lata de patê com 12 cm de diâmetro, ao contrário dos nanóbios portugueses que insistiam em infectar o azeite dos galheteiros tradicionais, cujas aberturas tinham menos de um centímetro.
Nessa altura, devo ter “passado pelas brasas”, percebi que o motorista em vez de conduzir para Poente acelerava em direcção a Madrid. Chamei-lhe a atenção mas ele nem me ouviu, parecia que uma força maior o atraía para a capital de Espanha. Voltei a adormecer, quando me levanto cedo o Sol tem este efeito em mim.
Só recuperei os sentidos à entrada de Madrid, acabávamos de estacionar à porta de um casino e era quase meia noite, nem queria acreditar: os espanhóis festejavam a passagem do ano numa noite quente de Julho.
Arrastado pelos outros dois ainda consegui ajeitar o nó da gravata... porra, mas eu nem saí de casa com gravata!? Não interessa, fui por ali adentro quando me apercebi da grande nuvem de fumo em torno de uma mesa. Aproximei-me e reconheci logo o responsável da ASAE espanhola, com um grande charro “nos queixos” e uma lata de patê igual à minha a servir de cinzeiro.
A proibição de fumar nos recintos fechados em Espanha era coisa recente, com pouca tradição.
Foi então que percebi tudo, aliás, quase tudo, uma travagem mais violenta à entrada de Estremoz trouxe-me de novo à realidade.
Desde essa data, tostas só com manteiga... e mel, claro!!!

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