09 dezembro, 2008
As Zonas Sanitárias Controladas e o Mito do Correio Azul...
Há uns anos atrás, era eu criança, aprendi que se colocasse uma carta no Correio, regra geral ela chegava ao destino no dia seguinte. Tempos mais tarde, alguém inventou o “Correio Azul”, muito mais rápido e caro que o convencional, cheguei a pensar que a correspondência chegasse ao destinatário no próprio dia. Nada disso, o Correio Azul demorava as mesmíssimas 24 horas, o convencional é que ganhou o estatuto de não prioritário, passando a demorar mais tempo.
No fundo, o Correio Azul não trouxe nada de novo, a não ser mais lucros para os CTT de então.
Depois inventaram o Correio Verde, foi quando me ocorreu que a escala de cores do visível ainda tinha pano para mangas a explorar e decidi-me então pelo correio electrónico, impessoal e cinzentão, mas é rápido e barato...
Há uns anos atrás, eu já não era criança e aprendi que o Programa Apícola Nacional(1) levado a bom termo, poderia controlar e quase erradicar boa parte dos problemas sanitários da apicultura.
Nesse tempo, a filosofia do dito Programa era precisamente o combate à Varroose, mediante o recenseamento dos apicultores e respectivas existências, culminando na extremamente importante: distribuição gratuita de medicamentos.
Foi também quando se começou a falar nas Zonas Sanitárias Controladas (ZSC), cujo estatuto só previa deveres para os respectivos gestores e por isso depressa foram esquecidas.
Recentemente, verificou-se uma alteração aparentemente pouco importante na filosofia das ditas Zonas, mas que marcou toda a diferença: o direito a um ou mais técnicos pagos por fundos comunitários para gestão e controlo das ZSC. Começaram então a surgir um pouco por todo o lado como cogumelos, o que à primeira vista parecia ser o fim das moléstias apícolas.
A grande novidade veio então como uma revelação, no Programa Apícola Nacional – 2008/2010, a distribuição gratuita de medicamentos passou a contemplar apenas as referidas ZSC. O resto do país talvez tenha ficado com o estatuto de Latrina Sanitária Descontrolada, pois apesar da ajuda de 90%(2) para aquisição do medicamento, os apicultores ainda tinham de pagar uma quantia avultada...
À semelhança do Correio Azul da minha infância, as Zonas Sanitárias Controladas também não trouxeram nada de novo, ficaram com o estatuto que antes contemplava a totalidade do território, remetendo as restantes áreas para um plano secundário e sem importância do ponto de vista da sanidade apícola.
Lembro-me de nos “tempos áureos” do Programa Apícola os técnicos serem instruídos no sentido de angariarem o maior número possível, senão a totalidade, de registos de apicultores, de modo a que os medicamentos acaricidas homologados chegassem a todos os apiários, e só assim se podia debelar a temível doença. Uma das premissas dessa estratégia era que as colmeias tivessem um tratamento sincronizado e de preferência com o mesmo produto. Caso contrário, a Varroa mantinha-se nos apiários não tratados durante a medicação dos outros e vice versa, sobrevivendo assim aos sucessivos tratamentos.
Agora só se focam as atenções nas áreas de estatuto especial em detrimento do resto, cada associação compra os medicamentos que quer... ou que pode... ou nem compra.
Ficam-me no entanto algumas questões sem resposta:
Assumindo que a Varroa é de facto controlada nas ZSC's, como impedem que os ácaros respeitem essa fronteira? Com áreas tampão? E a mobilidade dos enxames? E a dos zangãos? E as colónias selvagens? Por vezes assumimos para as abelhas comportamentos e características próprios de outros animais, como as vacas, as ovelhas ou os porcos, por isso surgem sempre uma série de imprevistos que nos fogem ao controlo.
E a proximidade de outros apiários, das “Zonas Descontroladas”?, o ordenamento que há uns anos se previa fazer com levantamentos por GPS, caríssimos e adquiridos pelas associações ao abrigo do Programa, não passou da fase teórica.
Assumindo igualmente que as Zonas Sanitárias Controladas obrigam ao uso exclusivo de medicamentos homologados, até porque os outros não existem, o que fazer no caso de Loque Americana ou outra enfermidade que não a Varroose? Talvez o Programa preveja a contratação de algum curandeiro para fazer rezas e mezinhas às abelhas... Tenho pouca fé nos abates sanitários e respectivas indemnizações, até porque estas últimas custam mesmo muito dinheiro.
E relativamente aos transgénicos nas ZSC's? A sanidade das abelhas não é só afectada por agentes químicos e microbiológicos...
À data do “fecho da edição”, conversava animadamente sobre o assunto com um apicultor associado na ADERAVIS. Contou-me ele que possui um apiário privilegiado, instalado numa ZSC, onde foi colhida uma amostra de abelhas para análises anatomopatológicas em Março passado, pela qual pagou a módica quantia de 5,00€. Nove meses depois, ainda não recebeu o resultado da dita análise. Se as respectivas colónias forem portadoras de uma moléstia grave, em vez do diagnóstico o laboratório pode enviar-lhe é a certidão de óbito.
Zonas Sanitárias Controladas? Sim! Com toda a urgência, mas uma única que abarque a totalidade do território, a totalidade das colmeias e moléstias, e... com controlo...
(1) Nesse tempo, chamava-se Programa de Acções de Melhoria da Produção e Comercialização do Mel.
(2) 90% em 2008, 50% em 2009 e ... 0% em 2010.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
É engraçado como consegue descrever a triste realidade de forma bem elucidativa. :)
A varroa é um problema que foi aproveitado de forma a "alguém" conseguir tirar mais um lucro seja ele qual for, cada vez mais estou mentalizado que para combater esse tipo de praga e outras devemos recorrer a métodos tradicionais.
Um abraço da Ferradela
Por vezes gosto de ler e conhecer ou rever os post mais antigos. Este continua avtual!
A minha opiniao é a de que quanto menos estado, mais e melhor apicultura. Tudo aquilo em que o poder se mete acaba por apodrecer e ser dominado pelas Dark Force.
Apicultor de sucesso nao deve depender do estado, de subsidios nem de nada.
Sou pelas associacoes, mas que se bastem a si proprias!, que tenham melaria e que se modernizem por serem viàveis.
Abelhasdoagreste
Olá Afonso,
é verdade, houve um tempo assim, antes da UE, sem ajudas, sem subsidios, toda a gente evoluia e...curiosamente não havia crise :)
abraços
Enviar um comentário