09 outubro, 2008

Síndroma do "Desaparecimento de Colmeias"


Uma das primeiras referências que vi acerca do Collony Colapse Disorder, CCD ou SDC, alertava para a dificuldade em atribuir uma causa a este recente distúrbio das abelhas. Curiosamente, nesse escrito chamaram-lhe “Síndroma do Desaparecimento de Colmeias”, uma má tradução apesar de bem intencionada, mas chamou-me a atenção para o problema.
Até pensei “na minha terra temos um termo mais simples, trata-se mesmo de: roubo!”, e as causas até já são fáceis de identificar, tantas vezes o cântaro foi à fonte... mas problema não era esse, tratava-se de um quadro bem mais negro e sem solução à vista.
Curiosamente, nos últimos dois anos tenho notado uma forte diminuição na população de abelhas, após a cresta de Primavera. Noutros anos e com produções semelhantes, após retirarmos uma série de alças de cima de cada colmeia, fica sempre aquela sensação de falta de espaço em virtude do elevado número de abelhas. Nos dias que antecedem o transporte das caixas para o girassol é comum verem-se grandes aglomerados de abelhas na tábua de voo, o que não me acontece desde a Primavera de 2007. Mesmo durante a cresta surgem-me os quadros das alças cheios de mel, operculados, mas com poucas abelhas.
Por um lado facilita muito os trabalhos, mas por outro fico apreensivo.
Felizmente que nestes dois anos os Verões além das temperaturas amenas têm proporcionado boas colheitas, também devido ao regresso do Girassol. Tal facto permite a reposição nas populações para quantidades mais que suficientes para passarem o Inverno. Fiz os tratamentos há uma semana e as colmeias tinham mais população que no fim da Primavera.

Na revista “O Apicultor” n.º 60, de Abril/Junho de 2008, encontra-se um estudo muito interessante sobre o problema em causa, da autoria de A. Pajuelo, entre outros.
No referido estudo são testadas algumas variáveis que poderão estar na origem do desaparecimento das abelhas, entre as quais o stress nutricional das colmeias: carências proteicas motivadas por pólens pouco ricos e nutritivos, ainda por pesticidas, doenças emergentes e práticas de maneio pouco adequadas.

Por outro lado, e no mesmo artigo, também há referências a um aumento significativo nos efectivos dos apicultores em Espanha. Provavelmente estimulados pelas fortes ajudas regionais ao sector apícola (isto não se lê no artigo). Tanto os aumentos de densidade de colónias como o stress nutricional foram os aspectos que mais me chamaram a atenção e sobre os quais é possível estabelecer paralelismos com a região onde me encontro.
O aumento de efectivos numa dada região tem de ter em conta a capacidade de suporte do meio, caso contrário poderá comprometer as produções e inclusivamente a própria sobrevivência das abelhas. Há muitos anos que a margem esquerda do rio Sor alberga centenas ou milhares de colmeias, cada dobra de terreno tem um pequeno apiário. Desde 2003/2004 para cá que os apicultores se queixam de aumentos na mortalidade e problemas sanitários nessa região. Desde os tristemente famosos incêndios desses anos que os proprietários rurais dessa zona são “obrigados” pelas companhias de seguros a desmatar as terras.
Não havendo um aumento de efectivos, neste caso houve uma forte diminuição da capacidade de suporte do meio, a disponibilidade de flora apícola foi muito reduzida. Não está em causa a prevenção dos fogos, agora creio que é bastante falível o método utilizado. Há muitas formas de fazer a gestão de matos, em faixas ou em mosaico, que limitam a progressão do fogo sem eliminar os matos de reconhecida importância para as abelhas, para não falar da protecção dos solos arenosos dessa região, tão susceptíveis à erosão pela chuva e pelo vento.
Todos os anos aumentam as áreas desmatadas onde antes proliferava a flora apícola. Este empobrecimento quantitativo e qualitativo do coberto vegetal autóctone terá decerto reflexos na sobrevivência das colónias de abelhas, sobretudo na estação fria.
Posso ainda contar, a título de curiosidade, que há três ou quatro anos pedi um orçamento sobre várias modalidades de seguros para a apicultura a um amigo meu que trabalhava no ramo. No que se referia ao seguro contra incêndios para as colmeias, creio que o único que me aceitavam, colocavam como condição que eu desmatasse creio que um ou mais quilómetros em torno do apiário... Educadamente respondi-lhe que o objectivo era mesmo produzir mel e não fazer uma pista de aterragem para... porta-aviões!!

Todas esta razões, e mais algumas que me escapam, decerto estarão na origem de aumentos atípicos na mortalidade das colónias de abelhas nos últimos anos. Apesar desta crise ainda não ser muito sentida na região, e arrisco mesmo dizer que a nível nacional, é mais que tempo de se avaliarem os riscos e dentro da medida do possível se tomarem as medidas necessárias.
Como disse José Saramago esta semana:
“Por vezes é preciso mudar para que tudo continue na mesma...”

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