12 abril, 2009

Primavera 2009

Todos os dias levamos com vendedores de “banha da cobra” a anunciar-nos o Apocalipse: as alterações climáticas, o aquecimento global, o buraco do ozono, este último fez mais sucesso nas décadas de 1980 e 1990.
Acho que assuntos importantes e polémicos como estes são tão falados, e mal falados, até à exaustão. As pessoas dessensibilizam, as mesmas razões e argumentos são repetidas tantas vezes que se chega a odiar mais o mensageiro que a própria mensagem.

Há um ano e dois anos, respectivamente, assisti na televisão à comunicação de um alegado cientista que nos alertava para os dois Verões mais quentes e rigorosos das últimas décadas, ou séculos: o de 2007 e o de 2008. A comunicação aparentava mais ser proferida por alguém que queria a todo o custo manter o posto de trabalho, do que de alguém convicto da profecia.
Sempre tive pavor dos Verões quentes, mas nesses dois anos não consegui jantar uma única vez no quintal, tal era o frio que se fazia sentir a essa hora...
Os problemas ambientais causados pela pressão humana, o aquecimento global, as alterações climáticas e tantos outros fenómenos meteorológicos anómalos são já uma realidade. O que incomoda é mesmo a forma leviana e gratuita como se têm abordado esses temas.

Tenho reparado que nos últimos anos raras são as Primaveras em que boa parte do mês de Abril não tenha ventos moderados a fortes na minha região. Esta “boa parte do mês de Abril” chega a ultrapassar os 75%...
Como já disse num texto há tempos atrás, os solos desta zona têm algum corpo, aguentam a humidade mesmo em Primaveras pouco chuvosas. A floração principal baseada no Rosmaninho está quase sempre assegurada, quer pelo tipo de solo quer pelo sistema radicular arbustivo da dita vegetação.
Normalmente a diferença entre uma boa e razoável produção de Primavera explicava-se com o regime de chuvas durante os meses de Fevereiro e Março. Ironicamente lembro-me de anos de má produção em que as chuvas contínuas em Abril impediam as abelhas de trabalhar: “a chuva lava o néctar todo às flores”, assim o justificavam os mais velhos.
A chuva lava, ou dilui o néctar, mas o vento dos últimos anos seca-o completamente. Quando passeio no campo, tenho o costume de esmagar umas cabeças de Rosmaninho para avaliar as quantidades de néctar. Nas últimas Primaveras chego a ficar com os dedos roxos, por causa das pétalas, mas o característico néctar pegajoso há muito que não o vejo.
Ainda assim, os 25% que restam de tempo útil, boas condições climatéricas, em Abril, permitem produções na ordem dos 10 a 15 kg/colmeia, 20kg nalguns apiários. O que corresponde respectivamente a uma alça, uma e meia ou duas alças/colmeia.
Lembro com alguma saudade os últimos anos da década de 1990, e os primeiros do novo milénio, em que podíamos contar com a totalidade da Primavera. Produtividades médias a rondar os 30 a 40 kg/colónia, e por vezes 50kg ou mais.

Incomoda muito o sentimento de impotência face a este fenómeno meteorológico: o vento, até a nós nos entontece, quanto mais às abelhas que lhes impede o voo. Na minha terra há uma série de ditados que “desfavorecem” o vento Suão, secam toda a vegetação e ainda carregam uma série de moléstias.
Quando os referidos ventos se associam à falta de chuva, então temos mesmo “o caldo entornado”, a apicultura pára quase por completo, as abelhas pouco mais saem da colmeia que para recolherem água.
A semana passada, para ajudar à festa, chegou a colónia de Abelharucos de que sou patrocinador já há alguns anos. Vêm esfomeados, a avaliar pelos “pios”, fazem voos rasantes às colmeias mas de pouco lhes valem, as abelhas pouco têm saído...
Anteontem até registei um fenómeno curioso, os Abelharucos que sobrevoavam o lago do monte vinham lá das alturas e mergulhavam como as aves marítimas que vimos nos documentários. Ainda pensei que se tratasse de suicídio, mas como voltavam a subir após o mergulho, das duas três: estranha forma de beber água ou então andam a alimentar-se de peixe...
Ora vejam lá nas fotos, pouco nítidas, se não ficam com a mesma sensação:


Outros fenómenos curiosos que directa ou indirectamente tenho registado nos últimos meses:

A semana passada ligou-me um apicultor que após aturada inspecção às colmeias observou o seguinte: Colónias com muita (imensa) criação, dividida apenas em “ovos” e “criação operculada”, faltavam todos os outros estados larvares.
Os ovos então abundavam, ocupavam quase todos os alvéolos vazios nas colmeias. Justificou-mo (e faz muito sentido) que face às condições climatéricas, as abelhas não alimentam as larvas recém eclodidas, que acabam por morrer e ou são removidas. Isso faz com que haja sempre muito espaço para a postura da rainha. As larvas operculadas resultaram de posturas feitas há mais tempo e que sobreviveram.
Nunca assisti a um acontecimento semelhante, ou pelo menos que estivesse alertado para isso, mas não deixa de fazer sentido, ainda por cima, segundo o apicultor, o fenómeno é comum a todas as colmeias e apiários que possui.

A semana passada, à conversa com um dos maiores apicultores de Portalegre, soube que o mesmo perdeu cerca de 250 colónias das 430 que possuía. O apicultor fez sempre um controlo rigoroso à Varroose e garante que a morte/desaparecimento das colónias não faz qualquer sentido, a não ser pelo dito SDC, Síndroma do Despovoamento de Colmeias.
Tal como ele, outros apicultores dessa região registaram perdas da mesma magnitude. O problema continua a ser muito ocultado à opinião pública em geral e apicultores em particular, mas cada vez é menos discreto. A Autoridade Sanitária Nacional para os assuntos apícolas, vulgo: Direcção Geral de Veterinária, mantém o já habitual “silêncio ensurdecedor”...
Quanto aos laboratórios que também podiam andar na linha da frente, nada mostram, nem sei se estão a fazer alguma coisa pelo assunto. No entanto deixo-lhe estas amêndoas:

Se o SDC não lhes suscita interesse suficiente de modo a procurarem e combaterem as suas causas, lembrem-se que atrás das abelhas, ironicamente, perecerão as Varroas, e assim a “mina de ouro” pode sofrer um forte revés...

Uma boa Páscoa para todos, infelizmente com menos mel que amêndoas...

2 comentários:

Anónimo disse...

Viva caro amigo Joaquim,

a coisa não está fácil como diz e é a prova que as coisas não acontecem só aos outros .. isto a proposito de ter visto um documentário no 60 minutos sobre o desaparecimento das abelhas nos EUA http://www.cbs.com/thunder/player/tv/video.php?pid=lwzqfK7z6MGTj4Ufcy_lFGf0L__VXh2n&auto=1

.. espero não ter que assistir ao fim da historia.

um grande abraço e felicitações pelo excelente trabalho que tens feito neste blog,

joão bolila

José Baptista disse...

Parabéns pela excelente qualidade do blog.
O conhecimento e a arte de mãos dadas.
Obrigado.