02 abril, 2009

Enxameação, consequências...

Os enxames, as jóias da coroa apícola, amados por uns e odiados por outros, vêm e vão como os amores na Primavera.

Ninguém constrói uma vacaria e deixa as portas abertas à espera que as vacas caiam do céu, quem as quiser tem de as pagar... caras. Já a apicultura é uma das actividades com menores custos iniciais. Os enxames não “caem” do céu, mas é pelos céus que se dirigem em todas as direcções para povoar quantas caixas e cortiços os apicultores preparem para o efeito.
São ainda o cartão de visita de qualquer abelheiro, não há apicultor digno desse nome que não guarde na memória as peripécias que passou para capturar uns quantos enxames. Para não falar da forma como contam essas histórias até à exaustão (de quem os ouve...).

Agora mais a frio, o termo “enxameação” nunca trás nada de bom, perdem-se abelhas (muitas abelhas), perde-se potencial produtivo e consequentemente o mel e os lucros.
É sob essa óptica que vou tentar relatar como se processa tal fenómeno em duas regiões próximas mas distintas e como isso afecta toda a apicultura local.

Ponte de Sor: Muita Flora de Inverno e Primavera, em detrimento do Verão.
É uma região caracterizada por extensas herdades com montado de sobro, cruzada pelo rio Sor e imensas linhas de água. O solo é essencialmente arenoso, muito sujeito à erosão pelos ventos e águas de escorrência. O mato que o cobre, de importância apícola, compreende sobretudo o Rosmaninho, Estevas, Alecrim, e algumas Ericácias entre outras espécies menos abundantes.
Apesar da flora mais importante ser de porte arbustivo, cujos sistemas radiculares são mais resistentes à seca, a ausência de chuvas Primaveris depressa interrompe a produção de néctares, por causa da fraca capacidade de retenção de água dos solos arenosos.

O ano apícola em Ponte de Sor inicia-se após um Inverno normalmente rico em fontes de néctar, o que se traduz em colmeias populosas e dimensionadas muito cedo. Este estímulo, que evita a alimentação artificial na estação fria, deve-se ao Alecrim, a algumas matas de Eucalipto e sobretudo à prolificidade de Salgueiros que acompanham as linhas de água.
Por estas razões, as colmeias enxameiam muito e muito cedo, logo a partir de meados de Fevereiro. Pior que isto é o facto do aumento de efectivos nesta região há muito se fazer pela captura de enxames, o que tem seleccionado esta característica. A maioria dos apicultores duplica o número de colónias durante a Primavera, à custa de fortes perdas na produção.
Com a chegada do Verão, a segunda parte do problema, não há néctares disponíveis nesta estação. Segue-se um período de forte mortalidade, as colónias velhas não tiveram tempo de refazer as reservas e populações e com as novas passa-se o mesmo. A ausência de floração mantém as abelhas na colmeia, a inactividade aumenta a longevidade dos insectos doentes e a proximidade das outras leva ao fácil contágio das moléstias.
Cheguei a visitar apiários em várias horas do dia em que nos podíamos passear sem equipamento frente às colmeias, o movimento de abelhas era mesmo nulo.
Os efectivos muito aumentados na Primavera eram agora reduzidos aos números iniciais. Quando se faziam declarações de existências em Junho e Dezembro, o gráfico ao longo dos anos parecia um serrote por causa do sobe e desce. O pior é que as produções de mel eram muito reduzidas por causa da enxameação:


A única forma de resolver este problema passava pela proposta aos apicultores no sentido de fazerem o CONTROLO DE ENXAMEAÇÃO durante o período crítico. Este processo levado a bom termo, impedindo a saída de abelhas, aumentaria as produções de mel.
Finda a Primavera o apicultor poderia então optar por fazer DESDOBRAMENTOS, para aumentar os efectivos e TRANSUMÂNCIA para regiões com flora de Verão. A Transumância tornava-se mesmo uma necessidade no caso da opção pelos desdobramentos, pelos motivos óbvios.
Houve apicultores que modificaram o tipo de maneio neste sentido e com óptimos resultados.


