Há uns anos atrás, enquanto dava uma formação de apicultura aqui perto, passou-se mais uma daquelas “estórias” das abelhas que nunca mais vou esquecer...
Faltavam poucos dias para a primeira aula prática, primeira visita a uma apiário para alguns, e os formandos andavam visivelmente excitados.
Estávamos em Fevereiro ou Março e eu tinha deixado “esquecido” um apiário num local de Verão, onde ficara desde a última transumância para o Girassol. Já nem sei se por preguiça ou porque começou a chover mais cedo e a minha carrinha deixou de ter acesso àquelas estradas enlameadas. Mas se quiserem apostem mesmo na preguiça...
Recordo-me que era um lugar muito agradável, na margem de um ribeiro com árvores altas e boas sombras.
Como já lá não ia há algum tempo, resolvi perguntar ao guarda florestal, meu amigo, se o apiário estava em condições para ir mostrar aos formandos. “Se eu fosse a ti não ia...” foi a resposta, “as colmeias mal aparecem no meio do trigo e só devem estar duas ou três vivas”, e eu tinha lá 22...
De facto fizeram uma sementeira de trigo nesse local, durante o Inverno. Eu não costumo agir assim, mas recordo-me que foi no ano em que comprei a casa e as minha atenções desviaram-se bastante das abelhas.
Não me querendo dar por vencido, comecei logo a preparar os formandos na última aula teórica, dizendo-lhes que o apiário estava em muito más condições e que seria uma excelente oportunidade para aprender com os erros (dos outros... meus!). Seria até um grande desafio tentar recuperar as poucas colmeias sobreviventes.
Dia D, hora H, e lá estávamos todos no local, as piadinhas do costume entre a rapaziada, acerca das picadas das abelhas e da resistência dos equipamentos que vestiam pela primeira vez, enfim...
Enquanto me equipava ia lançando uns olhares de soslaio às colmeias, que de facto pouco mais se viam que o zinco dos tampos por entre o trigo. Mas àquela distância era impossível ver quais tinham ou não tinham abelhas.
Enquanto nos aproximávamos, eu parecia ir enfrentar um pelotão de fuzilamento, que grande vergonhaça iria passar... Nem as piadas idiotas deles me chamavam a atenção.
Perante o grupo e no meio do cereal lá abri a primeira colmeia, morta claro, nem outra coisa era de esperar. A segunda colmeia, completamente cheia de abelhas, os quadros do ninho todos ocupados e uma grande e ruidosa população saudável. Era a tal excepção que costuma confirmar a regra, pensei eu. Mas a terceira colmeia estaria igual ou melhor que a segunda, a quarta igual à terceira, a quinta, a sexta...
Saldo final: das 22 colmeias havia uma morta e outra fraca, as restantes pareciam ter saído de um SPA para abelhas!...
Foi precisamente na penúltima ou antepenúltima colmeia do apiário, que registei uma conversa entre dois dos formandos mais velhos, abelheiros de longa data, numa daquelas pronuncias Alentejanas muito “carregadas”:
"Está mais que visto que elas (as abelhas) querem é desprezo...”
05 junho, 2009
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9 comentários:
As expressões curiosas que se ouvem nesta região são de facto dignas de registo.
Há quatro ou cinco anos que "colecciono" estas expressões e frases curiosas usadas pelas pessoas da minha terra. Já falta pouco para encher uma dúzia de Moleskines de 240 páginas, tal não é a prolificidade destas pérolas da oratória local...
Ainda hoje, curiosamente noutra formação de apicultura, ouvi um formando perguntar a outro:
"então aquela abelha (era um zangão), está morta?"
e o outro respondeu-lhe muito seguro:
"Não, mas está com a morte nos cornos..."
Vai lá vai...
JPifano
E pronto cá estou eu mais uma vez a matar o vicio neste blog que é a minha "nicotina" diária que ao contrário da outra do tabaco esta só me traz saúde e boa disposição, Até faz suspirar....
Vamos ao que interessa: já há algum tempo que tenho vindo a ter cada vez mais certezas que de facto elas (abelhas) querem é desprezo quantas e quantas vezes pego no carro para ir visitar/ inspeccionar os apiários e penso para comigo mesmo - "se calhar se não andasse sempre em cima do assunto e lhes desse rédea larga elas tinham melhor desempenho como já tantas vezes me demonstraram"- mas o que é facto é que quere-mos sempre andar em cima do acontecimento - ver o desenvolvimento desde a última visita, se já existe rainha nova a qualidade da sua postura, entrada de néctares, se são necessárias mais alças, se o novo local cumpre com as nossas melhores expectativas,... - enfim um sem numero de desculpas que nós arranja-mos para sair de casa e ir para as abelhas.