Do gráfico (e proposta) anteriores ressaltam duas tarefas difíceis de executar, seja pela morosidade, dificuldade física (para apicultores idosos) e alguma incerteza nos resultados. Trata-se, claro está, do Controlo de Enxameação e até da Transumância.
O Controlo de Enxameação mais vezes se baseia na fé que em métodos fiáveis. Tal como o tentarei demonstrar no próximo “post”, ou se seleccionam colónias sem tendência para enxamear ou lutaremos para sempre contra este problema.

Podemos optar por uma abordagem diferente, que nos evitará o stress do Controlo de Enxameação: o maneio é em tudo semelhante ao anterior, apenas fazemos os desdobramentos no início da Primavera, em meados de Fevereiro.
As colónias iniciais também “perdem” abelhas neste processo, mas aumentamos os efectivos sem riscos de perder abelhas (de facto) e sem a necessidade de fazer sentinela no apiário durante semanas (meses?) à espera dos ditos enxames.


De ressalvar uma grande vantagem deste método: os desdobramentos operados nesta data, extensível até meados de Março, apresentam uma taxa de sucesso muito superior aos feitos no fim da Primavera, depois da cresta. A criação de rainhas, inerente aos desdobramentos, encontra muito melhores condições de humidade, temperatura, disponibilidade de pólen e néctar no início da Primavera que à entrada do Verão.

Como devem calcular, esta abordagem irá custar alguns kg de mel à produção de Primavera, mas se os enxames escaparem ainda é pior. O ano passado fiz 20 desdobramentos em meados de Fevereiro, que me produziram exactamente 200kg de mel, uma alça por cada uma das novas colónias. As colmeias que ficaram com a rainha produziram em média uma e meia a duas alças por colónia. Já no Verão, no Girassol, cada colmeia produziu uma alça de mel. Não foi grande produção, mas o ano também não foi excepcional, e a minha zona é diferente de Ponte de Sor.

Avis, Sousel, e Fronteira: Muita flora de Primavera e ou Verão, em detrimento do Inverno.
Nesta região, à semelhança da anterior, também se verifica uma oscilação nas existências dos apicultores. A diferença é que se parte de um Inverno mais pobre em floração, o que vai atrasar os acontecimentos registados no caso anterior.
A flora é semelhante à de Ponte de Sor, havendo no entanto menos Alecrim e Salgueiros, o que empobrece bastante as fontes de néctar da estação fria. Já o Verão é bem mais acolhedor dada a disponibilidade da Melada de Azinho, o Cardo e o Girassol. Nas Primaveras chuvosas (parte final) a Soagem possibilita grandes colheitas de mel.
Podemos até afirmar que os solos mais argilosos, fazem com que a vegetação continue produtiva mesmo nos anos secos, salvo no caso da Soagem e do Cardo (herbáceas), cujas raízes não têm o rendimento das arbustivas.

O ano apícola inicia-se com colónias muito fracas, resultado de um Inverno rigoroso e sem flores. A enxameação só acontece durante os meses de Abril e Maio, uma vez que as colónias usam os néctares de Primavera (Rosmaninho) para se dimensionarem (encherem o ninho).


O “sobe e desce” dos efectivos é em tudo semelhante à região anterior, menos acentuada e desfasada no tempo. O mesmo já não se pode dizer das produções de mel e da mortalidade acentuada, pois o prolongamento da época produtiva com muita flora de Verão possibilita crestas razoáveis de méis escuros (durante o mês de Agosto), tal como boas reservas para as colónias enfraquecidas com a enxameação.
No gráfico acima podemos ver duas interrogações: 1 – Alimentação Estimulante e 2 – Transumância. A primeira deve-se ao facto de boa parte dos apicultores ainda não a fazerem, a segunda porque a deslocação de colónias pode ou não justificar-se consoante o local onde o apicultor tenha os assentamentos.

Esta “apicultura” também pode e deve ser maximizada em termos de produções:


Como se pode observar no gráfico anterior, a ministração de Alimento Artificial Estimulante a partir de finais de Janeiro, não só dimensionará as colónias como possibilitará a prática de desdobramentos durante o mês de Fevereiro (finais) e Março.