Uma das minhas ultimas experiências, relacionadas com este tema: Há um ano atrás em dois apiários que tenho a mais de 70 kms de casa (e que procuro só visitar quando tenho que viajar para aquela zona quando tenho outros assuntos para tratar e não exclusivamente pelas abelhas) fiz a cresta em finais de Junho no mesmo momento após retirar as alças apliquei o tratamento contra a varroa, as colmeias tinham praticamente todas boas rainhas e só 1 ou 2 rainhas com mais de 1 ano, em Setembro retirei o tratamento e não fiz mais nada até 20 de Fevereiro de 2009 neste dia quando me desloquei ao apiário não sabia se estavam bem ou mal, não sabia o seu grau de denvolvimento no interior da colmeia, mas o que encontrei foi colónias com um desenvolvimento espectacular cheias de criação e algumas já com alvéolos reais. Conclusão de Junho a Fevereiro apenas uma visita rápida para retirar o tratamento, durante os restantes meses não abri mais as colmeias mas quando passava na área parava sempre para ir ver se as abelhas na rampa de voo estavam bem, para concluir posso dizer que estes 2 apiários foram os que na Primavera de 2008registaram melhores médias (40 kg/colmeia). e é assim ficamos a pensar que se calhar com menos tempo dispendido, menos gasóleo gasto, se calhar obteria-mos melhores resultados e com menos trabalho.
António Sérgio
Torres Vedras
Querem ver que vai sair daqui uma adaptação do "método da mobilização mínima", cada vez mais usado para os solos na agricultura ???
Grande abraço Sérgio,,,
JPifano
LOL, Parábolas interessantes :)
É bem verdade que por vezes o excesso de zelo é prejudicial, basta destapar uma colmeia e lá se vai um dia de trabalho das abelhas, que com tanto carinho dedicaram tempos infinitos a selar as pequenas frinchas.
De resto, creio que tiveste ai uma boa experiência e uma boa lição de prática da sua sobrevivência e resistência, além de imprevisíveis são também muito astutas, e conseguem surpreender pela positiva.
Abraço
Ferradela
Mario,
ainda hoje dou voltas à cabeça a tentar perceber que floração foi a responsável pelas colmeias tão fortes, ainda por cima no Inverno.
Pior que isso é o facto desse local ser precisamente o mesmo onde há duas ou três semanas o dito espanhol me negou a entrada...
Grande abraço
JPifano
Realmente ele à coisas do catano, em 20 colmeias uma baixa, não está nada mal...
Algum tipo de floração da época que elas aproveitaram ao máximo, pois... não sei mesmo.
E por falar no ...alho, antes que me esqueça, comprimentos do Mestre Duarte, que ficou também incrédulo quando lhe contei da peripécia, salientou com grande entusiasmo que se houver necessidade que te cedia um terreno de Urze para transumancia com cresta em Agosto, o problema é a logística a distancia e local para guardar alças, mas tudo se consegue...
Digere bem essa ideia, e se não for desta poderá ser numa próxima.
Abraços
Ferradelas
Bom dia!
Sem dúvida que as nossas abelhas conseguem sempre surpreender-nos quando nós pensamos que já conhecemos as suas manhas. Eu gosto de pensar que nós temos ma abelha rústica que consegue desenrascar-se sem muitas atenções nossas. Não fosse a varroa e quase que apostaria que bastava irmos lá na primavera colocar as alças e controlar a enxameação, e depois não tinhamos mais trabalho para além de retirar o mel!
Abraços
Hugo
Mário,
As abelhas ficaram perto de um ribeiro, local que pela abundância de água sempre anima a vegetação e as abelhas, mas estavamos no Inverno...
Um grande abraço ao Mestre Duarte e um grande obrigado também, pela disponibilidade. Tenho imensa curiosidade em produzir mel de urze, mas a distância de facto...
Ainda hoje, a meia dúzia de quilómetros de casa, já eu meti água: fui colocar alças para o girassol e tive de deixar a carrinha a patinar com 20 colmeias de cada lado, não a conseguia tirar do meio do apiário. Valeram-me os proprietários que me foram rebocar com um jipe. Nem calculam a sensação de estar "esticado" no chão húmido (molhado)debaixo da carrinha à procura de um sítio para atar o cabo, para não falar dumas centenas de abelhas enraivecidas que me acompanharam na tarefa...
Hugo,
Eu chego a pensar que a nossa abelha rústica acabaria por sobrevicer à Varroa, se não a tratassemos, mas as baixas seriam desastrosas até surgir uma variedade resistente...
abraços
JPifano
Realmente as baixas seriam desastrosas e as consequências seriam imprevisíveis e a uma escala para além da nossa capcidade de compreensão. Até lá o trabalho é nosso e se por acaso notar-mos que temos entre as nossas abelhas algumas que sejam um pouco mais resistentes é nosso dever ir priveligiando essas para criar rainhas e preservar a sua genética. Ainda havemos de conseguir chegar lá!
Eu tenho esperanças quanto a isso até porque já existem abelhas europeias com comportamentos higiénicos mais acentuados capazes de combater naturalmente a varroa. Tudo a seu tempo até porque a lei da antureza sempre foi a sobrevivência do mais forte!
Abraços e boa sorte com o girassol porque eu anda não vai ser este ano que vou transumar...
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