IMPORTANTE: Em teoria tudo é possível, mas admitamos que na prática estimular as abelhas tão cedo é, ou pode ser, muito arriscado. Esta decisão é sempre uma das mais difíceis que tomo. Imaginem que temos dias soalheiros em Janeiro, estimulamos as colónias e “surge-nos” um Fevereiro (ou Março), frios e chuvosos. As colmeias cheias de criação (com as reservas sempre no limite, e sem espaço para elas) podem colapsar em pouco dias se não forem mais alimentadas. Torna-se assim um ciclo vicioso...
Quando preparo o alimento artificial estimulante (líquido) para esse efeito, costumo fazer também um “seguro”, preparando boa quantidade de alimento de manutenção (sólido). Caso a meteorologia não colabore terei de travar o estímulo com alimento sólido, o que felizmente nunca foi necessário...

Mas voltando ao gráfico, e assumindo que o S. Pedro vai ajudar, podemos fazer os ditos desdobramentos com boa taxa de sucesso. Tal acção alivia-nos muito o controlo de enxameação, fenómeno que é muito potenciado após as sessões de alimento estimulante.
Verifica-se uma ligeira mortalidade durante a Primavera (Mortalidade 1), o que se justifica com o facto de alguns desdobramentos não terem corrido bem: não criaram rainha, a rainha não foi fecundada ou foi morta no voo nupcial...
Mais uma vês a transumância. Raramente (nesta região) um bom local de Primavera será um bom local de Verão, convém ponderar nesta hipótese. Eu opto sempre pelo “sim”, até porque as distâncias maiores raramente vão além dos 20 ou 30 km, e é uma garantia para os desdobramentos mais atrasados.
O controlo de enxameação ou os desdobramentos e a transumância permitem duas crestas anuais, o que acaba por tornar este tipo de apicultura muito compensadora, para não falar nas vantagens de manter as colónias activas a maior parte do ano.
Já no Inverno torna-se necessária (determinante) a alimentação artificial de manutenção, com os ditos alimentos sólidos, uma vez que a flora desta região pouco ou nada ajuda nesse período. E quando o Eucalipto ajuda, (mau sinal), trata-se de um Inverno demasiado quente com consequências piores ainda na Primavera...
A Mortalidade 2, refere-se obviamente a perdas durante o período frio, acho que incontornáveis, o regresso da transumância do Girassol prega-nos sempre algumas partidas e os rigores da estação também ajudam à festa...

Neste “post” reporto-me a duas regiões bem definidas, mas as observações podem ser extrapoladas para tantos outros locais do país com condições semelhantes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sou natural de uma freguesia do concelho de Abrantes, que delimita este do concelho da Ponte de Sor.
O meu pai é abelheiro, assim como eu, e recordo-me que sempre esteve presente este dilema da enxameação. Estamos localizados em lugar com as mesmas caracteristicas da Ponte de Sor (sem florações de Verão), e este ano decidi deixar de andar pendurado nas árvores a capturar enxames provocados pela enxameação, e para tal fui ter com quem sabe, foi na altura que o camarada Pifano me aconselhou os desdobramentos, estes estão feitos, resta-me aguardar pelos resultados, pois não quero continuar a despertar a "veia" da enxameação nas minhas colónias.
Um grande bem haja.
Bons voos
Francisco

Hugo Martins disse...

Bem eu que sou de Ponte de Sor, conheço bem o fenómeno da enxameação que caracteriza aquela zona... Já tentei vários métodos de controlo de enxameação mas quando se combate um instinto poucos são os que resultam a longo prazo. Já cheguei a contar mais de 30 alvéolos reais numa colmeia que se preparava para enxamear!
Neste momento estou a investir na selecção das colmeias menos enxameadoras e seu desdobramento... Mas para isso tenho que ter cuidados redobrados com a consanguinidade... A enxameação sempre irá existir mas o apicultor pode controlá-la! Basta saber como o fazer!
Abraços
Hugo

Unknown disse...

Boas,se possivel gostava de aprender como tentar comtrolar a emxameação de 5 ou 6 colmeias que mostram estar bastante fortes...
Sera que alguem podera deichar umas dicas???
Isto é, podiam era abrir umas formações sobre o tema (apicultura)....
Abraços